Arigó, o cirurgião da faca enferrujada: um estudo sobre o famoso sensitivo de
Congonhas.
O que era o seu poder?
Texto de: Jorge
Rizzini
Um livro sobre Arigó está emocionando o
público norte-americano interessado em pesquisas sobre poderes paranormais.
Trata-se de Arigó, o Cirurgião da Faca
Enferrujada, de John Fuller. O livro narra as investigações que cientistas
e pesquisadores fizeram em torno dos trabalhos de Arigó, principalmente a que
foi desenvolvida por Puharich. É uma espécie de revisão de conceitos em torno
do sensitivo de Congonhas do Campo, uma reavaliação de seus poderes. O livro
traz uma dezena de grandes casos, inclusive o de uma das filhas do
ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Arigó, o Cirurgião da Faca Enferrujada
está emocionando o público norte-americano, não porque John Fuller seja um dos
mais notáveis jornalistas dos Estados Unidos ou porque algumas de suas peças
teatrais foram encenadas na Broadway com enorme sucesso, mas pelo fato de que
em suas páginas está contada a incrível operação que o médium de Congonhas do
Campo fez no braço de um cientista da NASA, o dr. Andrija Puharich (a respeito,
ver o n.° 29 de Planeta). Ora, as
fotografias e o relato impressionante dessa cirurgia mediúnica em um dos mais
conhecidos homens da ciência americana (cirurgia feita nas condições mais precárias
e com êxito absoluto) dão, evidentemente, às outras intervenções cirúrgicas
narradas por John Fuller, validade total, E a obra convence, ainda, por trazer
depoimentos importantíssimos, como o do próprio Andrija Puharich, líder da
equipe de médicos americanos que veio ao Brasil examinar Arigó. Não obstante
bem documentado o livro, John Fuller precaveu-se contra os célicos, não fosse
ele um jornalista experimentado. Ele tem em seu poder cópia de um filme
colorido que mostra operações do médium. Esse documentário em 8 milímetros foi
realizado por este autor e cedido a Puharich, como material de estudo, por
Ocasião de nosso encontro em Nova York. Tanto Fuller como os cientistas da NASA
que estudaram Arigó defendem a tese espiritualista e os debates públicos se
sucedem. Para os leitores brasileiros a força maior do livro de Fuller está,
particularmente, nos detalhes, sempre substanciais. Esses detalhes jogam luz em
certas passagens da vida de Arigó e fazem com que o médium surja vivo diante
dos leitores, como veremos na narração do encontro de William Belk (presidente
de uma fundação parapsicológica norte-americana) e de Puharich com Arigó, em
1965. Arigó estava, então, no apogeu de suas forças mediúnicas.
A faca de Arigó e o espanto americano
Terminada a
oração, Arigó virou-se rapidamente e dirigiu-se para sua salinha, fechando a
porta. Alguns dos pacientes mexiam-se constrangidos em seus bancos, e outros
começaram a conversar em voz baixa. Duas assistentes jovens e mulatas
puseram-se a andar pela sala formando as filas ao longo das paredes, de frente
para o compartimento onde Arigó começaria suas consultas. Do lado de fora da
sala via-se a um canto um auxiliar de olhos tristes, falando baixo, que,
sentado em frente a uma antiquada máquina de escrever, esperava que começasse a
atividade matinal. Belk e Puharich não compreendiam bem suas funções. Tampouco
sabiam o que esperavam em relação a Arigó, que entrara sozinho naquela salinha.
Mas após alguns momentos ele tornou a voltar muito animado. Parecia uma pessoa
completamente diferente. Mantinha a cabeça alta, quase arrogante. Antes de
entrar para a sua salinha tinha os olhos muito ardentes e penetrantes, mas
agora, embora o olhar continuasse intenso, tinha algo de distante, quase como
se estivesse fora de foco. Seus olhos brilhavam na luz pálida da sala. Começou
a falar em tom ríspido, como um oficial prussiano. Os intérpretes notaram que
seu acento tornara-se germânico, áspero e gutural. E com autoridade dirigiu-se
a Puharich e Belk, ordenando-lhes: — "Venham!" Conduziu-os à sua sala
que estava agora com a porta escancarada. As assistentes providenciaram para
que as filas se movimentassem, e as pessoas entrassem para aquele
compartimento, onde doze pacientes tomaram posição. Arigó ordenou sumariamente
que os dois americanos ficassem em pé ao lado da mesa.
