sexta-feira, 15 de julho de 2016

O futuro dos homens

Nota do Blog:
O teor do texto reflete parte do pensamento científico de quando o livro foi escrito, lá nos idos anos de 1950.
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O futuro dos homens
É possível, baseando-nos no que nos ensinou a história do desenvolvimento da Humanidade, prognosticar — sem querer fazer de profeta... — qual será o futuro dos homens? Podemos contar que esta evolução, que conduziu o Homem à sua forma atual, prosseguirá e poderemos ter esperança numa Humanidade superior mais inteligente e mais perfeita ?
No ponto de vista físico não parece que desde o início do Holoceno se tenham produzido mudanças sensíveis. Quando muito poder-se-ia notar uma tendência maior para a redução da dentição pela falta de crescimento do terceiro molar (dente do  siso)   e,  como  certas observações  antropológicas  parecem demonstrar, a braquicefalização contemporânea cada vez mais generalizada da raça branca, assim como o aumento da média de estatura.  Mas estas observações são ainda demasiado recentes e dizem tão-somente respeito a um número demasiado restrito de indivíduos para poderem ser generalizadas.
No ponto de vista intelectual e moral muitos bons espíritos puseram a sua esperança no progresso contínuo da Humanidade e numa constante melhoria que a conduziriam para uma civilização superior, obra de super-homens, tais como o sonhavam os filósofos e os poetas: super-homens cuja inteligência seria bastante vasta e bastante penetrante para poder apreender de conjunto — como o escrevia Henri Poincaré — a solução de um problema ao mesmo tempo que poria os dados; super-homens desprovidos   de   todos   os   velhos   instintos   de   barbárie primitiva e vivendo tão só no altruísmo e na paz, na procura das alegrias do espírito, e no amor e no respeito da beleza...
Sem se ver nisto excessivo pessimismo é, contudo, difícil acreditar nesta melhoria progressiva e constante da Humanidade, porque nada do que sabemos do mecanismo geral da evolução permite confirmar semelhante maneira de ver.
O Homem representa a extremidade de um ramo orogenético especializado no sentido de um desenvolvimento cerebral progressivo em relação com a redução de todos os seus outros meios físicos: o Homem atual é, como já o sublinhamos, de todos os grandes animais o menos armado e, muscularmente, o menos poderoso. Vimos que o seu desenvolvimento se fez por estádios sucessivos correspondendo cada um a um tipo definido física e psiquicamente. O Homo sapiens possuiu, em conjunto, desde o seu aparecimento, as características essenciais e estas não sofreram desde então qualquer modificação fundamental.
Isso provém de que as capacidades intelectuais estão em relação com o número de neurones da substância cinzenta do cérebro e com a complexidade ou finura das suas conexões Diríamos, para ousarmos arriscar uma grosseira comparação, que o cérebro humano, com os seus milhões de elementos histológicos, é, de certo modo, análogo a esses quadros de televisão formados por um grande número de células fotoelétricas e cujas imagens que reproduzem são tanto mais nítidas e mais perfeitas quanto maior é o número de células. Assim, cada indivíduo trás por nascimento, pela sua estrutura cerebral, uma reserva de possibilidades a que está fatalmente limitado: a desigualdade psíquica dos indivíduos é congênita como a sua desigualdade física. Pode-se pensar que o mesmo se dá na história da evolução do cérebro humano: cada uma das fases do seu desenvolvimento, desde os Australopitecídeos até ao Homo sapiens, corresponde a uma determinada constituição histológica e, com o tempo, a um estádio progressivo do conhecimento do mundo exterior e do acordar da consciência.
Para que nascesse o nosso super-homem seria preciso que aparecesse na linguagem humana um novo tipo — uma nova mutação — de cérebro mais volumoso e, sobretudo, mais complexo, mas cujos meios físicos seriam provavelmente mais reduzidos, ainda. Não se apercebe bem a possível viabilidade de um tal tipo.
Por outro lado, é preciso não esquecer que o Homem, como o resto da Natureza, está submetido a uma grande lei biológica que é a "lei do equilíbrio" e na qual está, talvez, uma grande parte do segredo da evolução: a Natureza constitui, em cada momento da sua história, um conjunto harmonioso onde todas as partes coexistem num estado de mútuo equilíbrio. Quando, por uma causa qualquer, este equilíbrio venha a ser rompido, produz, fatalmente, depois de um período mais ou menos longo de profunda perturbação, um reajustamento geral, ordinariamente fatal à causa perturbadora; conhecemos múltiplos exemplos zoológicos ou botânicos de tais fenômenos a respeito dos quais não é de modo algum necessário insistir.
Ora, o homem atual desde há pouco tempo que perturbou profundamente o equilíbrio biológico do planeta e talvez estejamos assistindo ao início das consequências que daí resultam. Destruiu a maior parte das grandes espécies animais e transformou completamente a distribuição das outras, assim como dos vegetais; multiplicou-se a uma cadência acelerada e, tendo esgotado progressivamente os recursos naturais que lhe são indispensáveis, toda a sua vida material e social se encontra cada vez mais ligada à posse ou à conquista daqueles recursos de que há risco lhe venham a faltar e de que se tornou escravo. Fato mais grave, pelas suas descobertas biológicas, permitindo a sobrevivência e reprodução de múltiplos indivíduos tarados ou de qualquer modo deficientes, perturbou profundamente o jogo da seleção natural. Em contrapartida, viu reduzir-se o seu potencial de variabilidade pelo progressivo desaparecimento de todas as "pequenas raças" em benefício somente de alguns grandes grupos étnicos. 
Finalmente, uma grande lei paleontológica ensina-nos, também, que o excesso de especialização — no caso presente do Homem, a especialização cerebral — depois de ter favorecido o desenvolvimento de uma espécie e a sua distribuição, traz, finalmente, o seu definitivo desaparecimento.
Parece-nos difícil que a Humanidade escape a estas leis e é por isso que é muito de temer que o indefinido aperfeiçoamento do Homem seja uma generosa ilusão e o Super-homem que esperávamos um lindo sonho!


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Fonte:
A Gênese da Humanidade, por: C. Arambourg. Publicações Europa-América. Lisboa, 1950, págs. 143-145.

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