quinta-feira, 30 de junho de 2016

Júlio Dinis: Vida e Obra

Júlio Dinis: Biografia
Em 12 de Setembro de 1871, escrevia Sousa Viterbo no Jornal do Porto: O país e as boas letras acabam de perder um dos seus mais estimáveis talentos, Joaquim Guilherme Gomes Coelho expirou esta madrugada à uma hora. [...] Foi nas colunas do nosso jornal que o autor d'As Pupilas do Senhor Reitor principiou a sua brilhante carreira literária. Era com a maior avidez que os nossos leitores seguiam os folhetins do Jornal do Porto, quando esses folhetins publicavam as pérolas da nossa literatura que se denominam — As Pupilas do Senhor Reitor, Uma Família Inglesa e A Morgadinha dos Canaviais. A Providência não quis conceder a Gomes Coelho mais um momento de vida para rever as últimas provas do seu derradeiro romance — Os Fidalgos da Casa Mourisca.
Contudo, o verdadeiro nome do autor destes romances, já então muito popularizados (à exceção do último, só publicado no ano seguinte), pouco diria ao comum dos leitores: estes apenas conheciam Júlio Dinis, pseudônimo com que Gomes Coelho se celebrizou, e que se sobrepôs para sempre à verdadeira identidade do escritor. Portanto, se Gomes Coelho morreu em 1871, tal não aconteceu a Júlio Dinis, pois este revive em cada leitor que, de acordo com a experiência de vida e consoante a época e a cultura, recria os seus romances, quer valorizando aspectos que até então eram considerados secundários, quer relegando para segundo plano o que já fora reputado de interesse preponderante. Assim as obras permanecem vivas e se enriquecem através das gerações; e o pseudônimo, em vez de facilitar o anonimato, projetou no tempo a memória do seu criador.
Efetivamente, o lente da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, Dr. Joaquim Guilherme Gomes Coelho, e Júlio Dinis, o romancista de visão idílica e de técnica realista, eram a mesma pessoa — eis a identificação inesperada que surpreendeu o pai do escritor, ao descobrir o jovem cientista, em 1866, a rever as provas do primeiro romance publicado em volume, As Pupilas do Senhor Reitor. Até esta data, o segredo do pseudônimo fora escrupulosamente guardado, mesmo entre a família, o que demonstra a intenção de separar o médico e b homem de letras, embora, nos seus romances, a experiência do cientista, os seus hábitos de observação e diagnóstico, contribuam para a minuciosa reconstituição de ambientes, e ajudem a definir, por vezes com rigor clínico, a psicologia das personagens.
Nascido em 14 de Novembro de 1839, no Porto, de unta família de alta burguesia (seu pai, o Dr. José Joaquim Gomes Coelho, era médico, e sua mãe, D. Ana Constança Potter Pereira Lopes, descendia de ingleses e de irlandeses, católicos e radicados no Porto por razões comerciais), Joaquim Guilherme Gomes Coelho viveu na cidade natal, onde situa também a ação de um dos seus romances, embora, a partir de 1863, a doença o obrigue a procurar temporariamente regiões climatericamente mais favoráveis. Após longas estadas, cada vez mais frequentes, em localidades do Norte do país, sobretudo em Ovar e Felgueiras, opta pela ilha da Madeira, cujo clima constituía, na época, a derradeira esperança de cura da tuberculose que o ia definhando. Todavia, quando, como médico, se considerou irremediavelmente perdido, regressa ao Porto para morrer. Tinha apenas trinta e dois anos; contudo, idade suficiente para ter alcançado por mérito próprio, evidenciado nos seus trabalhos científicos, uma honrosa categoria universitária; e, o que demonstra ainda melhor a rara aliança do talento à capacidade de trabalho, para nos legar uma obra literária que surpreendeu e terá provavelmente influenciado os dois grandes ficcionistas do século XIX: Camilo Castelo Branco e Eça de Queirós.
Para este. afinco ao trabalho, esta necessidade de conquistar, sem perda de tempo e com prejuízo da saúde, uma situação profissional de relevo, ao mesmo tempo que, sob pseudônimo, se afirmava o nosso primeiro romancista (Camilo foi pré dominantemente 'novelista), para esta urgência em viver com o fim de realizar algo que perdure, muito deve ter contribuído a ameaça de morte prematura que pairava sobre a família, atingida de um mal hereditário e, então, incurável: a tuberculose, " essa terrível perseguidora da nossa família, à qual nós devemos os únicos infortúnios que nos têm feito sofrer", conforme se lamenta o escritor numa carta.
Com efeito, aos dezesseis anos, o jovem Joaquim Guilherme viu desaparecer, vítimas desta doença e no espaço de alguns meses, dois irmãos (um deles, o mais velho, falecido em 1855, acabara de concluir brilhantemente o curso de Engenharia na Academia Politécnica do Porto); e a mãe também morrera tuberculosa, quando ele tinha apenas cinco anos, como recorda numa das suas primeiras poesias: "E ai daquele que, no alvor da vida, / Perdeu p'ra sempre maternais afagos".
Assim se compreende que os "heróis" dos seus romances apresentem, como característica comum, a orfandade e conservem como ideal-feminino a imagem da mulher-mãe, a única capaz de exercer com firmeza uma doce influência pedagógica sobre caracteres marcados pela extrema afetividade e propensos a certa desorientação moral (Daniel, Carlos, Henrique e Maurício). Também as figuras femininas que se distinguem pela mais acentuada elevação moral e invulgar maturidade de espírito, tais como Margarida, Jenny e Madalena, a Morgadinha dos Canaviais, são órfãs de mãe.
Filho único pela f orça das circunstâncias, criado como pai, temperamento frio e reservado que, segundo o testemunho de familiares, conservava o jovem Joaquim Guilherme a respeitosa distância, a sua situação familiar e as relações que mantinha com o pai devem ter sido transpostas literariamente para Carlos, a principal personagem de Uma Família Inglesa, assim como o caráter de Mr. Whitestone apresenta algumas semelhanças com o dr. Gomes Coelho, conforme já foi referido por biógrafos do escritor.
Após a morte dos irmãos, Júlio Dinis (adotamos, desde já, para comodidade de exposição, o seu pseudônimo), aluno brilhante e distinguido ao longo do curso com vários prêmios, sentiu-se talvez moralmente obrigado a realizar as esperanças que o pai tinha visto prematuramente frustradas nos outros filhos. Só assim se compreende que, apesar de sujeito a hemoptises desde a frequência do 2° ano de Medicina, prosseguisse regularmente os seus estudos ë, terminada a formatura, arruinasse a sua débil constituição física a preparar--se para vencer concursos trabalhosos e renhidos, na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde, em 1865, aos vinte e seis anos, ingressa como professor, o que lhe proporcionou, segundo confidencia a um amigo, a maior alegria da sua vida. E, dias depois de ver publicada a sua nomeação para demonstrador da Escola Médica Júlio Dinis dava a notícia ao pai, numa carta que constitui modelo de epistolografia, é que confirma, como se verá pela transcrição parcial, que apresentamos, o seu alto sentido de responsabilidade moral em relação aos sacrifícios a que o pai se sujeitara e aos desgostos que sofrera, e que ele, ao ingressar no corpo docente universitário, pretendia compensar, mesmo com prejuízo da saúde:
[...] Nesta ocasião em que o meu futuro se fixou, não posso deixar de me recordar do muito que devo ao Papá pelos sacrifícios feitos por mim.
Alegra-me duplamente o resultado deste meu empenho porque, com o prazer que me causa, sei que não menos intenso havia de produzir no Papá, que até agora tão improfícuos tinha visto ficarem os seus grandes esforços para a felicidade dos filhos.
Meus irmãos foram privados, não sei por que vistas providenciais, de colherem neste mundo os frutos da esmerada educação que lhes dera. Esse mesmo poder, que os sacrificou tão novos, parece ter-me reservado, como que para realizar em mim a recompensa que lhe merecia a resignação do Papá.
Alegra-me esta ideia e anima-me a acreditar que não me faltará a vida e a saúde para poder cumprir essa missão talvez providencial.
Infelizmente, este voto não se realizou, e, em 19 de Janeiro de 1870, Júlio Dinis, em carta a um amigo, enviada do Funchal, reconhecia lucidamente o fracasso das suas aspirações profissionais:
Uma outra coisa pela qual sinto ter esfriado muito em mim o entusiasmo, é o professorado. A augusta missão oferece-me poucos atrativos, desde que a minha saúde não me permite entregar-me a ela como deve ser. Professor para traduzir compêndios e marcar lições a dedo, não tenho vontade de ser. Confesso-te que, se nessas viravoltas de serviço público e reformas que aí vão, eu pudesse aproveitar ensejo para dizer adeus ao Porto e à toga, não o deixava fugir.
Contudo, os sucessos escolares de Júlio Dinis pareciam fazer prever, desde a adolescência, o futuro lente da Escola Médica. Feita a instrução primária na escola de Miragaia, estuda latim com um padre, ao mesmo tempo que um dos irmãos lhe ensina francês. Após estes estudos preparatórios, frequenta as aulas da Graça (assim eram designados então os cursos públicos do Liceu e da Academia, reunidos no mesmo edifício) e simultaneamente inicia-se no estudo da língua inglesa com um professor particular. No ano letivo de 1853-54, com quinze anos incompletos, Júlio Dinis matricula-se em Química e Matemática, e no ano seguinte termina o estudo de Física e o 2º ano de Matemática com as mais altas classificações; e, após a frequência, em 1855-56, das aulas de Botânica e de Zoologia, inicia o curso de Medicina, na Escola Médico--Cirúrgica do Porto, onde, durante cinco anos, obtém prêmios em várias cadeiras, apesar de, no 2º ano, ter sofrido um ataque de hemoptise, primeiro sintoma da doença que o há de vitimar, após anos de sofrimento físico e moral. Concluído o curso em 1861, nesse mesmo ano apresenta, na defesa de tese, uma notável dissertação que, na opinião de cientistas como o Prof. Egàs Moni, reflete "a preocupação do autor em face do seu mal": Da importância dos estudos meteorológicos para a Medicina e especialmente de suas aplicações ao ramo cirúrgico. Decidido a enveredar pelo professorado, concorre em 1863 ao lugar de demonstrador da secção médica da Escola Médico-Cirúrgica, lugar que só obterá, como já se referiu, em 1865, visto que, em 17 de Abril de 1863, segunda hemoptise abriga-o a abandonar as provas iniciadas e a ir repousar para Ovar, em casa de uma tia. Este acidente e esta data podem considerar-se verdadeiramente o início da carreira de romancista de Júlio Dinis, pois, embora a sua vocação literária, precocemente manifestada, já se tivesse revelado em poesias, obras dramáticas, novelas e um romance, posteriormente publicado com o título de Uma Família Inglesa, é durante a permanência de cinco meses em Ovar que recolhe material para dois dos seus principais romances, As Pupilas do Senhor Reitor e A Morgadinha dos Canaviais, ambos com o subtítulo de Crônica da Aldeia. E, de regresso ao Porto, convencido de que a sua doença fora "mais de imaginação do que real", intensifica a atividade literária, além de se preparar para novos concursos universitários: publica em folhetins no Jornal do Porto a novela Os Novelos da Tia Filomena, posteriormente incluída nos Serões da Província, redige um romance, O Canto da Sereia, conservado