quinta-feira, 21 de julho de 2016

Os indefesos vampiros

Os indefesos vampiros
Por: Luís Marcondes
Ilustrações de Nato
O cinema e a literatura popularizaram o vampiro como um indivíduo perverso, que suga o sangue das pessoas. Mas, buscando-se a origem do mito, descobre-se que o vampiro é uma figura patética, perseguida e amaldiçoada. Os vampiros existem desde a antiguidade. Muitos deles — na Idade Média — foram transpassados e condenados à fogueira pela Inquisição. Mas foi somente no século 18 que a crença nos vampiros se popularizou e tomou a forma com a qual chegaria até os nossos dias.
Na Grécia existe uma pequena ilha. Chama-se Mikonos. Uma cordilheira, um esporão de rocha granítica, escassa de vegetação. Esteve em poder dos turcos durante vários séculos. Mas em 1821 os seus habitantes fizeram um levante armado, lutaram pela independência e ganharam. Ali existe um pequeno cemitério onde se podem encontrar as sepulturas daqueles que tombaram pela liberdade. Ainda hoje são depositadas flores sobre os túmulos dos heróis mortos. Mas há um outro cemitério na ilha. Um pequeno terreno atrás de rochas, onde os túmulos não têm nome nem cruz. Quem são aqueles mortos? A resposta está gravada numa placa na entrada do cemitério: "1700-1702 — Aqui jazem criaturas que não são deste mundo".
Como indicam as duas datas, por três anos a ilha de Mikonos viveu no terror. E o medo ainda persiste através dos séculos, pois ninguém ousa arar o campo maldito.
Existe uma lenda segundo a qual ali estavam sepultados os gigantes, mortos por Hércules. Mas não é daqueles mortos que os habitantes unham medo. Em 1701, o escritor francês Joseph Pitton de Tournefort se encontrava em Mikonos e foi testemunha da "grande epidemia vampírica".
Escreve Tournefort: "A loucura parecia ter penetrado em todas as mentes. Era uma autêntica epidemia, como a raiva ou a peste. Famílias inteiras abandonavam suas casas e iam viver nos campos ou nos bosques. Todos se lamentavam do contato com os vampiros. Cada um ostentava, quase com orgulho, as marcas rubras das mordidas. Ao cair das trevas, todos se abandonavam aos lamentos, aterrorrizados ante a ideia da noite que caía. Os vampiros: esse era o medo de Mikonos. E os sinais das mordidas apareciam realmente. Nos seios das mulheres, nas costas e ombros das crianças, no pescoço dos homens. E todos experimentavam uma terrível exaustão. Muitos, depois de algum tempo — antes fortes e robusto —, morriam. E cada morto era um novo vampiro"

O medo da morte
Em três anos houve centenas de mortos em Mikonos, se bem que se combatesse a epidemia com "todos os meios úteis".
Os "meios úteis" que eles conheciam eram o alho, a lança de madeira pontiaguda e a luz do sol. O alho, pendurado na porta das casas, impedia os vampiros de se acercarem delas. A lança, construída com madeira de freixo, matava-os. A luz do sol destruía o seu simulacro humano, restituindo-os à poeira do tempo.
Mas não existiam freixos na ilha e era necessário mandar os pescadores até as ilhas maiores — Creta e Delos —, para arranjar a madeira necessária à fabricação das lanças. Durante o dia, nas casas miseráveis, homens e mulheres preparavam as armas. Depois, quase no crepúsculo, antes que eles ressurgissem, os mais corajosos chegavam ao cemitério e escavavam as sepulturas.
Era fácil identificá-los. A culpa estava estampada nos seus rostos gordos e corados, sobre os seus lábios ainda úmidos de sangue. Então as lanças os traspassavam, aniquilando-os por toda a eternidade.
Toda vítima de um vampiro se transformava por sua vez em vampiro e devia ser tratada do mesmo modo, para impedir que ressurgisse da tumba e viesse atormentar os vivos, exigindo o sangue que havia perdido.
Pitton de Tournefort narra como via os corpos serem transportados ao cemitério maldito, atrás das rochas. Mas nem sempre sobrava alguma coisa. Os vampiros mais antigos, libertados da maldição, dissolviam-se no pó.
Collin de Plancy, em 1818, assim descreve os vampiros, em seu Dictionnaire Infernal: "Desde tempos remotíssimos tem-se dado o nome de upires, vampiros, no Ocidente, de brucolakhi, no Oriente Médio, de katakhanes na índia, aos homens mortos e sepultados que retornam, em corpo e alma. Falando, caminhando, amedontrando as vilas, sugando o sangue do próximo, tornando-o fraco e causando a sua morte. Quem morre por causa de um vampiro torna-se também vampiro. Não há como livrar-se das visitas perigosas desses monstros senão matando-os com lanças pontudas de madeira".

