quarta-feira, 20 de julho de 2016

Por que o céu é escuro à noite?

...Por que o céu é escuro à noite?
O céu noturno, pelo seu número de estrelas, deveria ser uma cúpula deslumbrante. Mas uma noite sem lua mostra apenas escuro total. Este paradoxo tem sido estudado pelos astrônomos desde Halley, em 1720. Distribuição de estrelas no espaço, absorção da luz, escala de tempos e outras teorias aqui mostradas é que produziriam o negro da noite
Por mais longe que se observe o céu noturno, por mais possante que seja o instrumento empregado na observação e para qualquer lado que se olhe, ver-se-ão apenas estrelas e ainda estrelas: pequenas e grandes, azuis e vermelhas, solitárias e em grupos, ou ainda grupos gigantescos, supergaláxias constituídas por sua vez por bilhões de estrelas. Nem pensar na contagem desses astros um por um: são em maior número que os grãos de areia em todas as praias da Terra. De fato, são em tal quantidade que, qualquer que seja o lugar para onde se olhe, sempre se encontra uma estrela. Surge, então, uma questão um pouco bizarra: se para qualquer lugar que se olhe encontra-se uma estrela, então por que o céu é negro durante a noite? Ao observarmos uma praia, não vemos os grãos de areia caírem um por um no fundo de uma depressão. E se partirmos da hipótese cosmológica mais geral, a saber, a de um universo estático e infinito onde as estrelas semelhantes ao nosso Sol estão uniformemente distribuídas, chegaremos à conclusão evidente de que o céu noturno deveria ter a aparência de uma praia de estrelas. Por outra, seria um domo de luz deslumbrante, um vasto incêndio cobrindo o horizonte de uma ponta a outra. Para ser justo e verdadeiro, é mister reconhecer que uma noite sem lua e sem nuvens não difunde de modo algum esta reverberação fascinante e é difícil até enxergar o caminho. Este é um paradoxo curioso, revelado por Halley em 1720 e mais conhecido como paradoxo de Olbers, do nome do astrônomo alemão que foi o primeiro a estudá-lo em 1823.
Para melhor compreender esse paradoxo é necessário retomar as hipóteses originais: estrelas em número ilimitado distribuídas uniformemente num espaço infinito. Que estejam semeadas no vácuo intersideral de modo aleatório tem sua importância: se estivessem alinhadas uma atrás da outra relativamente à Terra segundo um número limitado de feixes, não haveria paradoxo: fora desses alinhamentos nenhuma luz, donde o lugar da noite no céu. Por outro lado, se a distribuição é uniforme, por menor que seja a porção de céu considerada, o eixo visual termina sempre por cruzar com uma estrela, por mais longe que esteja esta. E para continuar de acordo com a hipótese, em cada porção microscópica do céu existirá ainda uma infinidade de estrelas. Então, mesmo que estejam tão distantes que seu brilho seja infinitamente pequeno, o produto de um infinitamente grande (o número de estrelas interceptado) por um infinitamente pequeno (luminosidade) dá um valor finito e perceptível para o olho. É decorrência que não haverá um milímetro quadrado de céu noturno em que a luminosidade seja nula, nem mesmo um canto escuro. Toda abóbada celeste brilharia num vasto, denso e fascinante clarão.
Evidentemente existem muitas maneiras de sair desse paradoxo, entre as quais a mais ingênua consiste em responder que o céu é negro durante a noite para que se possa dormir. Para um espírito científico é pouco precisa e retornando aos antigos pode-se conceber o céu como um imenso veludo negro com pequenos buracos através dos quais brilha o fogo exterior, as nebulosas sendo ta. somente o reflexo do Sol nos pontos de apoio do veludo. Desejando ir além dessas duas e explicações perfeitamente empíricas mas muito simples, os astrônomos lançaram-se durante muito tempo num dilema de difícil solução. Por mais de dois séculos tentaram todas as hipóteses possíveis, sem que se estabelecesse um acordo universal pela aceitação de uma delas.
A primeira ideia que advém a um espírito cientificamente cultivado consiste em admitir que a obscuridade do céu noturno é devida à absorção da luz no espaço. Por outra, o raio proveniente de uma estrela distante sofrerá difusão, será amortecido pela poeira sideral até ser completamente absorvido. Na verdade conhecemos certas regiões obscuras do céu que se devem, precisamente, a nuvens de poeira quase opacas. Esta explicação é, portanto, insuficiente, pois a energia não deve ser perdida e a luz absorvida por um obstáculo qualquer deve sempre ser reemitida por esse mesmo obstáculo, mas numa frequência por vezes diferente. Em média, todavia, um raio luminoso reapareceria sob a forma de um raio luminoso e em lugar de um maravilhoso véu de estrelas teríamos um véu de poeira luminosa.