inédito, mas que reflete a paisagem de Ovar, localidade onde descobre a aversão à cidade e a atração pelo campo ("Trocar o rumorejar das turbas por o rumorejar das folhas [...], à sombra de árvores e no meio da pura atmosfera e aprazível solidão dos campos, é o ideal dos meus sonhos do futuro, ideal que receio nunca chegue a realizar-se"), e onde a paisagem humana também o impressionou devido à pureza de tipos ("Tenho notado que em Ovar os tipos não degeneraram ainda"), alguns dos quais, tratados literariamente, serão imortalizados nos seus romances. Uma das mais nobres figuras femininas de ficção, em relação à qual o narrador manifesta evidente simpatia, a Margarida de As Pupilas do Senhor Reitor, parece ter-lhe sido inspirada por uma jovem de Ovar, por quem se teria apaixonado e com quem se correspondeu durante algum tempo. E, em carta a um amigo, confidenciava então: "Não te farei uma descrição da minha vida aqui. Mentindo e poetizando um pouco, talvez me fosse possível transformá-la num idílio, que teria a realidade de todos os idílios...". Na poesia "Em Horas Tristes", escrita no Funchal, em 1869, parece efetivamente transparecer a recordação de um idílio campestre, vivido por outro Daniel que, igualmente inconstante e igualmente poeta, fosse também capaz de sentir remorsos: "Ela vivia só naquela aldeia, / Sem ter um coração que a compreendesse. / Passei um dia ali, falei-lhe, amei-a... / Ai, se esses tempos esquecer pudesse! / [...] Parti jurando amá-la toda a vida. / Pude fazer aquele juramento! / Ela ficou chorando-me, iludida, / E eu paguei-lhe a ilusão com o esquecimento. / E ela?... Talvez no coração ferida / Por minha leviandade criminosa, / Vivesse dias de enlutada vida, / Sem ter na terra a sagração de esposa."
Todavia, desde a adolescência que as duas vocações de Júlio Dinis, a científica e a literária, se realizavam simultaneamente, disputando entre si o talento indesmentível daquele que, contudo, sopeio ócios forçados de doente se entregou totalmente à literatura ("hoje a única maneira de minorar os sintomas morais da minha doença, é andar com a cabeça pelos mundos da imaginação", escrevia, do Funchal, em 1869; e posteriormente, acrescentava: "Há poucos momentos de mais felicidade para mim hoje do que aqueles em que me absorve a atenção a composição dum romance").
Assim, ao mesmo tempo que o Dr. Gomes Coelho prosseguia uma carreira universitária brilhante (em 1867, foi promovido a lente substituto e, no mesmo ano, é nomeado secretário e bibliotecário da Escola, tendo também dirigido o observatório meteorológico que, nessa época, se encontrava anexo à Escola Médico-Cirúrgica, Júlio Dinis, nome literário com que, de 1861 a 1864, assina as poesias que publica na revista A Grinalda, dirigida pelo poeta Soares de Passos, torna-se cada vez mais conhecido do público, desde que, em 1862, saem em folhetins, no Jornal do Porto, duas novelas, As Apreensões de uma Mãe e O Espólio do Senhor Cipriano e, em 1864, o conto Uma Flor de entre o Gelo, também em folhetins. Contudo, enquanto colaborou n'A Grinalda, conseguiu manter o anonimato, como já se referiu. (Em Nota à poesia intitulada A. J., a primeira obra a aparecer rubricada com o pseudônimo que o celebrizou, pode ler-se: "Esta poesia foi enviada ao redator da Grinalda [...], assinada com o pseudônimo Júlio Dinis, em 9 de Março de 1861, e publicada no terceiro número daquele jornal. No dia 18 de Março, à noite, o Passos [o poeta Soares de Passos] elogiou-a, sem saber quem era o autor.")
Não foi este, porém, o único pseudônimo sob que encobriu, na atividade literária, a sua verdadeira identidade. Os folhetins, em forma de carta, publicados, de 1864 a 1868, no Jornal do Porto (Cartas a Cecília), tal como a carta em que enaltece a obra de Rodrigo Paganino, e o debate travado com Ramalho Ortigão, em 1863, aparecem assinados com um nome feminino, Diana de Aveleda, mais tentiva de heterônimo do que pseudônimo, visto que o escritor teve a preocupação de se colocar na posição de uma mulher e, de acordo com a mentalidade feminina da época, esforçou-se por exprimir sentimentos, defender ideias, manifestar interesses e qualidades próprias de mulheres. Assim, o pseudônimo parecia corresponder a uma necessidade psicológica do escritor, que se comprazia no anonimato, talvez receoso, pelo menos inicialmente, de ver diminuído o prestígio do cientista pela atividade do homem de letras.
Contudo, Júlio Dinis manifestou muito cedo, entre familiares e amigos, a sua vocação literária. A traído pelo teatro, fazia parte de um grupo de "amadores dramáticos" e, ator aos quinze anos, torna-se também autor, embora as comédias e dramas, escritos dos dezessete aos vinte e um anos e destinados aos espetáculos desse grupo de amigos, que, provavelmente, as encenaram e representaram, se tenham conservado inéditas até à sua morte, só tendo sido publicadas em 1946, devido ao interesse apaixonado de Egas Moniz, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa e Premio Nobel; natural da região de Ovar, este cientista tomou-se o principal biógrafo de Júlio Dinis.
A publicação do Teatro Inédito de Júlio Dinis permite-nos conhecer a data da redação das peças: as primeiras datam de 1856 (um drama, Bolo Quente, e uma comédia, O Casamento da Condessa de Amieira) e as últimas, duas comédias, foram escritas em 1860: Um Segredo de Família e A Educanda de Odivelas. Entre estas datas, Júlio Dinis escreveu outras obras dramáticas: em 1857, três comédias (O Último Baile do Dr. José da Cunha, Os Anéis ou Inconvenientes de Amar às Escuras, As Duas Cartas.) e, em 1858, o drama Um Rei Popular e a comédia em um ato, Similia Similibus, representada pela primeira vez, em 1939, no Teatro Nacional D. Maria II, num espetáculo de homenagem à memória do autor.
Em 1867, a publicação em volume d'As Pupilas do Senhor Reitor constituiu um sucesso surpreendente e consagrou o escritor. Um ano depois, Ernesto Biester adaptou o romance à cena: foi representado em Março, no palco do Teatro da Trindade, em Lisboa, e Júlio Dinis, "o célebre autor do romance", como já era designado, foi obrigado a subir ao palco, recebendo grande ovação. Popularizado por este primeiro romance, afama do seu nome alastrava. Do Funchal, em Abril de 1869, Júlio Dinis escrevia:
Aqui lera-se já as Pupilas e meia hora depois que desembarquei corria na cidade a notícia da minha chegada. [...] Depois houve quem, não tendo ainda lido o livro, sentisse desejos de o ler por verem o autor. Isto tem dado lugar a cumprimentos na rua [...] que eu dispensava porque não aprendi a responder-lhes.
Entretanto, já outros romances tinham vindo a lume: Uma Família Inglesa e A Morgadinha dos Canaviais, ambos publicados em volume em 1868, após terem sido divulgados em folhetins; contudo, o próprio autor reconheceu que dificilmente se repetiria o êxito que bafejara o primeiro romance publicado: "A complacência com que foram acolhidas as Pupilas há de ser descontada em todas as publicações que eu fizer".
Entretanto, a doença progredia e a morte aproximava-se. Os dois últimos anos de vida trazem-lhe a descrença e o desespero, como médico e como doente.
As longas estadas no Funchal, isolado, por vezes sem notícias, tornam-no sorumbático, misantropo ("Eu devo passar entre esta gente por um lobo selvagem") e ele próprio se reconhece atacado de hipocondria (" Tenho aqui sofrido repetidos acessos da minha já agora habitual e incurável doença — a melancolia ou mais prosaicamente — a hipocondria"), doença de que se queixa Henrique de Souselas e que o narrador analisa com clarividência clínica no primeiro capitulo deste romance.
Saudoso dos seus hábitos de vida portuense, "daquela vida pachorrenta que eu vivia com meia dúzia de pessoas intimas e com meia dúzia de livros e folhas de papel", pouco sociável e indiferente à vida mundana, Júlio Dinis confessa a um amigo: "para mim só é realmente agradável a convivência com pessoas muito íntimas, com quem se esteja à vontade e despido de tudo que se pareça com etiqueta. Outra qualquer fatiga-me. [...] Por isso tenho também saudades dos nossos cavacos, dos nossos passeios, e dos nossos passatempos...". Também em relação aos escritores da época, se evidencia o mesmo isolamento e um alto grau de "indiferentismo", para usar a sua própria expressão.
Em contrapartida, a tuberculose aumentou-lhe a afetividade e apurou-Ihe a percepção, dando-lhe uma acuidade sensória! e uma perspicácia invulgares, bem evidenciadas não só nos diálogos das suas novelas e romances, mas também nas reflexões que deixou registradas nas suas cartas. Assim, embora a sua vida seja aparentemente monótona, "morna", é rica de "sensações íntimas que constituem os diversos episódios desta segunda vida, que os biógrafos ignoram, mas que a memória do indivíduo que as experimentou retém mais religiosamente do que os fatos sucedidos e fases variadas da vida social". Também o afeto pela família, e em especial a ternura para com a sobrinha, ficaram bem expressos na correspondência, em que sobressai uma página comovente sobre a morte da tia que lhe serviu de mãe, na qual Júlio Dinis se exprime como homem e como escritor, pois a pessoa querida que evoca transforma-se insensivelmente, pelo poder da imaginação do escritor, numa figura típica, síntese de todas as mulheres que, discretamente e sem aparente sacrifício, vivem em completa doação aos outros:
Quando não bastasse uma convivência de muitos anos para me fazer sentir a falta daquela pobre senhora, a lembrança de que, há justamente um ano, eu a via de dia e de noite ao lado do meu leito, como incansável enfermeira, mal pensando em que mais cedo seria vítima do que o doente que desveladamente tratava, essa lembrança não podia deixar de despertar-me as mais vivas saudades. Há em todas as famílias umas modestas criaturas que vivem uma existência obscura no interior das casas e em que nós mal pensamos, quando temos saúde e andamos distraídos por os nossos projetos, mais ou menos ambiciosos, ou sob o domínio de paixões, mais ou menos ardentes. São essas, porém, aquelas com quem afinal nos achamos quando caímos doentes e sentimos que, um por um, nos abandonam aqueles projetos e se amortece o ardor daquelas paixões.
E as figuras femininas que criou, sobretudo as "heroínas" dos seus romances, documentam este ideal de silenciosa abnegação e de inteiro desvelo ao homem que amam, sobre o qual exercem discretamente a sua autoridade moral, tal como afaria uma mãe.
Mas o seu fim aproxima-se. Em Abril de 1871, tem, como médico, a convicção de que está irremediavelmente perdido. E o seu desespero de doente leva-o a mudar radicalmente de vida: instala-se num hotel inglês, um dos mais luxuosos do Funchal, naquela época, e ingere vinho, cerveja, leite, ovos, na ânsia desesperada de sobreviver. No mês seguinte, verificando que não pode alterar a marcha da doença, resigna-se a aceitar o inevitável: De mal com o universo inteiro, como nunca estive, e resolvido a não lutar mais tempo contra a força das coisas, vou procurar um buraco onde me meta e esperar pelo que Deus quiser que venha."
E a morte veio, quando Júlio Dinis, no Porto, em família, trabalhando sempre, revia as provas do seu último romance Os Fidalgos da Casa Mourisca.