— "Aqui
não há nada para ser escondido"
— disse ele
— "e fico muito satisfeito por tê-los como observadores" —
acrescentou Arigó com a convicção de um general alemão, quase que em desacordo
com a sua primeira atitude rústica.
De repente e
sem cerimônia pegou bruscamente o primeiro que se encontrava na fila — um homem
idoso, bem vestido com um terno cinza impecável. Agarrando-o firmemente pelo
ombro, segurou-o contra a parede, bem por baixo de um cartaz onde estava
escrito "Pense em Jesus". Puharich, que estava ao lado do homem,
ficou espantado, imaginando o que se seguiria. Logo após e sem pronunciar uma
palavra, Arigó pegou uma faquinha medindo cerca de 4 polegadas com o cabo de
madeira e a lâmina de aço inoxidável, enterrando-a completamente no olho
esquerdo do paciente, por baixo da pálpebra e mergulhando-a profundamente na
órbita. Apesar dos vários anos de prática médica, Puharich ficou chocado e
perplexo, e seu espanto aumentou ainda mais quando Arigó começou a raspar a
faca entre o globo ocular e a parte interna da pálpebra, comprimindo para cima
e com uma força insensata o seio sinovial. O paciente estava perfeitamente
acordado e consciente, não demonstrando qualquer espécie de medo. Não se mexeu
nem recuou.
Mas um dos
presentes desmaiou. Em seguida, Arigó, fazendo um movimento de alavanca, fez o
olho saltar da órbita. O paciente, ainda calmo, parecia apenas incomodado
devido a uma mosca que pousara em sua face. E no momento em que seu olho foi literalmente
expelido da órbita, ele tranquilamente espantou a mosca. Enquanto fazia aqueles
movimentos, Arigó mal olhava para o que estava realizando, e num determinado
momento virou-se para dirigir a palavra a um dos assistentes, enquanto sua mão
continuava a raspar e enterrar a faquinha. Em outro momento, ele afastou-se do
paciente, deixando pendurada a metade da faca no olho. E voltou-se, de súbito,
para Puharich e pediu-lhe que colocasse o dedo sobre a pálpebra, a fim de
sentir a ponta da faca sob a pele. Naquele instante o médico americano estava
quase em estado de choque, mas obedeceu, sentindo nitidamente a faca através da
pele. Para Puharich aquilo que presenciava violava todas as técnicas médicas
que aprendera em Northwestern. E para Belk, que estudara psicologia em Duke,
aquele procedimento era simplesmente inconcebível. Sentia-se de pernas bambas e
nauseado. Após alguns momentos, Arigó retirou a faquinha do olho e a
extremidade da mesma estava cheia de pus. Ele observou aquilo com uma
satisfação visível, e muito sem cerimônia limpou a faca na camisa esporte e
despediu o paciente, dizendo: — "Você ficará bom, meu amigo".
O depoimento de Puharich
A cena
realizara-se tão depressa, que nem Puharich ou Belk tiveram tempo de
raciocinar. Puharich, no entanto, foi pelo menos capaz de interceptar os passos
do primeiro paciente, para examinar o olho operado. Não havia laceração, nem
vermelhidão, e tampouco qualquer sinal de irritação. Lembrando-se mais tarde da
cena, Puharich se expressou: — Foi a primeira vez que presenciei cenas daquela
espécie. Desde o momento em que um paciente levantava-se até que saía, ele ou
recebia uma receita ou era submetido a uma intervenção e retirava-se sem
demonstrar nenhum sinal de dor ou sofrimento. Arigó nunca falava muito a
respeito de qualquer coisa. Pareceu-me viver um pesadelo. Belk e eu nos
olhávamos em silêncio. Tínhamos realmente a impressão de estarmos num ambiente
de ficção científica. Belk, que não era médico, finalmente teve de retirar-se
daquela salinha. Eu continuei a observar. Aquilo tudo exercia um certo fascínio.