A vida além da morte
A partir das origens, o mistério da morte perturba a fantasia do homem. Ele não consegue compreender como um ente que até há pouco comia, falava, caminhava, de repente se fechasse num silêncio imóvel. Daí a suspeita de um tipo de magia: o morto era em realidade uma entidade maléfica, um demônio decidido a retornar à vida, roubando a alma dos outros. No mundo primitivo acreditava-se que a alma pudesse sair através da respiração e do sangue. Portanto, para reconstruir a alma, era- necessário sugar o sangue de outros. As religiões valorizavam a existência de uma vida além da morte. As populações da faixa médio-européia eram particularmente sensíveis ao problema. Sobretudo pela divisão entre as duas. Igrejas, a católica e a ortodoxa, com as suas concepções opostas da sobrevivência dos corpos depois da morte. A Igreja católica atribui aos corpos dos santos mortos uma conservação eterna. Isso exclui a decomposição. A integridade do corpo depois da morte torna-se, portanto, um prêmio. Segundo os ortodoxos, no entanto, são os corpos dos ímpios e pecadores que não se decompõem, conservando-se íntegros, a fim de expiarem seus pecados. São considerados tão maus que a própria terra recusa abrigá-los. Essa divergência provoca nas almas sensíveis um desdobramento ansioso. A conservação do corpo depois da morte é um prêmio ou um castigo? Essa interrogação se torna inquietante.
A ideia da aniquilação total é pavorosa, assustadora. Não será isso o início da desejada imortalidade? Essa dupla tendência é a chave do fenômeno vampírico: angústia de morrer e fascinação da morte; esperança de sobreviver e medo de que uma vida corpórea depois da morte signifique danação. Ajunte-se a isso o instinto elementar da sobrevivência, com a sua agressividade e avidez cruéis. É aqui que nasce o vampiro.
Foi sobretudo no século 18 que a crença nos vampiros se difundiu, como uma epidemia de terror, dos Bálcãs à Europa Ocidental. "Entre 1730 e 1735 — escreve Voltaire — não se falava de outra coisa senão de vampiros. Em toda parte eram descobertos, seus corpos eram traspassados, queimados nas fogueiras. O padre Calmet, prior de uma abadia com 100 mil libras esterlinas de renda, publicou histórias de vampiros com a perfeita anuência da Sorbonne."
Voltaire continuava glosando a moda vampírica, e se aproveitava dos conhecimentos e i informações do abade que o hospedava (aliás, com uma gentileza exemplar). Abasteceu-se de sua grande biblioteca durante o tempo em que permaneceu na abadia. Calmet, a propósito, foi a vítima favorita dos filósofos iluministas, por causa de seu livro Dissertations sur les Apparitions des Esprits et sur les Vampires, editado em 1749, abundantemente citado, pois é um dos três ou quatro textos existentes sobre ò assunto.