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Fonte:
A Morgadinha dos Canaviais, por: Júlio Diniz. Introdução: Maria Ema Tarracha Ferreira. Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses. Lisboa, s/d, págs. 7-15.

Rindo-se, castigam-se os costume

Rindo-se, castigam-se os costume
Ao apresentar a peça, Gil Vicente diz:     
"A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:
Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube."
E sobre este motivo se fez esta farsa."
O Auto de Inês Pereira c considerado o mais complexo trabalho do teatrólogo português. Apresenta uma situação concreta, uma personagem melhor delineada psicologicamente e um fio condutor bem configurado.
Trata-se de uma jovem sonhadora que procura, através de um casamento com homem "avisado que saiba tanger viola", fugir à rotina doméstica. Despreza Pêro Marques, filho de uni camponês rico, um homem tolo e ingênuo, aceitando se casar com Brás da Mata, escudeiro pilantra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Ma ta vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade, aceitando o casamento com Pêro Marques, seu primeiro pretendente. Depressa a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta do ermitão.
Para a perfeita compreensão da época, é sugerida a observação de personagens como Lianor Vaz, os judeus casamenteiros e a mãe de Inês. Cada um, a seu modo, reflete a forma que Gil Vicente encontra para enxergar criticamente a realidade.
Através de Lianor, são criticadas certas esferas do clero libertino e devasso; com os judeus casamenteiros tem-se o jogo de interesses que envolve os contratos matrimoniais; pela mãe são revelados os hábitos acomodados de pessoas com poucos privilégios sociais.
Embora representada em 1523, na peça são encontrados muitos pontos comuns com a realidade atual.

A peça apresenta onze personagens, nomeados da seguinte maneira: Inês Pereira; sua mãe; Lianor Vaz; Pêro Marques; dois judeus (Latão e Vida!); escudeiro (Brás da Mata); moço do escudeiro; um ermitão; Luzia e Fernando.
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Fonte:
A farsa de Inês Pereira, por Gil Vicente. Comentários: Célia A. N. Passoni. Editora Núcleo. São Paulo, 1991, págs. 13-14.

