Morfema e morfe
É necessário
fazer uma diferença entre morfema e morfe, embora comumente se use apenas a
primeira palavra para designar as duas entidades.
Gleason
(1969, p. 46) observa o perigo de definir morfema como "a menor unidade
gramaticalmente pertinente", um conceito apenas formal, que exigiria uma
definição de gramática: "o estudo dos morfemas e suas combinações".
Estabelece-se uma petição de princípio, raciocínio vicioso que nos faz retornar
ao ponto de partida, após caminharmos em círculo.
Se o
confronto entre morfema e gramática não é suficiente, visto que para definir
qualquer desses conceitos nós precisamos ter definido anteriormente o outro, um
novo elemento diferenciador deve entrar para resolver o impasse: a
significação. Chegamos, assim, a outra concepção de morfema: "unidade
mínima significativa", que tem a propriedade de articular-se com outras
unidades de seu nível. Ou, mais especificamente, unidade formal abstraia,
provida de um (ou mais de um) valor semântico — referencial ou gramatical.
O morfema é,
pois, uma abstração que envolve significados e possibilidades combinatórias.
Apresenta-se, o mais das vezes, formalizado em fonemas, que se concretizam por
meio de sons. É importante reiterar que essa transição de fonema a morfema
implica uma diferença qualitativa, consubstanciada na incorporação de um
significado ao conjunto fonemático, que passa, por esse motivo, a constituir um
signo — entidade dual em que se ajustam irreversivelmente duas faces: o
significante e o significado. É essa a essência do signo, aquilo que o faz
"ser". E é por isso que o morfema difere essencialmente de outra construção
de fonemas, a sílaba; se um morfema e uma sílaba tiverem a mesma configuração
fonemática, terá sido "mera coincidência".
Uma forma
linguística só pode ser reconhecida se se define o nível em que está sendo
observada. O fonema /a/, por exemplo, não se confunde com o morfema -a de feminino, nem com o vocábulo a,
artigo; são entidades diferentes, de níveis diferentes. Em latim, o som [i]
pode ser a concretização: do fonema /i/; do morfema i- (radical do verbo ire); do vocábulo i- ɸ (2ª pessoa do imperativo presente de
ire); da frase imperativa "I" ("Vai!"), quando for dotado
de uma entonação adequada.
A dualidade
abstrato-concreto mostrou a conveniência de uma designação específica para esse
outro aspecto do morfema, o morfe.
Como se vê, a terminologia corre paralelamente à que é usada em fonologia:
fonema, fone, alofone; morfema, morfe, alomorfe.
Essa noção
de morfe, em oposição a morfema, vai ser útil para a compreensão de alguns fenômenos,
entre os quais a cumulação e a alomorfia.
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Fonte:
Mofossintaxe, por: Flávia de barros Carone. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1994, págs. 22-23.
Fonte:
Mofossintaxe, por: Flávia de barros Carone. Editora Ática, 4ª Edição. São Paulo, 1994, págs. 22-23.
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