Morto duas vezes
O abade Calmet escreveu também uma enorme História Universal e outras obras importantes. Mas a sua fama se deve mais às crônicas sobre vampiros, através de episódios isolados. Incluía aí divagações médicas, religiosas e filosóficas. Por exemplo, a história do pastor de Blow, na Boêmia (Checoslováquia). Depois de morto, reapareceu e mordeu oito pessoas, que morreram em seguida. Os habitantes da aldeia o desenterraram e o atravessaram com uma lança pontiaguda, mas o vampiro ria e escarnecia dos cidadãos. Resolveram queimá-lo na fogueira, e levaram-no até o local numa carreta. Durante o percurso, o cadáver urrou e se debateu. Novamente traspassado, esvaiu-se numa poça de sangue, antes que o fogo o queimasse totalmente.
Calmet dizia ter sido pessoalmente testemunha de algumas manifestações vampíricas, e de outras havia recolhido testemunhos que ele considerava válidos. Em suas crônicas, reportava-se a notícias publicadas no semanário Mercúrio Galante, de Paris, ou então a um livro de um autor alemão publicado alguns anos antes, intitulado De Masticatione Mortuorum in Tumulis.
Todas essas histórias, naturalmente, confirmavam a existência dos vampiros e, como eram sobretudo os religiosos a tocar no assunto, teve que interferir o papa Benedito XIV, que chamou à ordem alguns sacerdotes "possuidores de fantasia demasiada". O papa não negava a existência dos vampiros, mas pretendia que eles fossem incorpóreos, como fantasmas. Aborrecia-lhe a ideia de que o corpo fazia dos vampiros uma categoria distinta das almas inquietastes e dos demônios.
E, no entanto, os vampiros tinham um corpo sólido e opaco, pois a sua atividade específica era comer, e não o poderiam fazer não tendo boca, dentes, estômago, intestinos e todo o resto.

Voltou para buscar o sangue
Mas a fenomenologia vampírica não se exauriu com as crônicas de Calmet. Há cerca de 25 anos, em Susak, uma ilha de areia do Adriático, contava-se um caso curioso. Os habitantes, pelos escassos contatos com o continente, conservaram, através dos séculos, os hábitos, costumes, tradições.
O filho de uma mulher da ilha foi morto nos últimos dias da guerra. Agonizou por uma noite inteira, sem que ninguém fosse socorrê-lo. Morreu ao amanhecer, pouco depois de o encontrarem, e as últimas palavras foram uma desesperada invocação: "Quero viver, viver".
Enterraram-no na colina arenosa de Susak. Mas ele voltou, porque sua vontade de existir era mais forte do que a própria morte. Voltou para buscar o sangue que havia perdido, como fazem frequentemente os vampiros, cujo instinto é um misto de agressão e amor. E voltou-se para quem amava mais: a mãe. No momento de sua reaparição, a mulher toma consciência do que devia fazer. Ora, o vampiro, segundo a tradição, é sempre um ser infeliz, prisioneiro de seu instinto de vida. Um morto que agoniza procurando inutilmente ressuscitar. Em casos semelhantes, devem-se afastar os sentimentos, para o próprio bem do "doente". Deve-se fazê-lo voltar ao seu estado normal, fazê-lo voltar à paz. A força que move aquele pobre corpo atormentado na c é uma alma, mas uma mecânica de terror E a mulher não teve dúvida. Confiou a um irmão, dois cunhados e outro filho a destruição daquela coisa que a chamava de mamãe.

O ódio alimenta os vampiros
O medo de morrer foi, em todos os tempos, estímulo para a ressurreição. Mas existem outros componentes que facilitam o fenômeno vampírico. Por exemplo, o ódio. Os homens que tomam conta dos velhos castelos ingleses dizem que os fantasmas são sempre almas de defuntos que em vida odiaram e foram odiados. A regra não varia para os vampiros. Na Turquia contam-se muitos casos de homens particularmente maus que reapareceram depois da morte para atormentar os vivos. Falamos do ódio, falemos de amor. Em dezembro de 1958, um ferroviário de nome Mattews se mata debaixo dos trilhos de um trem em Londres. A investigação conclui que o homem era atormentado por alucinações. Ele costumava afirmar que sua noiva, morta em razão da leucemia, vinha visitá-lo todas as noites, reclamando c sangue necessário "para voltar".
Outro amor, não menos profundo, foi o que fez tombar sob o pelotão de fuzilamento nazista em agosto de 1944 um cidadão de Varsóvia chamado Jan Rzelaw. Havir participado de uma revolta contra os invasores. Quase dez anos depois um ex-suboficial do Exército alemão, voltando à vida civil na pequena cidade de Damme, na Alemanha Oriental, enforcou-se numa garagem. Deixou uma longa carta na qual explicava como o homem que ele havia fuzilado por rebelião vinha procurá-lo e pedir vida. O suicida tinha um pulso enfaixado. Sob a gaze, existia o evidente sinal de uma feroz mordida.
A medicina costuma usar o termo "alucinação" quando trata de explicar histórias desse tipo.
Mas não era alucinado o médico parisiense Trousseau, cuja fama era tanta — na metade do século passado — que lhe permitia cobrar 25 mil francos por consulta domiciliar.
Trousseau gostava de observar que a matéria viva se distingue da morta por certas manifestações características que só ela possui.