Aquelas pessoas se aproximavam de Arigó, e todas eram doentes. Um dos homens
ali presentes tinha um bócio enorme. Arigó pegou a faquinha, fez uma incisão
retirando o bócio, sacudiu-o na mão, enxugou a incisão com um'-pedaço de
algodão, e o paciente retirou-se. O ferimento nem sequer sangrara. Arigó
trabalhava tão depressa que era impossível acercar-me de um paciente antes que
se retirasse. E ficava com medo de falar com um deles logo após tratado, porque
receava perder o que se seguiria. Aquela primeira exibição de Arigó era
demasiadamente fantástica para que se pudesse compreender.
Puharich operado por Arigó
Puharich
lembrara-se de um tumor benigno bastante grande e incômodo que tinha na parte
interna do cotovelo direito, conhecido pelo nome de lipoma. Não era perigoso, e
nos últimos dois anos já fora examinado pelo seu médico, dr. Sidney Krebs, de
Nova York. Do ponto de vista médico um lipoma é um tumor gorduroso, que, quando
examinado, gira livremente sob a pele. Não se conhece sua origem. O tumor de
Puharich já se havia formado há sete anos, medindo cerca de 0,5 polegada de
altura, 0,5 de largura e 1,5 de comprimento. Seu médico sugerira operá-lo, o
que não representava nenhum risco. Esta operação raramente pode ser feita no
consultório médico, pois requer uma esterilização perfeita numa sala de
cirurgia, bem como a habitual assepsia na área do tumor.
O processo
cirúrgico inclui a incisão no tecido gorduroso, a abertura da mesma com dois
afastadores, o uso de hemostáticos e a cauterização dos vasos sanguíneos, a fim
de verificar-se o sangramento para obter-se uma visibilidade perfeita.
Geralmente, prende-se o tumor com um clampe, para que o mesmo possa ser cortado
livremente com um bisturi. A incisão é depois suturada. Para evitar-se uma
infecção, emprega-se evidentemente antissépticos e antibióticos. Sem isso,
poderia advir uma septicemia, ou seja, envenenamento do sangue. Um cirurgião
comum necessita de quinze a vinte minutos para completar a operação. No caso de
Puharich, o tumor estava situado diretamente sobre o nervo cubital, que
controla o movimento da mão, bem como sobre a artéria braquial situada nas
imediações, representando outra espécie de complicação. E foi por esses motivos
que ele não se decidira ainda a operar o tumor, e uma vez que aquilo não o
deixava incapacitado, aprendera a viver com ele. Mas Puharich pediu ao
intérprete que dissesse a Arigó que estava resolvido a deixá-lo operar seu
braço... Aquele pedido repercutiu pela sala repleta, verificando-se um
silêncio de expectativa entre os pacientes. O médico americano tornara-se igual
a eles. Arigó rindo e atirando a cabeça para trás, disse que evidentemente
estava pronto para fazer o que ele lhe pedira. E, virando-se de repente para a
multidão, perguntou: — "Algum de vocês tem um bom canivete brasileiro para
cortar este americano?"
Aquelas
palavras pegaram Puharich desprevenido, mas já não podia voltar atrás. E quase
que imediatamente uma meia dúzia de canivetes foi oferecida. Belk tinha
dificuldade em continuar presenciando a cena. Nervosamente passava os dedos
pela sua Polaroid. Arigó analisou os canivetes com uma expressão de crítica.
Formavam uma coleção variada e algumas das lâminas pareciam cegas e
enferrujadas. Colocou alguns de lado, e finalmente escolheu a versão brasileira
de uma faca suíça do exército. O intérprete traduziu o que Arigó dizia em tom
jocoso: — "O cientista americano tem coragem. Ele merece uma plateia. Vou
provar a este materialista o que um espírito pode realizar. Vou fazer algo que
ele nunca viu nos Estados Unidos. Dê-me o braço, doutor, e olhe para
cima..."
Comissão examina Arigó
E Puharich
sentiu alguma coisa molhada bater na palma de sua mão, juntamente com a própria
faca. Olhou para baixo e viu a forma sangrenta do lipoma e a faquinha que Arigó
usara para extraí-lo. Em seu braço, no local onde estivera o tumor, havia
apenas uma pequena incisão medindo menos que 2 polegadas e dela escorria um
filete de sangue. A pele à volta daquele local estava completamente lisa, não
se vendo mais a protuberância do lipoma. Puharich estava estupefato. Não
sentira a mínima dor em seu braço, apenas uma sensação muito ligeira e vaga. A
operação durou segundos.