Os nomes e seus significados

Os nomes e seus significados
No entanto, a lei de ressonância age, invariável e inapelavelmente, no sentido de propagar as ondas magnéticas que emanam da vibração de cada coisa e, no caso, de cada som.
Desde a Antiguidade, contudo, o homem percebeu que o nome de cada um tem sua vibração própria e que esta vibração emana, atraindo ou repelindo acontecimentos.
Mais tarde, esses estudos fizeram parte da Kabalah dos judeus e também dos compêndios de Pitágoras e hoje, apesar de não fazer parte dos hábitos regulares da humanidade em geral, está implícita na aflição que os pais sintonizam cada vez que precisam escolher um nome. Os livros de nomes de bebê se popularizaram de tal forma que, a despeito de não termos sábios a nos orientar, parece que não nos convencemos de um ou de outro nome sem antes consultarmos, pelo menos, o significado deste ou daquele nome. Com o tempo, a Nomeosofia (estudo dos nomes e das suas vibrações) tornou-se hábito tão comum que a nobreza só escolhia o nome de seus filhos após consultar os sábios consultores no assunto. Assim, se alguns nomes do princípio dos tempos fulguraram nas nações com o brilho das virtudes divinas e angelicais, conforme as civilizações ou povos iam mudando de interesse, registravam em seus filhos os nomes que mais representassem as virtudes humanas, dentro do foco pessoal de interesse de cada um.
A nobreza ou classes sociais e castas mais altas, por serem sempre as grandes criadoras de nomes próprios, escolheu para suas filhas nomes como Isabel (a mais pura, a mais casta), Elizabete (a consagrada por Deus), Virgília (virginal), Milena (a amável, a amorosa), por trazerem aspectos que agradariam aos homens. Aos filhos, por sua vez, escolheu nomes como Nabucodonosor (minha coroa me protege), Alexandre (defensor da espécie humana), André (forte, viril), Marcos (deus da guerra, Marte), Eduardo (guarda das riquezas) etc.
As classes menos favorecidas, se não imitavam os nomes das classes mais altas, escolhiam para seus filhos nomes que representassem as características ou funções mais comuns aos de sua linhagem, como Camilo (jovem auxiliar de cerimônias), Crispino (o que tem cabelos crespos), Carlos (fazendeiro) e outros.
Estudando minuciosamente os nomes, veremos que, em todas as procedências, a maioria deles sempre reporta a virtudes elementares para o sucesso ou representam aspectos da natureza ou virtudes. Mas, isso vai depender da origem do nome, ou seja, do país ou região em que ele foi criado, pois há mudanças de significado de uma região para outra.
De qualquer forma, o que fica de importante é saber que o nome de cada um de nós influi em muito na personalidade que criamos, nos conflitos ou nos sucessos que atraímos para nós e, até mesmo, na maneira como desenvolveremos este ou aquele trabalho, esta ou aquela relação.

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Fonte:
Escolha os mais lindos nomes de Bebê: de A a Z, nº 01. De Farias Artes Visuais Editora, pag. 6.

Nomes? De onde eles vêm?

Nomes? De onde eles vêm?
Não importa como eles são, mas sim seus significados
A única coisa que realmente temos na vida e que não uda nunca é nosso nome. E você? Sabe por que ele revela a sua origem? E por acaso imagina qual a relação que ele tem com seu destino? Todas essas respostas dependem do significado que ele tem. Por isso é importante que o nome seja escolhido cuidadosamente, pois ele pode influenciar muito no rumo que irá seguir em sua vida.
A escolha do nome é muito importante, mas isso não quer dizer que os pais se liguem no significado dele na hora de balizar seus filhos. Dificilmente escolherão o nome Elvis, por exemplo, por ele significar "aquele que sabe muito" ou então Cazuza, que é uma variação no nome José. Muitos Elvis e Cazuzas receberam esses nomes apenas porque seus pais gostavam destes cantores e não por causa de seus significados.
Além disso, frequentemente, os pais, por admirarem pessoas que vivem em seu meio e por quererem que tenham o mesmo destino que elas, colocam seus nomes em seus filhos. Por isso, muitas pessoas possuem o nome de parentes, dos pais, de amigos ou de grandes heróis da história.
Segundo alguns especialistas, a escolha do nome indica o caminho que a pessoa vai trilhar durante a vida. Apesar de os pais sonharem com um caminho brilhante para seus filhos, muitas vezes nem imaginam que os nomes podem ter uma influência no destino deles.

A moda dos nomes
Para fugir dos nomes da moda e dos nomes comuns, muitas pessoas acabam inventando nomes interessantes e curiosos. Se o seu nome fizer parte deste caso, para saber o que ele significa é necessário que saiba qual a palavra que o originou e também, descobrir por qual motivo seus pais fizeram esta escolha. Por exemplo, Odivan, o jogador do Botafogo, no Rio de Janeiro, recebeu este nome porque seus pais gostavam da música de Roberto Carlos chamada "O divã". Pesquisando você pode descobrir muitas coisas interessantes a respeito de seu nome como, por exemplo, que ele é uma mistura de dois outros nomes como Kariana que é a junção de Karina com Mariana.
Mas será que algum dia seu nome já esteve na moda? Na década de 60 a moda era nomes religiosos como Francisco e Maria. Nos anos 70 começaram a se popularizar os nomes estrangeiros como Ingrid e Sthefany. Na verdade, a grande influência na moda dos nomes é a televisão que de acordo com os seriados, novelas e filmes fazem com que os pais, por se simpatizarem com determinado personagem, coloquem o mesmo em seus filhos. Então, pode ter certeza que um dia seu nome já esteve na moda.

Nomes que mamaram a história
A moda na década de 50 era os nomes de personagens históricos, pois com isso, os pais queriam que seus filhos tivessem as mesmas características desses heróis. Vários desses nomes, por serem de outras épocas e principalmente, por serem de origem estrangeira são escritos de forma errada, geralmente da maneira que se pronuncia. Um exemplo disso é o nome do cantor Eric Clapton que acabou ficando como Hericlapiton.
Mas não são somente nomes de heróis, cantores e atores famosos os mais procurados pelo pais, às vezes os vilões da história também recebem homenagens e essas podem se tornar um problema na vida de quem recebe estes nomes. Imagina o que pode sofrer uma pessoa que se chama Adolfho Hitler. Veja abaixo alguns nomes registrados nos cartórios pelo Brasil a fora: Adolhpo Hitler de Oliveira, Anjo Gabriel Rodrigues Santos, Charles Chaplin Ribeiro, Elvis Presley da Silva, Hericlapiton da Silva, Ludwing van Beethoven Silva, Maicon Jakisson de Oliveira, Marili Monrói, Marlon Brando Benedito da Silva, Sherlo-ok Holmes da Silva, Ruy Barbosa e José Bonifácio.

Nomes sem fronteiras
A criatividade não tem limites quando se fala de nomes! Não são só nomes de personalidades e heróis da história que são lembrados. Os pais, à procura de um nome diferente, acabam indo em busca deles em terras distantes como a Grécia. Esses nomes podem ser escolhidos por causa da descendência da família ou simplesmente por não serem comuns. Veja alguns: Adrasta (grego), Bulcinete (teutônico), Caliméria (grego), Danika (grego), Emerenciana (latim), Filotéia (grego), Grimaldi (germânico), Hipereides (grego), Imelda (teutônico), Jacimar (indígena), Lavone (latim), Murta (grego), Neófita (grego), Nomusa (africano), Omanisa (bretão), Prisca (latim), Rochelle (francês), Sonal (sânscrito), Tacira (tupi), Vismara (germânico), Wikolia (havaiano) Zózima (italiano).

As inspirações
Além dos nomes estrangeiros, homenagens a famosos e das combinações entre dois ou mais nomes, existem várias contribuições para as variedades de nomes que vemos por ai. O esoterismo também aparece para ajudar. A cantora Baby do Brasil, que antes se chamava Baby Consuelo, baseou-se no misticismo para nomear seus filhos Sarah Sheeva, Zabelê, Nana Shara, Kriptus Ra Baby, Krishna Baby e Pedro Baby.
Erros na hora de registrar o nome no cartório também são muito comuns. Acontecem porque as pessoas não conhecem a escrita correta do nome. Isso acontece principalmente com. pessoas cujos nomes se escrevem de uma maneira e se pronunciam de outra. Por exemplo, Washington, que muitas vezes acaba virando Uoston, Wo-xington e Oazinguito.


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Fonte:
O Significado e a Sorte dos Nomes, ano 5, nº 73. Novo Mundo Projetos Editoriais. São Paulo, s/d, págs. 4-6.

O registro do recém-nascido

O registro do recém-nascido
Será que ainda posso usar o "K"? A mãe pode registrar o filho sozinha? Qual é o prazo legal, depois do nascimento, para registrar o meu filho? Tire suas dúvidas sobre registro de nomes de recém-nascidos.