Um morto bem conservado
Mas na sua apressada classificação, Trousseau não teve meios de incluir um tal Lesahor, paciente um pouco fora de série. Depois de um longo e infrutífero tratamento hepático, o médico decretou que Lesahor falecera. A mulher do morto, que era doente cardíaca, ficou ignorante do falecimento do marido. Não suspeitou de nada, sobretudo porque o homem continuou a fazer-lhe visitas, todas as noites, para cumprimentá-la. Trousseau, que também tratava da mulher, soube disso pelas suas próprias palavras. Quis ver o fato com seus próprios olhos. Naquela noite se encontrava no quarto da senhora Lesahor na hora da visita, e teve o prazer e ao mesmo tempo a angústia de ver que seu ex-paciente não estava tão morto assim. Movia-se sem dificuldade, conversava com a mulher. Trousseau quis dirigir-lhe a palavra, mas o homem se despediu, dizendo que tinha muita pressa. A razão da pressa, Trousseau descobriu na manhã seguinte, quando, com autorização oficial, pôde dar uma olhada na sepultura de Lesahor. O morto estava em seu lugar e tinha um aspecto "excepcionalmente bem conservado".
A mulher morreu poucos dias depois. Sua morte foi provocada por uma anemia de origem misteriosa. Trousseau fez um relatório pormenorizado do caso, mas o assunto não despertou muita atenção e foi arquivado. Afirmou-se posteriormente que o médico, com aquilo, queria arranjar publicidade.

A vingança do assassinado
Na pequena República de Andorra, quando alguém é assassinado (o que se dá em média uma vez em cada 20 anos), segundo um cerimonial que permanece invariável desde 1200, o magistrado, de toga e capelo, vai até o lugar do delito, seja onde for. Lá, dirige-se ao morto, perguntando-lhe três vezes: "Homem, quem te matou? A Justiça o exige". Ao fim, diz: "O morto não respondeu".
Até hoje não se sabe qual a origem desse estranho procedimento. Mas o seu mecanismo nos revela que os juízes de Andorra esperam que pelo menos uma vez o morto responda à pergunta. Em fins do século passado houve em Andorra um assassinato. O crime fora praticado com uma pedra e o morto era um pastor de ovelhas. A vítima não apresentava um belo espetáculo aos olhos, com a cabeça esmigalhada. Naturalmente, o morto não estava em condições de responder à pergunta do juiz. Mas ele morreu odiando, e a lei dos vampiros lhe dava uma possibilidade de retorno.
Acontece que o culpado estava numa hospedaria, conversando sobre o misterioso crime, quando viu entrar no estabelecimento um homem que tinha na testa uma lama negra.
Os presentes fugiram e o assassino também, mais depressa do que eles. Mas não se pode fugir de um vampiro.
Os corpos dos não-mortos não respeitam as unidades de tempo e espaço. Na sua desesperada fuga, o matador encontrou-se frente a frente com sua vítima. O terror obriga-o a implorar por misericórdia. Cai de joelhos e continua a gritar, até que uma pedra enorme lhe quebra o crânio. Foram encontrados juntos, num local onde um dos dois não deveria estar. Ainda existem testemunhas vivas desse caso.