De volta a
Nova York, Andrija Puharich formou uma comissão para examinar o caso Arigó.
Haveria seis membros médicos, a saber: dr. William Brewster, cientista da The
New York University Scríool of Medicine; dr. Luís Cortes,
pesquisador da mesma instituição; dr. Walter Pahnke, chefe da seção de
pesquisas e psiquiatra no Maryland Psychiatric
Research Center; dr. Robert S. Shaw, cirurgião no Hospital Geral de Massachusetts; e Puharich, que chefiava as
pesquisas médicas para a Intelectron
Corporation of New York City. A fim de colaborar com a equipe médica,
juntaram-se outros especialistas, Paul Jones e John Laurence, este, técnico em
audiogravações e membro da NASA. O equipamento médico para testar o médium
constava de um aparelho de raios X portátil, outros para fazer eletrocardiogramas
e eletroencefalogramas, material completo para proceder exames bacteriológicos,
as observações microscópicas e culturas, um equipamento completo de laboratório
para fazer os exames de sangue, incluindo os vidros com formalina para as
amostras, e um microscópio. Quase todos os membros do grupo tomaram aulas
noturnas de português na Universidade de Nova York, assimilando o máximo que
podiam num período*de tempo tão curto. Já tinham obtido a confirmação de que
Arigó estava disposto a cooperar totalmente com a investigação científica. E em
meados de maio de 1968 a expedição estava pronta para vir ao Brasil, a fim de
desvendar o mistério parapsicológico de Congonhas do Campo.
A capacidade
para fazer diagnósticos exatos sem um conhecimento prévio da doença do paciente
e sem um exame clínico, foi novamente confirmada à medida que caso após caso
era gravado e estudado pelos médicos norte-americanos, antes e depois do
tratamento feito por Arigó. Um paraplégico aproximou-se numa cadeira de rodas e
Arigó declarou que aos quinze anos ele fraturara a coluna cervical em
consequência de um acidente de mergulho. Isto foi confirmado detalhadamente.
Uma mulher
aproximou-se dele. Arigó, após lançar-lhe um rápido olhar, disse aos americanos
que poderiam verificar ter ela a pressão sanguínea de 230 sistólica e 140
diastólica. Ao tirarem a pressão com o aparelho Tycos, a leitura provou estar
ele com a razão.
Logo a
seguir havia um homem na fila. Ele indicou sintomas de uma insuficiência
congestiva do coração, com dispneia, e também estase da veia jugular externa.
Imediatamente Arigó disse aos cientistas: — "Este homem sofre de uma
hipertensão renal com pressão sistólica de 280".
O exame
feito pelos médicos americanos e o histórico do caso fornecido pelo próprio
médico do paciente confirmaram aquela pressão bem como a doença.
O homem que
veio em seguida contou sua história para Arigó. Disse que sofria devido a um
parasita. Arigó, após olhá-lo fixamente, virou-se para os americanos e
exclamou: — "Não! Este homem pela Reação de Wasserman deve ter quatro
cruzes, e o diagnóstico é sífilis e não doença de Chagas".
Isto foi
confirmado tanto pela anamnese apresentada pelo médico do paciente como pela
posterior Reação de Wasserman. Parecia difícil enganar Arigó.
Durante dias
os médicos americanos continuaram observando e anotando os diagnósticos de
Arigó. As estatísticas combinavam com aquelas feitas anteriormente pelo dr.
Puharich, e continuaram mantendo-se assim à medida que Arigó ia atendendo a
fila na proporção de um paciente por minuto. Paul Jones, o fotógrafo da
expedição, aproximou-se da mesa para perguntar alguma coisa a Puharich. Arigó
obrigou-o a parar e pegando seu braço, disse-lhe: — "Anda tomando remédio
demais!"
Os
americanos riram porque sabiam que Jones costumava carregar uma quantidade
deles...
A menina
Maria Cristina Faleiro foi levada pelos pais até Arigó. Sofria de leucemia.