O que é um registro?
Quando você comparece a um cartório de Registro Civil para declarar um nascimento, o oficial lavrará um termo, ou seja, uma inscrição no livro da serventia que chamamos de "Registro". Para efeitos legais, por exemplo, uma pessoa não existe enquanto seu nascimento não tiver sido registrado na serventia de Registro Civil competente.
Os pais ou responsáveis têm um prazo legal de até 15 dias após o nascimento da criança para registrá-la no Serviço de Registro Civil da área onde ocorreu o nascimento ou onde fica a residência dos pais. Segundo a lei, se os pais não forem casados no civil, devem, de preferência, comparecer juntos ao cartório para registrar o filho.
Até o dia 16 de agosto de 2000, era necessário que, junto com o pai ou declarante do nascimento, comparecessem duas testemunhas que confirmassem o de fato. Hoje essas testemunhas são dispensadas quando o nascimento acontece em estabelecimentos de saúde — hospitais, postos de saúde, clínicas —, pois essas instituições emitem a Declaração de Nascido Vivo, que contém informações confiáveis para o registro da criança.
Somente para os casos de nascimentos ocorridos em casa ou em quaisquer outros lugares que não um hospital deverão ter o testemunho de duas pessoas para confirmar o fato ao oficial do cartório.
No caso do parto realizado em casa com assistência médica, o próprio obstetra pode fornecer a Declaração de Nascido Vivo, e assim os pais não precisarão de testemunhas para registrar a criança.

Como registrar um nascimento?
Os documentos necessários para registrar seu filho são:
Declaração de Nascido Vivo emitida pelo estabelecimento de saúde onde nasceu a criança ou por médico habilitado que tenha assistido o parto em casa;
Documentos pessoais que identifiquem o declarante ou a declarante, não sendo necessário informar o estado civil;
Comprovante de residência dos pais ou da mãe da criança.
É raro acontecer, mas a lei prevê: se o oficial do cartório, por alguma razão, duvidar da declaração, poderá ir até a casa do recém-nascido para confirmar o seu nascimento.

E se os pais forem menores de idade?
A lei permite que os menores de 18 anos possam registrar seu filho, independente de assistência de pais ou responsáveis. A presença dos pais só é solicitada no caso de menores de 16 anos, a fim de confirmar a real intenção dos menores de reconhecer a paternidade/maternidade.
Quais os dados que devem constar na certidão?
A certidão de nascimento contém as seguintes informações: 4 dia, mês, ano e lugar do nascimento e a hora certa, quando possível, ou aproximada;
• sexo da criança;
• o fato de ser gêmeo, quando for o caso;
• nome e sobrenome da criança;
• a declaração de que nasceu morta, ou morreu no ato ou logo depois do parto, quando for o caso;
• nomes e sobrenomes, naturalidade, profissão dos pais, idade da mãe na ocasião do parto e endereço do casal;
• nomes e sobrenomes dos avós paternos e maternos;
• nomes e sobrenomes, profissão e residência de duas testemunhas do registro, quando o nascimento não tiver ocorrido em casa de saúde.

E o que não deve constar?
É proibido fazer qualquer referência no registro:
•  à cor da criança;
•  à natureza e origem dos pais;
•  ao lugar do casamento dos pais, se casados;
•  ao estado civil dos pais, se não casados;
•  ao indício de não ser a criança fruto de casamento.

Quanto à escolha do nome, existe alguma proibição?
A legislação dos registros públicos delega ao oficial do cartório a tarefa de argumentar com os pais para fazer valer o bom senso, não permitindo que registrem seus filhos com nomes exóticos ou extravagantes, que poderão causar dificuldades ou constrangimentos aos pequenos desde a idade escolar, expondo-os ao ridículo. Pela lei, o oficial de registro não pode interferir no prenome escolhido pelos pais, mas poderá se recusar a fazer o registro se entender que tal escolha irá expor o bebê ao ridículo quando crescer.
Caso os pais não se conformem com a decisão do oficial, devem solicitar que este faça, por escrito, um pedido de avaliação do caso pelo Juiz competente.

O que fazer se o nome for grafado de forma incorreta na certidão?
Os pais devem ficar atentos à grafia do nome no momento do registro do nascimento da criança. Se estiver incorreta, deve pedir a retificação no mesmo momento. Se o erro só for percebido após o registro, basta voltar ao cartório e pedir a alteração. Nesse caso não é necessário ingressar com ação judicial e constituir advogado para fazer a alteração.

O sobrenome paterno tem que estar por último?
O primeiro nome (ou prenome) pode ser simples — João, Pedro, Agnaldo, Luzia — ou composto — Maria José, Afonso Celso, Fábio Miguel, Pedro Henrique —, completando-se com o sobrenome. Esse complemento é tradicionalmente composto por sobrenomes das famílias de ambos os pais, normalmente com o do pai vindo por último. Nada impede, porém, que se faça ao contrário.
É aconselhável que o sobrenome da criança seja formado pelo nome da família do pai e da mãe pois isso ajuda a evitar futuros problemas com homônimos (os que têm nomes idênticos). Somente é possível acrescentar o sobrenome da mãe após o registro do nascimento com autorização judicial.

Quando é possível mudar um nome indesejado?
A alteração do nome poderá ser feita por ação judicial no prazo de um ano após atingir a maioridade sem que seja preciso apresentar nenhuma justificativa, mas desde que não mude o sobrenome da família.
Com a promulgação do novo Código Civil a maioridade é atingida ao se completar 18 anos de idade. Até janeiro de 2004, as pessoas que se tornaram maiores em razão desta alteração legal estão aptas a fazer o pedido de mudança de nome sem justificativa.
Já antes de atingir a maioridade, a pessoa só poderá pedir a mudança através de um processo judicial por intermédio de um advogado e, justificar e provar que o prenome lhe causa problema.

Posso adotar um apelido?
Quando a pessoa é conhecida por outro nome, o prenome também poderá ser alterado, desde que o seu apelido seja público e notório. É o caso do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que acrescentou o apelido Lula em seu nome porque ficou conhecido dessa forma.

É obrigatório informar o nome do pai?
A lei exige que o oficial do cartório pergunte à mãe solteira que vai registrar seu filho se é do interesse dela informar quem é o pai da criança. A mãe pode optar por não informar, mas, em caso afirmativo, o suposto pai será a comparecer em juízo para afirmar ou não a declaração da mãe, de que o filho é seu.
Se houver a confirmação, o juiz mandará o oficial inserir no registro o nome do pai e de seus pais como e avós paternos da criança, além de uma possível alteração no nome da criança. Se o suposto pai não confirmar a declaração da mãe, deverá provar judicialmente sua alegação através do exame de DNA.
Se a mãe preferir não identificar o pai, deverá declarar por escrito ao oficial a sua negativa. Mas ela poderá mudar de ideia a qualquer momento e requerer a  investigação de paternidade. O processo só terá curso normalmente, sem qualquer prejuízo para ela.

Reconhecimento da paternidade
Para que o reconhecimento da paternidade seja válido legalmente, deve ser apresentado nessas formas:
•  declaração do próprio pai, se for maior de 18 anos;
• declaração da mãe, se ela tiver menos de 18 anos na época do reconhecimento.
O reconhecimento pode ser feito antes do nascimento da criança ou depois de sua morte, se deixar descendentes.

Como deve ser o registro de crianças adotivas?
As crianças e adolescentes adotados terão um registro de nascimento igual ao dos filhos naturais dos adotantes, sem nenhuma menção à adoção. A criança adotada só saberá de sua condição se os pais adotivos optarem por lhe deixar ciente da situação.


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Fonte:
Que nome darei... nomes de meninos. Editora Talismã. Rio de Janeiro, s/d, págs. 8-11.

Gramática: O uso da crase

Crase. Indica a fusão da preposição a com o artigo a: João voltou à (a preposição + a artigo) cidade natal. / Os documentos foram apresentados às (a prep. + as art.) autoridades. Dessa forma, não existe crase antes de palavra masculina: Vou a pé. / Andou a cavalo. Existe uma única exceção, explicada mais adiante.

• Regras práticas
Primeira — Substitua a palavra antes da qual aparece o a ou as por um termo masculino. Se o a ou as se transformar em ao ou aos, existe crase; do contrário, não. Nos exemplos já citados: João voltou ao pais natal. / Os documentos foram apresentados aos juízes. Outros exemplos: Atentas às modificações, as moças... (Atentos aos processos, os moços...) /Junto à parede (junto ao muro).
No caso de nome geográfico ou de lugar, substitua o a ou as por para. Se o certo for para a, use a crase: Foi à França (foi para a França). / Irão à Colômbia (irão para a Colômbia). / Voltou a Curitiba (voltou para Curitiba, sem crase). Pode-se igualmente usar a forma voltar de: se o de se transformar em da, há crase, inexistente se o de não se alterar: Retornou à Argentina (voltou da Argentina). / Foi a Roma (voltou de Roma).
Segunda — A combinação de outras preposições com a (para a, na, da, pela e com a, principalmente) indica se o a ou as deve levar crase. Não é necessário que a frase alternativa tenha o mesmo sentido da original nem que a regência seja correta. Exemplos: Emprestou o livro à amiga (para a amiga). / Chegou à Espanha (da Espanha). / As visitas virão às 6 horas (pelas 6 horas). / Estava às portas da morte (nas portas). / À saída (na saída). / À falta de (na falta de, com a falta de).