Escala de tempos
Mais tarde, alguns pesquisadores adiantaram que o espaço não é euclidiano, que é muito jovem, que possui uma estrutura hierarquizada, que suas dimensões são finitas e não ilimitadas, ou que a expansão desloca as frequências para o vermelho, a luz celeste existe mas sob a forma de uma radiação que nos é imperceptível. As duas últimas hipóteses são mais sérias e voltamos ao deslocamento das frequências, mas elas não resolvem melhor o paradoxo. Por exemplo, no caso de um universo finito são ainda em número suficiente para que em cada milímetro quadrado do céu existam em enorme quantidade. A luminosidade dos astros mais longínquos pode, na verdade, ser fraca, mas, multiplicando muito pouca luz por uma enorme quantidade de estreias, chegaremos da mesma forma a uma luminosidade claramente perceptível. A abóbada seria apenas menos luminosa que no caso de um universo infinito.
É conveniente ouvir o professor Harrison, da Universidade de Massachusetts, para ver claramente nesta obscuridade celeste: o céu noturno é negro — porque o tempo necessário para que o campo de radiações atinja seu equilíbrio termodinâmico é grande comparado a todas as outras escalas interessantes de duração. Esta é a explicação do paradoxo, mas requer um estudo atento para ser bem compreendido. É conveniente, entretanto, estabelecer os dados do problema com uma certeza matemática. Como dissemos, é suficientemente evidente que um número infinito de estrelas deve nos mostrar um céu totalmente luminoso: um observador postado no centro de uma floresta imensa, por mais espaçadas que estejam as árvores, jamais vê o horizonte; percebe apenas troncos de árvore. Se todos esses troncos estão pintados de vermelho, parecer-lhe-á estar encerrado num imenso cinturão vermelho sem a menor falha. O mesmo se verifica relativamente às estrelas e isto é fácil de estabelecer da maneira rigorosa: considerando que as estrelas estejam uniformemente distribuídas no espaço com densidade n, cada uma tendo luminosidade L e a luz se propagando à velocidade c, a densidade média de energia que alcança o observador O, da distância r é: du/dr = n L/c. Por integração, esta diferencial dá u infinito para um universo infinito. Isto porque as estrelas foram consideradas como pontos geométricos: o observador seria imediatamente atingido por uma irradiação infinita.
Na verdade, as estrelas têm dimensões claramente finitas e interceptam, por vezes, a luz proveniente de outra estrela. Ou, para ser perfeitamente preciso, cada estrela esconde todas aquelas que estão atrás dela relativamente ao observador. Levando isto em conta chegamos a uma equação um pouco mais complicada e que seria inútil desenvolver aqui. Lembraremos todavia que, por integração, esta equação dá para densidade média de energia em todo ponto do espaço, não  mais um valor infinito, mas simplesmente o valor que reina na superfície das estrelas: a abóbada celeste vista de um ponto qualquer é tão brilhante quanto a própria superfície solar. Eis o que demonstram os cálculos. E, como dissemos, de nada serve fazer intervir a absorção pela matéria difusa do espaço: esta apenas se aquece e se põe a irradiar por sua própria conta a mesma quantidade de radiações que recebeu. Da mesma forma, o agrupamento de estrelas em galáxias que se fazem sombra mutuamente, fracassa como explicação do paradoxo pelas mesmas razões.
Para resolvê-lo, como mostrou Harrison é preciso recorrer aos conhecimentos atuais em matéria de astrofísica. Particularmente, é preciso considerar três escalas de duração; em primeiro lugar a idade do universo (t) no caso de um modelo estático, ou o período de expansão (T) no caso de uma explosão inicial. Na maior parte das cosmologias, t e T têm sensivelmente o mesmo valor, a saber 1010 anos. Por outro lado, em certos modelos estáticos, t é infinito, o que é pouco cômodo, mas não modifica os resultados do problema. Em segundo lugar é conveniente lembrar a duração da vida luminosa de uma estrela, seja t' esta duração. No caso específico de nossa própria galáxia, a maior parte da luz irradiada é proveniente de estrelas cuja emissão luminosa principal dura sensivelmente 108 anos. Todavia, a massa de matéria contida no astro pode' seguir ciclos de conversão termonucleares mais complexos, ao final dos quais o hidrogênio se converteu em ferro e a duração dá vida é largamente aumentada. Pode-se estabelecer, portanto, uma duração média de emissão luminosa próxima de  1010 anos.