Começou a tomar os medicamentos indicados pelo médium no dia 22 de maio. No dia
18 de junho a contagem dos glóbulos brancos declinara de 75 mil para 20 mil;
cerca de 12 mil acima do normal. Fora uma queda espantosa, inacreditável. Em 5
de julho, menos de um mês depois, a contagem dos glóbulos brancos caiu para 10
mil. Em 7 de agosto, caíra abaixo da taxa normal de 7 500, e o sistema
ganglionar da garota normalizara-se, o que foi verificado pela equipe americana
de médicos. Wouve vários outros casos de leucemia acompanhados por uma
documentação similar. Em todos eles Arigó declarou que agira simplesmente
obedecendo àquilo que "a voz" lhe ordenara fazer.
A cura da filha de Juscelino Kubitschek
A equipe
americana havia planejado tudo para a pesquisa junto a Arigó, mas se esquecera
de um detalhe capaz de impedir o prosseguimento dos trabalhos: a chegada dos
repórteres de Belo Horizonte, São Paulo e Rio. E quando a imprensa falada e
escrita invadiu Congonhas do Campo à procura dos cientistas americanos,
Puharich compreendeu que era chegada a hora de regressar a Nova York, mesmo com
a pesquisa incompleta.
As
narrativas de John Fuller oferecem detalhes preciosos que completam certas
passagens da vida de Arigó. Entre essas passagens há que se destacar a do
encontro de Kubitschek com o sensitivo de Congonhas, que lhe curou a filha. O
encontro verificou-se em Congonhas por ocasião de uma campanha eleitoral.
Kubitschek ficou tão impressionado ao ver Arigó em ação que ele e a esposa
aceitaram o convite do médium para almoçarem em sua casa. Ambos naquele dia
iniciaram uma amizade que durou anos, e que se tornou decisiva para Kubitschek
quando uma de suas filhas teve que ser levada aos Estados Unidos para
submeter-se a uma operação da coluna vertebral em consequência de uma
deformação. A operação foi tão melindrosa que a moça teve que permanecer
completamente imóvel durante meses. A respeito, eis o depoimento do próprio
Kubitschek (obtido por Fuller, em Nova York). "E por causa disso, ao
regressar ao Rio estava com duas peças enormes no rim. Minha esposa, muito
nervosa, pois esta complicação podia originar uma situação que talvez fosse
fatal, perguntou-me se eu não poderia pedir a Arigó que viesse ao Rio, a fim de
fazer alguma coisa por nossa filha.
Análise de Puharich sobre o caso Arigó
Concordei, e
telefonei para ele. Contei-lhe que nossa filha estava muito doente, mas não lhe
disse do que se tratava. De Congonhas do Campo ao Rio demora-se seis horas, mas
logo na tarde seguinte ele chegava à nossa casa e, sem sequer dar-me uma chance
para contar-lhe o que ocorria, entregou-me uma receita escrita num pedaço de
papel qualquer. Sendo médico compreendi que se tratava de um remédio específico
para eliminar as pedras. Mas como poderia ele ter adivinhado o que estava
acontecendo com ela? Como não exercesse a minha profissão há algum tempo,
levei-a ao meu médico para que a examinasse. Ele me disse que não a considerava
muito eficiente, mas que não haveria nenhum mal em experimentar. As receitas de
Arigó eram conhecidas por terem um efeito que ultrapassava seus próprios
limites. Ela tomou o remédio e ficou completamente curada".
Desejo apresentar aqui (escreve Andrija Puharich) uma interpretação
pessoal do que Arigó representa para mim. Para compreender isso, terão que
sentir como teria sido se pudessem estar no "interior" de Arigó.
Comecemos num nível elementar, isto é, a impressão da mão de Arigó enquanto ele
realizava uma operação. Se pegarmos uma faca comum, com a qual passamos
manteiga no pão, e delicadamente passarmos a parte afiada em cima de nossa
pele, talvez possamos imaginar como age ela na mão de quem a movimenta. Poderão perceber que existe uma graduação da pressão que pode ser
aplicada, e que aplicando esta pressão ela causa uma sensação de força
produzida pelo atrito, resistência dos tecidos sendo cortados, controle do
movimento da faca, e assim por diante. Poderão perceber todas estas nuanças da
sensação de uma faca bem amolada, empregando-a sobre outros materiais, por
exemplo, os que são usados na cozinha. Resumindo, vocês aprenderão aquilo que
todo cirurgião aprende — a sensação de uma faca em nossa mão contra um tecido.