• Usa-se a crase ainda
1 — Nas formas àquela, àquele, àquelas, àqueles, àquilo, àqueloutro (e derivados): Cheguei àquele (a + aquele) lugar. / Vou àquelas cidades. / Referiu-se àqueles livros. / Não deu importância àquilo.
2 — Nas indicações de horas, desde que determinadas: Chegou às 8 horas, às 10 horas, à 1 hora. Zero e meia incluem-se na regra: O aumento entra em vigor à zero hora. / Veio à meia-noite em ponto. A indeterminação afasta a crase: Irá a uma hora qualquer.
3 — Nas locuções adverbiais, prepositivas e conjuntivas como às pressas, às vezes, à risca, à noite, à direita, à esquerda, à frente, à maneira de, à moda de, à procura de, à mercê de, à custa de, à medida que, à proporção que, à força de, à espera de: Saiu às pressas. / Vive à custa do pai. / Estava à espera do irmão. / Sua tristeza aumentava à medida que os amigos partiam. / Serviu o filé à moda da casa.
4 — Nas locuções que indicam meio ou instrumento e em outras nas quais a tradição linguística o exija, como à bala, à faca, à máquina, à chave, à vista, à venda, à toa, à tinta, à mão, à navalha, à espada, à baioneta calada, à fome (matar à fome): Morto à bala, à faca, à navalha. / Escrito à tinta, à mão, à máquina. / Pagamento à vista. / Produto à venda. / Andava à toa. Observação: Neste caso não se pode usar a regra prática de substituir a por ao.
5 — Antes dos relativos que, qual e quais, quando o a ou as puderem ser substituídos por ao ou aos: Eis a moça à qual você se referiu (equivalente: eis o rapas ao qual você se referiu). / Fez alusão às pesquisas às quais nos dedicamos (fez alusão aos trabalhos aos quais...). / É uma situação semelhante à que enfrentamos ontem (é um problema semelhante ao que...).

• Não se usa a crase antes de
1 — Palavra masculina: andar a pé, pagamento a prazo, caminhadas a esmo, cheirar a suor, viajar a cavalo, vestir-se a caráter. Exceção. Existe a crase quando se pode subentender uma palavra feminina, especialmente moda e maneira, ou qualquer outra que determine um nome de empresa ou coisa: Salto à Luís XV (à moda de Luís XV). / Estilo à Machado de Assis (à maneira de). / Referiu-se à Apoio (à nave Apoio). / Dirigiu-se à (fragata) Gustavo Barroso. / Vou á (editora) Melhoramentos. / Fez alusão à (revista) Veja.
2 — Nome de cidade: Chegou a Brasília. / Irão a Roma este ano. Exceção. Há crase quando se atribui uma qualidade à cidade: Iremos à Roma dos Césares. / Referiu-se à bela Lisboa, à Brasília das mordomias, à Londres do século 19.
3 — Verbo: Passou a ver. / Começou a fazer. / Pôs-se a falar.
4 — Substantivos repetidos: Cara a cara, frente a frente, gota a gota, de ponta a ponta.
5 — Ela, esta e essa: Pediram a ela que saísse. / Cheguei a esta conclusão. / Dedicou o livro a essa moça.
6 — Outros pronomes que não admitem artigo, como ninguém, alguém, toda, cada, tudo, você, alguma, qual, etc.
7 — Formas de tratamento: Escreverei a Vossa Excelência. / Recomendamos a Vossa Senhoria... / Pediram a Vossa Majestade...
8 — Uma: Foi a uma festa. Exceções. Na locução à uma (ao mesmo tempo) e no caso em que uma designa hora (Sairá à uma hora).
9 — Palavra feminina tomada em sentido genérico: Não damos ouvido a reclamações. / Devido a morte em família, faltou ao serviço (Regra prática: Devido a falecimento, e não ao falecimento). / Não me refiro a mulheres, mas a meninas.
10 — Substantivos no plural que fazem parte de locuções de modo: Pegaram-se a dentadas. / Agrediram-se a bofetadas. / Progrediram a duras penas.
11 — Nomes de mulheres célebres: Ele a comparou a Ana Néri. / Preferia Ingrid Bergman a Greta Garbo.
12 — Dona e madame: Deu o dinheiro a dona Maria. / Já se acostumou a madame Angélica. Exceção. Há crase se o dona ou madame estiverem particularizados: Referia-se à Dona Flor dos dois maridos.
13 — Numerais considerados de forma indeterminada: O número de mortos chegou a dez. / Nasceu a 8 de janeiro. / Fez uma visita a cinco empresas.
14 — Distância, desde que não determinada: A polícia ficou a distância. / O navio estava a distância. Quando se define a distância, existe crase: O navio estava à distância de 500 metros do cais. / A policia ficou à distância de seis metros dos manifestantes.
15 — Terra, quando a palavra significa terra firme: O navio estava chegando a terra. / O marinheiro foi a terra. (Não há artigo com outras preposições: Viajou por terra. / Esteve em terra.) Nos demais significados de terra, usa-se a crase: Voltou à terra natal. / Os astronautas regressaram à Terra.
16 — Casa, considerada como o lugar onde se mora: Voltou a casa. / Chegou cedo a casa. (Veio de casa, voltou para casa, sem artigo.) Se a palavra estiver determinada, existe crase: Voltou à casa dos pais. / Iremos à Casa da Moeda. / Fez uma visita à Casa Branca.

• Uso facultativo
1 — Antes do possessivo: Levou a encomenda a sua (ou à sua) tia. / Não fez menção a nossa empresa (ou à nossa empresa). Na maior parte dos casos, a crase dá clareza a este tipo de oração.
2 — Antes de nomes de mulheres: Declarou-se a Joana (ou à Joana). Em geral, se a pessoa for íntima de quem fala, usa-se a crase; caso contrário, não.
3 — Com até: Foi até a porta (ou até à). / Até a volta (ou até à). No Estado, porém, escreva até a, sem crase.


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Fonte:
Manual de Redação e Estilo - O Estado de S. Paulo, por: Eduardo Martins. Estado de São Paulo, 1990, págs. 142-144.

quarta-feira, 29 de junho de 2016

As características geológicas da Terra

As características geológicas da Terra
Segundo o criacionismo, a maioria das características geológicas da Terra são em grande parte o resultado de processos rápidos, catastróficos, que afetaram a Terra tanto à escala regional como global (é o que se chama o "catastrofismo"). Para o evolucionista, pelo contrário, a maioria das características geológicas da Terra são o produto de processos lentos e progressivos, sendo que os acontecimentos catastróficos foram pouco frequentes e limitados à escala local (é o que se chama o "uniformismo").
O estudo da geologia mostra-nos que houve acontecimentos catastróficos que caracterizaram a história da Terra. Grandes inundações, colisões maciças de meteoros, importantes erupções vulcânicas, desabamentos devastadores e intensos tremores de terra, tudo isso marcou profundamente o nosso planeta. Só acontecimentos catastróficos explicam a formação de cadeias de montanhas, o depósito de espessas camadas sucessivas de rochas sedimentares contendo fósseis, a origem da era glaciar e o desaparecimento de numerosas espécies animais, inclusive os dinossauros. O criacionista defende que o catastrofismo, e não o uniformismo, se revela ser a melhor interpretação quanto à maioria dos fatos geológicos da nossa Terra.
Como muitos autores criacionistas revelam, um número considerável de fatores prova que houve um dilúvio catastrófico. As camadas sucessivas de rochas sedimentares foram formadas rapidamente sob a ação de aluviões, como no-lo mostram os seguintes exemplos:
1 — Troncos de árvores fossilizados bastante rapidamente, em situação vertical, atravessam várias camadas sedimentares (frequentemente chamadas "fósseis polistratros");
2 — Seixos e blocos de formas irregulares em grande número que cobrem vastas regiões do sudoeste dos Estados Unidos;
3 — Toros fossilizados, numa só camada, que foram encontrados em vastas zonas como por exemplo no Parque Nacional "Petrified Fprest" (Florestas Petrificadas) nos Estados Unidos;
4 — Mariscos, bancos de peixe e outros animais aquáticos que foram sepultados vivos em massa e que podem ser descobertos em numerosas rochas sedimentares por todo o mundo.
5 — "Cemitérios de fósseis" tais como os célebres cemitérios de dinossauros que se encontram em vários sítios dos Estados Unidos;
6 — Fósseis absolutamente invulgares como:
a) um peixe a comer outro;
b) um ictiossauro a dar à luz uma cria;
c) um pterodáctilo cuja bolsa (debaixo do bico) continha peixes fossilizados.
Todos estes exemplos mostram que houve depósito rápido e catastrófico de aluviões; não podem de forma alguma ser explicados em termos de uniformismo.
Isto não impede, contudo, o criacionista de reconhecer que processos uniformistas, em todo o tempo e por toda a parte modelaram a superfície da Terra, tais como a sedimentação normal dos rios, os pequenos vulcões, a erosão lenta, os tremores de terra de menor importância, etc... A ação destes processos é reconhecida, mas é preciso  rendermo-nos à evidência de  que eles não podem  explicar uma grande parte dos factos geológicos da Terra.