O céu todo luminoso
Resta, finalmente, o intervalo de tempo que separa a emissão de um fóton (partícula de luz) por uma fonte e sua absorção por um outro corpo celeste. Esta duração t, chamada também escala termodinâmica de tempos, pode ser calculada conhecendo-se o número de estrelas por unidade de volume, a densidade de matéria luminosa no universo e os parâmetros médios que caracterizam uma estrela: sua massa, sua luminosidade e sua densidade superficial de irradiação. Encontramos: t — 1024 anos. Ora, se consideramos as hipóteses de partida, a maior parte da luz estrelas é proveniente de regiões longínquas cuja distância é ct, isto é, 1024 anos-luz. Logo, para que o céu fique todo luminoso durante a noite é necessário que duas condições imperativas sejam reunidas: a primeira é que a idade t do universo seja pelo menos tão grande quanto t; tendo em vista que a luz viaja com uma velocidade finita é preciso que tenha tempo para chegar até o observador; e a segunda é que as estrelas permaneçam luminosas durante um tempo t' que também deve ser pelo menos igual a t, sem o que todos os fótons emitidos seriam absorvidos, entrementes, por um outro corpo estelar.
A primeira dessas condições é satisfeita por um modelo estático de universo cuja idade é infinita: a luz teve tempo suficiente para nos alcançar. Mas não é satisfeita nos outros modelos que supõem a idade do universo muito menor que 1024 anos. Por outro lado, qualquer que seja o modelo, a segunda condição é impossível de ser satisfeita porque a duração da vida luminosa de uma estrela é muito inferior ao tempo termodinâmico t. Em outras palavras, o astro não brilha suficientemente para que existam fótons não absorvidos. A solução do paradoxo, mesmo no caso de um universo eterno, é esta: a duração de vida de uma estrela é extremamente curta comparada a 1024 anos. Existe, por outro lado, uma maneira distinta de ver que o céu negro é uma realidade explicável em termos de astrofísica: é suficiente imaginar que toda matéria do universo é bruscamente convertida numa irradiação correspondente a uma certa temperatura do corpo negro ideal. Ora esta densidade de energia corresponde a um campo de radiação equivalente à temperatura 20°K (-253°C) que é muito inferior à temperatura superficial de uma estrela média. Desta maneira, o paradoxo do céu luminoso contradiria o princípio da conservação de energia.