Eu conhecia profundamente esta sensação de uma faca em minha mão, quando era
usada numa cirurgia, tanto num ser humano, como em um animal. Um dia, quando
estava em pé ao lado de Arigó na clínica de Congonhas do Campo, ele pediu a um
paciente para que se encostasse à parede — um homem podendo ter uns 45 anos.
Altamiro, o assistente de Arigó, estendeu-lhe uma faca de cozinha com lâmina
inoxidável e afiada. Ele pegou a minha mão direita e colocou o cabo da faca
dentro dela, apertando-a com a dele. E em seguida dirigiu minha mão para o olho
do paciente, ordenando-me que encostasse a faca na órbita do olho. Segui suas
ordens e introduzi a faca entre o globo ocular e a pálpebra superior. E ao
fazer isto, minha mão ficou completamente frouxa e não pude continuar. Eu me
sentia apavorado pensando que poderia cortar o globo ocular, causando assim um
dano irreparável ao paciente. Arigó novamente agarrou minha mão e disse:
"Vamos! Prossiga! Seja um homem!" Aquela ordem incutiu-me a coragem
de que precisava. Meu temor desapareceu, enquanto introduzia a faca
profundamente na órbita. Eu já recuperara todo o meu controle. E enquanto
movimentava a faca nas profundezas da órbita, fiquei maravilhado ao sentir que
aquilo não me causava aquela sensação tão minha conhecida ao cortar qualquer
tecido com meu bisturi. Para que possam sentir o mesmo que senti, façam uma
experiência. Peguem dois magnetos e vejam que tenham os mesmos polos. Em
seguida agarrem um em cada mão e encostem os polos iguais um no outro.
Sentirão, então, as forças de repulsão entre os dois polos iguais aos magnetos.
Esta é uma sensação completamente diferente daquela que devem ter sentido com a
faca de passar manteiga no pão, quando passada na pele.
E naquele
momento, ao movimentar a faca nos tecidos do globo ocular e a órbita, senti uma
força repulsiva entre os tecidos e a faca. Não importava a força que eu
empregava, verifica-se uma força igual e oposta agindo sobre minha faca,
evitando que ela atingisse os tecidos. E nesta força de repulsão residia o
segredo de ninguém sentir dor quando Arigó fazia seu famoso "exame de
olho". Meu paciente também não sentiu nenhuma dor, enquanto eu fazia todos
aqueles movimentos.
É evidente
para mim que Arigó podia controlar aquela força repulsiva, para assim
prosseguir cortando o tecido. Isso forçosamente deveria causar dor, mas todos
sabiam que Arigó não deixava que se sentisse dor. E conforme eu e outros
observamos, ele podia cortar tecidos sem usar a parte afiada de uma faca.
Frequentemente ele cortava com a parte cega. É também foi confirmado que ele num
caso urgente cortou os tecidos sem empregar uma faca. Nestas ocasiões raras,
ele usava suas próprias mãos e dedos para abrir os tecidos. A minha opinião é
que o agente que cortava era a força repulsiva, e não a faca ou seus dedos. Não
faço a mínima ideia a respeito desta força repulsiva. Mas, pelas medidas no
campo da eletricidade, por mim verificadas ao tratar do caso Arigó (eletroencefalograma,
eletrocardiograma e GSR — Galvanic Skin
Response), não creio que esta força repulsiva faça parte do espectro eletromagnético.