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Fonte:
Argumentos Científicos Pró-Criação, por: A. J. Monty White. Tradução: João A. C. Pinheiro. Centro Bíblico Europeu. Lisboa, 1985, pág. 19.

A teoria keynesiana e pós-keynesiana

A teoria keynesiana e pós-keynesiana
A teoria de Keynes nasce como consequência da crise de 1929, pois a teoria neoclássica foi incapaz de lhe proporcionar uma explicação válida. Pode afirmar-se, sem dúvida, que a influência do economista britânico foi muito profunda no campo capitalista, a ponto de se poder dizer que «somos todos keynesianos». Se a General Theory aparece em 1936, ligada à crise mundial, é indubitável que a profundidade da teoria keynesiana transcendeu a simples explicação das causas que provocaram a grande crise.
A teoria de Keynes baseia-se fundamentalmente em três proposições: 1) a poupança, referida ao conjunto de um país, depende mais do rendimento global desse país que da taxa de juro existente no mercado; 2) a taxa de juro não desce abaixo de um determinado nível, ainda que continue aumentando a liquidez do sistema; 3) os investimentos crescem quando diminui a taxa de juro; mas a experiência mostra que, quando a taxa de juro é baixa, ulteriores descidas na mesma não implicam modificações do total de investimentos. Deste modo, a taxa de juro não desempenha uma função equilibradora, contrariamente ao que a teoria neoclássica afirmava.
John Maynard Keynes, um dos economistas que criou escola e que mais influiu nas diretrizes econômicas de muitos Governos.
Segundo Keynes, numa situação de crise, não descerão outros preços além do dinheiro. Na formulação clássica sustentava-se que, numa etapa de crise, o nível dos salários diminuía, com o que a totalidade da mão-de-obra continuava empregada, mas recebendo menos. Com a existência de sindicatos, afirma Keynes, não se tolerará que os salários desçam abaixo de um mínimo estabelecido; portanto, surgirá o desemprego. Os preços das mercadorias serão sustentados pelos monopólios e oligopólios e, por existir uma rigidez de adaptação na baixa, o sistema encontrará em cada momento um novo ponto de equilíbrio. Como consequência, pode alcançar-se um equilíbrio com desemprego de mão-de-obra e não utilização de matérias-primas e meios de produção.
As características deste fenômeno — equilíbrio com desemprego — são três. Em primeiro lugar, a proporção que se dedica ao consumo tende a ser mais pequena, pelo menos em termos relativos, à medida que cresce o rendimento. Se a percentagem de rendimento destinado ao consumo desce, logicamente aumentará o dedicado à poupança. Assim, pois, se diminui o consumo relativo deverá aumentar o volume de investimentos para manter uma elevada procura efetiva. Por outras palavras: se o rendimento se dirige cada vez menos para o consumo, desaparece o incentivo para a realização de novos investimentos, com o que uma parte da poupança não é investida, mas entesourada, implicando uma procura efetiva insuficiente para retirar do mercado o volume de produção que originou tal corrente de rendimento. Surge, assim, uma situação de crise econômica. Um exemplo tornará esta análise keynesiana mais clara: suponha-se um país com uma renda per capita de 1.000 dólares que, em situação de equilíbrio econômico, dedica 60% de seu rendimento ao consumo e os restantes 40% à poupança. Através das instituições de crédito, esta poupança passa para os empresários, os quais a investem na compra de maquinaria, matérias-primas ou stocks de produtos semielaborados ou acabados, de acordo com os planos previamente estabelecidos. Se o investimento planejado pelo empresários coincide com as decisões de poupança, neste caso 40% do rendimento, o total da produção (valor da produção = rendimento) será retirado do mercado — 60% na forma de bens de consumo e 40% na forma de bens de investimento — e não haverá excedentes ou produtos não vendidos. Se o rendimento, por quaisquer razões, passa de 1.000 dólares per capita para 1.300, o mais provável é que o consumo não aumente em 30% mas numa percentagem menor, pois o consumidor considera vá-se satisfeito na anterior situação, dedicando 600 dólares ao consumo e, quando muito, aumentará suas despesas nalguns bens supérfluos. Tenha-se em conta que a análise keynesiana se aplica aos países desenvolvidos. Se o consumo por habitante passa, por exemplo, de 600 para 700 dólares, o aumento percentual será de 16%, inferior ao do rendimento — no exemplo, 30%. Como consequência do menor consumo relativo, parte da produção não se retirará do mercado, surgirão excedentes e os empresários encontrar-se-ão com stocks indesejáveis, pelo que reduzirão os investimentos, farão diminuir o ritmo da produção, reduzirão os quadros de pessoal e surgirá o desemprego operário. Quando a produção total, a um nível inferior, for absorvida de novo na sua totalidade, ter-se-á recuperado o equilíbrio, mas não se terá eliminado o desemprego. Em segundo lugar, os investimentos estarão sujeitos a flutuações cíclicas. Realizar-se-á um investimento sempre e quando a taxa de rendimento esperado pelos empresários for superior à taxa de juro. Este cálculo é difícil de realizar, visto que se deve comparar um investimento atual com receitas futuras, e portanto não conhecidas perfeitamente. Ao penetrar nesta questão, Keynes aponta a ideia de que, em fases de forte acumulação, podem surgir situações que tornem necessários investimentos que, para evitar preços crescentes, permitam substituir trabalho por capital. A terceira característica refere-se ao chamado "princípio de aceleração", segundo o qual uma parte dos investimentos é induzida pelo ritmo de crescimento do rendimento. Se um empresário privado, ou o Governo de um país, põe em marcha uma obra no valor de um milhão de dólares, e para simplificar suponhamos que paga esta quantidade aos fornecedores e aos trabalhadores de uma só vez, o rendimento desse país terá aumentado nesse milhão inicial se os receptores desse novo rendimento o entesourarem na sua totalidade; mas também será de supor que eles destinem uma parte ao consumo e adquiram bens ou serviços a outros setores da economia, num valor, por exemplo, de 800.000 dólares, poupando 200.000. Quer dizer, põem em circulação 800.000 dólares e retêm 200.000. Até ao momento, o aumento do rendimento do país, devido a um investimento inicial de 1.000.000 de dólares, foi de 1.800.000 dólares. No entanto, o processo não pára aqui: os que receberam os 800.000 dólares como pagamento de seus bens ou serviços gastarão uma parte dos mesmos — 640.000 dólares, caso mantenham a mesma proporção de consumo que os primeiros— na aquisição de outros bens e serviços, e pouparão 160.000. Neste ponto, o aumento do rendimento devido ao primeiro investimento será de 2.440.000 dólares. O processo continuará até que as quantidades retidas como poupanças somem 1.000.000 de dólares, se bem que na prática pequenas quantidades adicionais de rendimento não impliquem um consumo maior. No nosso exemplo, se todos quantos formam a cadeia dedicassem 80% do novo rendimento ao consumo e 20 % à poupança, a cifra final de rendimento gerado pelo primeiro investimento seria de 5.000.000 de dólares. Este processo denomina-se efeito multiplicador. Por outro lado, este aumento no consumo pressiona a produção, obrigada a atender à nova procura: quer dizer, os aumentos do rendimento acelerarão a realização de novos investimentos.
A política econômica keynesiana abandona a ideia clássica de que o Estado deve ser neutral na marcha da economia e, portanto, deverá apenas assegurar o quadro institucional. Seu objetivo fundamental consiste em originar um volume de procura adicional, capaz de cobrir o possível déficit entre a procura privada e a produção total. Quer dizer, para que a procura possa absorver a produção, será necessário somar as despesas públicas às privadas, tanto sob a forma de consumo como na de investimentos. Estas despesas públicas deverão ser encaradas sob três perspectivas: volume, composição e financiamento.
O volume das despesas públicas deve ser tal que permita a expansão do rendimento até alcançar o pleno emprego de todos os fatores produtivos. Sua determinação deverá ser feita tendo em conta o "efeito multiplicador", mecanismo pelo qual a despesa total provocada é superior à despesa pública inicial. Assim, um determinado investimento em estradas necessita de maquinaria, o que significa que as empresas do ramo aumentam sua produção e, portanto, devem fazer novos pedidos a suas empresas fornecedoras, e assim sucessivamente. A composição das despesas, de um ponto de vista estritamente keynesiano, apresenta-se sem notáveis preferências. Assim, uma despesa pública adicional pode ser produzida em obras públicas, em subsídios aos aposentados, em dispositivos militares, em educação, etc., e será a correlação das forças sociais no poder que, em definitivo, decidirá as prioridades. O financiamento do déficit, em períodos de recessão, realizar-se-á emitindo dívidas públicas, com a esperança de, em períodos de expansão, se recuperarem as quantias "avançadas" e se alcançar com isso uma atenuação do ciclo econômico.