Brilho simultâneo das estrelas
Assim sendo, é divertido ver como se comporta o céu para um observador no caso de um universo infinito, ou mesmo finito segundo as concepções da relatividade. No primeiro caso é preciso assegurar a substituição das estrelas de modo permanente, sem o que serão finitas e será bastante difícil de escolher o -instante inicial nas profundezas da eternidade, a data que precede o infinito negativo; a menos que se recorra aos números transfinitos e à condição que a eternidade do tempo não seja o maior dos transfinitos — lembremos que os números cardinais transfinitos servem para classificar e comparar os diversos infinitos. Por maior comodidade, escolhamos um momento inicial onde todas as estrelas comecem a brilhar simultaneamente. O observador situado num ponto qualquer do universo vê o céu se iluminar bruscamente de todos os lados e conclui que a luz veio a ser.
Mas, contrariamente às aparências, não vê brilhar todas as estrelas; somente um observador privilegiado, situado num referencial divino e dotado de um dom de vidência que o faça escapar ao tempo pode contemplar de um único golpe de vista todo o universo brilhando. Nosso observador-padrão é sujeito às restrições ordinárias de tempo e espaço: não vê todas estrelas ao mesmo tempo pela simples razão de que a luz leva um certo tempo para percorrer um dado trajeto. Em outras palavras, a luz das estrelas próximas chega até ele em primeiro lugar, e ele vê se iluminar uma primeira franja em torno de si; depois as estrelas mais distantes enviam a sua luz e uma segunda franja mais distante se ilumina, depois a claridade de estrelas mais distantes ainda e assim sucessivamente de maneira contínua durante horas, dias, anos, séculos, milênios e mais ainda.
Nosso observador-padrão — dotado de uma longevidade que ultrapassa os limites usuais. para clareza da demonstração — vê o céu como uma esfera de estrelas brilhantes que aumenta indefenidamente à velocidade da luz; de fato, depois de um tempo t, esta esfera tem um raio que vale ct. Mas à medida que passam os milhões de milênios, as estrelas começam a enfraquecer como velas que chegam ao fim e um dia se apagarão todas, eis o que constata um observador divino e clarividente. Mas nosso observador-padrão não as vê se apagando da mesma forma que não as viu principiar a brilhar simultaneamente. Constata tão-somente que depois de um tempo t', que corresponde à duração da vida luminosa de uma estrela, os astros próximos dele começam a se apagar, depois, esta esfera de astros mortos aumenta lentamente no espaço, sempre à velocidade da luz. Além desta esfera uma coroa de estrelas que lhe aparecem ainda como luminosas, mas que na verdade estão tão extintas quanto as outras. Esta coroa tem por espessura, certamente, ct. Enfim, além desta coroa, um vasto conjunto de estrelas cuja luz ainda não lhe chegou. De qualquer modo, esta luz não lhe chegará jamais, posto que as estrelas não vivem suficientemente para que sua irradiação preencha todo universo na densidade em que foi emitida.
Como dissemos, esse tempo é aquele que separa emissão e absorção e é 1014 vezes maior que a duração de uma estrela.
Pelo fato desse decurso, dito escala termodinâmica, ser absolutamente imenso é que o céu é negro durante a noite. Esta explicação do paradoxo utiliza, aliás, dados familiares, onde o primeiro é que nós não vemos jamais o universo em seu.conjunto, num dado instante. O tempo que a luz leva para percorrer o trajeto de regiões distantes até nós é tão grande que, de uma parte as estrelas não estão nos lugares onde as vemos e por outro lado uma boa parte delas que vemos como intensamente brilhantes extinguiram-se há muito tempo.
Os desenvolvimentos modernos da cosmologia não modificam, por outro lado, as demonstrações do prof. Harrison. Num universo em expansão, os cálculos mostram que a densidade de radiações é da mesma ordem de grandeza que num universo eterno e estático. Num universo em criação contínua sem expansão, tal como o de Mac Millan, as estrelas nascem da energia difusa, formam-se, brilham e desaparecem; uma vez liberada no espaço, a luz é convertida novamente em. matéria e o ciclo recomeça. Ainda assim, o período do processo sendo inferior à escala termodinâmica, o céu fica escuro durante a noite. No universo em criação contínua e em expansão, como o de Hoyle, a matéria é também criada de maneira contínua, mas a densidade permanece constante por consequência da expansão dos limites do universo. Esta expansão serve também como escoadouro da energia irradiada, sem o que esta terminaria por inundar todo o universo. Nesse tipo de universo há apenas uma fração de estrelas luminosas num dado instante, o que modifica por vezes a duração da vida luminosa média e a escala termodinâmica segundo um mesmo fator. Recaímos portanto no caso precedente.
Uma simples questão de bom senso levou a desenvolvimentos cosmológicos os mais vastos. Compreende-se facilmente que um dia um astrônomo terminaria por se perguntar por que o céu escurece durante a noite quando há um número inacreditável de estrelas. A infelicidade é que elas não duram suficientemente. Ou, mais exatamente, que seu brilho é muito fraco para preencher na duração de uma vida estelar todo o imenso espaço vazio com uma densidade suficiente de luz. Finalmente, há muito mais espaço que energia e o céu será eternamente negro durante a noite.


---
Fonte:
Ciência & Vida, nº 1. Editora Três. São Paulo, maio de 1975, págs. 42-49.

Nenhum comentário:

Postar um comentário