Creio que seja uma forma conhecida de energia da vida. Mas em setembro de 1967
vim ao Brasil para continuar meus estudos sobre Arigó. Eu o tinha visto muitas
vezes, desde aquela ocasião em que operara meu lipoma em 1963, e nunca me
passara pela cabeça pedir-lhe qualquer opinião clínica sobre mim mesmo. Um dia
em que estávamos trabalhando juntos, ele virou-se de repente e disse:
— "Você
tem uma otosclerose". Eu repliquei:
— "Nada
sei a este respeito, mas tenho uma infecção crônica e secreção em meu ouvido
esquerdo devido a uma colesteatoma". Arigó contestou:
— "Sim,
já sofre disto há muito tempo, mas a otosclerose é recente. Procure ver isso
quando voltar à sua terra. Dar-lhe-ei uma receita que curará as duas
coisas". E em trinta segundos ele apresentou-me a seguinte receita:
1.° Tratamento: Três vidros de Micotir
(vide a bula). Três vidros de Hepadesicol (tomar duas drágeas após cada
refeição). Quinze ampolas de Gabromicina (aplicar no músculo de 24 em 24 dias).
2.° Tratamento: Quarenta ampolas de Olobintin
(aplicar no músculo de dois em dois dias). Vinte ampolas de Bituelve R, de 1.000
(aplicar no músculo de três em três dias). Não há muita necessidade de explicar
os itens indicados no primeiro tratamento, exceto para dizer que o primeiro remédio
era uma solução para-pingar no ouvido, o segundo sais de bílis, e o terceiro,
Gabromicina, uma forma primitiva da estreptomicina, não sendo mais receitada pelos
médicos. Quando voltei aos Estados Unidos pedi à audiologista de meu
laboratório para que fizesse um teste comigo usando meu audiômetro. E ao
terminar ela voluntariamente apresentou seu diagnóstico: "O senhor tem uma
otosclerose". Verifiquei os audiogramas. Arigó tinha razão. Realmente
tinha uma otosclerose, o endurecimento de um tecido sobre os pequenos ossos do
ouvido. E então decidi que começaria a tomar os remédios receitados por ele.
Devido ao
meu horário peculiar de trabalho, era mais fácil eu mesmo aplicar as injeções
antes de deitar-me todas as noites. Iniciei o primeiro tratamento no dia 7 de
outubro de 1967. Quero dizer, comecei aplicando a injeção de Gabromicina e a
tomar os medicamentos. No dia 14 de outubro tive uma reação devido àquela
espécie de estreptomicina. Sentia um intumescimento e muita sensibilidade nas
palmas das mãos, na sola e nos dedos dos pés. E assim suspendi as injeções
enquanto se verificou aquela reação alérgica. Aproximadamente no dia 25 de
outubro, encontrava-me de novo em boas condições para iniciar o segundo
tratamento, o qual terminei em 11 de janeiro de 1968. Nesta época já não tinha
mais a secreção do ouvido, que tanto me importunara durante toda a minha vida.
Após seis meses, meus audiogramas demonstraram que minha otosclerose tinha
desaparecido, e minha audição melhorara.
Em 11 de
janeiro de 1971, estava trabalhando em meu escritório na Intelectron Corporation, na cidade de Nova York,
quando o telefone soou. Era uma voz de mulher, cujo nome não me recordo agora.
— Doutor,
recebi um telefonema de uma estação de TV do Rio de Janeiro, Brasil, pedindo
para que o senhor faça um comentário sobre a morte de Arigó.
Fiquei
pensando que não era possível que um homem como Arigó, o maior curador do
mundo, tivesse morrido! Era demasiadamente jovem, cheio de vida. Além disto,
era a esperança de milhares, talvez de milhões de pessoas que o procuravam como
sendo a testemunha de poderes superiores. Forçosamente, ela se enganara.
Precisava descobrir Telefonei aos meus amigos no Brasil, que me confirmaram
aquela notícia pavorosa. Arigó morrera num acidente automobilístico. Fiquei
arrasado. Cheguei a algumas conclusões pessoais muito fortes. A primeira era
que eu falhara tanto com Arigó como com a humanidade, por não completar os meus
estudos a respeito dos tratamentos que ele fazia. Compreendi que deveria ter
abandonado os outros trabalhos em 1963, e concentrar todos os meus esforços
unicamente nele. Tinha certeza de que nunca mais haveria um outro Arigó em toda
minha vida. Caso aparecesse, eu não haveria de fracassar na próxima vez.
---
Fonte:
Planeta, nº 39. Editora Três. São Paulo, dezembro de 1975, págs. 80-90.
Fonte:
Planeta, nº 39. Editora Três. São Paulo, dezembro de 1975, págs. 80-90.
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