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Fonte:
O Desenvolvimento Econômico (Biblioteca Salvat de Grandes Temas), por: Ernest Lluch. Tradução: Ângelo Bento e  Irineu Garcia. Salvat Editora, 1979, págs. 63-69.

O livro como objeto de luxo - O negócio de livros

O livro como objeto de luxo. O negócio de livros
Vimos que os primeiros livros impressos tentavam imitar as ilustrações dos manuscritos  —  iniciais,  margens,  cólofons  — com desenhos finais chamados remates ou cul de lampe. A utilização de gravuras de madeira — xilogravuras — permitia decorar os textos, que ate podiam ser coloridos manualmente.  No  entanto,  já  por meios mecânicos, o alemão E. Radolt. colaborador de Aldo Manuzio, criava em Veneza Impressões policromas. que permitiam ótimas edições ilustradas das obras de Dante e Boccacio. Jean Dupre, em França, conseguia imitar, com técnicas de impressão parecidas,  as  riquíssimas  ilustrações  dos missais ou livros de horas, decorados pelos mini turistas dos  manuscritos.  Quanto  às edições  espanholas,  recordaremos  que  a edição  da Bíblia Poliglota  apresenta  em cada volume paginas impressas em negro e em  vermelho,  com  o  brasão  do  cardeal Cisneros desenhado primorosamente. Para finalizar, devemos assinalar que a técnica da gravura xilográfica se enriquece posteriormente com o aparecimento da gravura a aço, de traço muito mais fino e matizado. Se juntarmos os dados que anotamos em relação com o enriquecimento das encadernações, chegaremos à conclusão que o livro, que já não é propriedade da Igreja, nos scriptorios monacais, se vai transformando progressivamente num objeto colacionável para o escolar humanista, e para o homem laico que deseja (e já pode fazê-lo) possuir uma biblioteca privada para seu uso e prazer pessoais. Devemos recordar aqui que, por exemplo, Boccacio e Petrarca juntaram nas suas bibliotecas preciosos manuscritos gregos e latinos.
Isto leva-nos a assinalar o valor da biblioteca como sinal do poder e até, da ostentação de determinadas pessoas. Com esta apetência bibliográfica encontramos a figura do marquês de Santillana, cuja biblioteca (estudada por Mário Schiff) permite conhecer seu interesse por toda a literatura antiga e moderna.
O livro começa a ser um objeto de luxo. As encadernações, já mencionadas no capitulo anterior (em couro: marroquim, cordoban, carneiro) tornam-se cada vez mais ricas através do gofrado (enfeites em relevo obtidos com ferros quentes). Mais tarde gravaram-se placas de metal do tamanho da capa, no intuito de realizar a operação ia referida de uma vez só. Esta técnica aproveitava motivos ornamentais clássicos — greco-romanos — e, também, a partir do século XV, temas geométricos de origem islâmica (arabescos), ou de nítida influência persa, de rico colorido dourado (chamado ser-i-lauh), técnica que utilizava pôs ou placas de ouro. Outro instrumento para decorar as encadernações era a roda, que corria ao longo das capas para decorar margens. Os nervos, que assinalavam a ligadura dos cadernos do livro, se convertem em elementos decorativos da lombada.
Finalmente, os ingleses iniciaram o tipo de encadernação bordada, a que se seguiu, na França do século XVIII, a imitação das rendas (fers à Ia dentelle).
Existiam já encadernações editoriais privativas de um determinado editor (são famosas as de Aldo Manuzio, Griunta, Canevari, Grolier) que assinava as suas obras Grolier et amicorum — Jacob Krause).
Aparece de novo — como na época romana — o colecionador ou amigo dos livros — bibliófilo — que tem prazer em assinalar, com algum enfeite especial, os exemplares da sua coleção particular. Começam-se a valorizar as primeiras edições (edições Princeps).
A ilustração interior do livro tem neste período, um desenvolvimento notável. À gravação em madeira sucede-se a água forte, que consiste em desenhar, com um estilete, sobre uma placa de cobre envernizada e encher as incisões com ácido nítrico. Ao ser coberto de tinta, podem-se obter reproduções em papel, com traços muito mais finos e matizados que os da gravação em madeira. Os nomes de Holbein e Durero aparecem ligados a este processo, a que deu novos coloridos o famoso astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. que marca o auge do novo estilo. A partir deste período, as páginas dos livros enchem-se de frontispícios, de orlas nas capas, e de verdadeiras ilustrações de figuras e de paisagens. Assim, por exemplo. Rubens cria esboços (inventio) que outro artista desenha (delineavit) e outro transfere para a placa de cobre (sculpsito). As gravuras de mapas, vistas de cidades, animais ou plantas. transformam o livro num amálgama de letras e imagens. Desta forma, os estilos plásticos — renascimento, barroco, rococó. neoclássico — vão, aparecendo pontualmente nas ilustrações dos livros.
Tudo isto está ligado à fabricação do papel, do qual o aparecimento da imprensa aumentou a necessidade. Através dos árabes, chega a Espanha (Játiva. 1150) o primeiro moinho de papel, cuja técnica se estendeu imediatamente a toda a Europa, seguindo o processo tradicional, desde a sua invenção na remota China. Em 1798. Luis Robert inventa a primeira máquina de fabricar papel.
Tudo isto nos conduz a uma conclusão evidente: o aparecimento da imprensa significa para o livro a passagem de um artesanato individual a uma fabricação industrial, que exige uma organização comercial. Daqui por diante, o livro é um produto, em cujo preço intervêm fatores nitidamente econômicos: qualidade da matéria-prima (neste caso intelectual) valor dos custos e sua incidência no que se refere ao número de exemplares (a maior número menor custo), operação de distribuição comercial e fator venda.
Os primeiros impressores eram pessoas "vivas", que desde Alemanha — se espalhavam pela Europa para dar a conhecer (e explorar) o maravilhoso invento a que um humanista espanhol chamou "divino". Não devem ter faltado vozes alarmadas perante essa proliferação do livro permitida por sua fácil reprodução. Assim, por exemplo, um personagem de Lope de Vega, em Fuente-ovejuna, refere-se ao acontecimento:
Deve-se este invento a Gutemberg. um famoso alemão de Moguncia, em quem a fama seu valor renuncia.
Mas muitos dos que tinham uma opinião severa, por imprimir as suas obras, a perderam; além disto, com o nome de quem sabe, muitos suas ignorâncias imprimiram.
Outro poeta, o inglês Alexander Pope (1728) explica na sua obra The Dunciad o alarme que lhe causa uma tal proliferação do livro impresso. O certo é que o livro é já uma mercadoria que começa a multiplicar-se. Para além do impressor nômade, aparece o vendedor ambulante e surgem os primeiros grandes mercados europeus: Frankfurt, Paris, Augsburgo. Já nesta época adquire fama a feira do livro de Leipzig, que se realiza duas vezes por ano e, desde 1564, publica catálogos de novidades, cuja fama perdura até hoje. Estas feiras apareciam por vezes ligadas a núcleos espirituais, como aqueles a que a Reforma deu origem, e que transformaram a cidade de Wittenberg no centro de venda da Bíblia (traduzida por Lutero) assim como de folhetos, coleções de hinos, etc. A qualidade e abundância dos livros permite, como já dissemos, a multiplicação das bibliotecas particulares, a nível de estudiosos, assim como de nobres aficionados à leitura. Os reis dão o exemplo e Francisco I da França. Filipe II da Espanha, e Maximiliano da Áustria criam bibliotecas reais.


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Fonte:
O Livro Ontem, Hoje e Amanhã (Biblioteca Salvat de Grandes Temas), por: Guillermo Díaz-Plava. Tradução: Margarida Jacquet e  Irineu Garcia. Salvat Editora, 1979, págs. 56-62.