A estirpe dos vampiros
Os vampiros são uma estirpe, no sentido de que formam uma "cadeia de ressurreição". Quando um se sacia com sangue, todos — mesmo em mínima proporção — sentem um benefício. Quando um morre traspassado pela lança, todos sofrem uma fração de segundo de agonia. Quem foi mordido três vezes, entra na estirpe.
A cruz pode ser usada eficazmente só nos países católicos. Ela é o símbolo da justiça divina e aterroriza as almas culpadas — os vampiros.
Segundo as antigas crônicas, uma cruz colocada no peito de um vampiro tem o poder de paralisá-lo, privando-o também daquela força de atração que exerce sobre as suas vítimas.
O alho tem valor universal. Para compreender o motivo da sua eficácia, basta interrogar os habitantes de aldeias de alguns países da Europa, onde é difundidíssima a prática de colocar uma pequena réstia de alho ao redor do pescoço das crianças com doença intestinal.
O pior parasita do homem é o vampiro. É lógico combatê-lo com uma planta antiparasitária. Mas há também um segundo motivo, de ordem prática, pelo qual os vampiros têm aversão ao alho. Ele é um vasodilatador. Faz diminuir a pressão sanguínea. Portanto, menos jorro, menos sangue para chupar.

Transformam-se em lobos ou morcegos
Nas vilas campestres búlgaras, romenas, húngaras, os habitantes põem as réstias de alho na entrada da casa. Quem é obrigado a sair de noite leva-o no pescoço. Pois como diz uma velha balada da Transilvânia, "cada viandante e cada animal que encontre na escuridão pode ser um maldito vampiro, filho do demônio".
Diz a lenda que os vampiros podem, eventualmente, transformar-se em morcegos ou em lobos. No cinema, estas transformações acontecem com frequência. Mas na realidade não existe um só episódio descrito nos velhos textos no qual um vampiro se transformasse em morcego. É provável que a relação tenha nascido do fato de que existe uma variedade de morcegos que sugam o sangue. O naturalista sueco Cari von Linneu chamou-os de vampiros. Outro ponto de contato: os morcegos só agem à noite e têm aversão ao alho. Frequentíssimas, no entanto, nas antigas crônicas, as transformações em lobo. Naturalmente, a mutação exterior era só parcial. O sujeito corria de quatro, uivando e mordendo quem encontrasse.
O lobisomem (do latim lupus hominarius) morde, dilacera e se alimenta de sua presa. É o que tecnicamente se chama de um "vampiro mastigador". Em Auvergne, França, recorda-se o caso do lendário Liancade, um homem que guiava as matilhas ide lobos e se comportava como os animais que o seguiam.
Hoje tem-se como certo que a licantropia — fenômeno da transformação do homem em lobo — é uma enfermidade de origem histérica. Os indivíduos feridos em determinadas condições que coincidem habitualmente com a lua cheia, sentem-se impelidos a simular o comportamento e o uivo do lobo. Por isso, a licantropia foi chamada de "o mal de lua". Livros antiquíssimos referem-se ao fenômeno. A própria Bíblia fala disso. Em 1200, as bulas papais tornaram-no um crime diabólico e a Inquisição começou o seu festival de sangue. Milhares de pessoas suspeitas de se transformarem em animais são condenadas à fogueira. Entre 1520 e 1630, os delitos atribuídos aos licantropos são quase 3 mil.
Existem relatórios aos quilos sobre processos sumários contra os "lobisomens" e todos foram condenados à morte. Mas também depois da loucura da Inquisição, os lobos lunares continuaram a manifestar-se.
Calmet, o abade dos vampiros, escrevendo em suas Dissertations... conta alguns casos. Uma mulher foi sepultada no cemitério com todos os sacramentos. Quatro dias depois, reapareceu sob a forma de um cão que atacava as pessoas e mordia-lhes o pescoço, bebendo seu sangue. O cadáver foi desenterrado e traspassado com a lança de madeira. Depois desse tratamento, o cão desapareceu.
Como se vê, estamos na identidade entre o vampiro e o lobisomem. As armas que servem para os vampiros são eficazes também contra os lobisomens. Podem-se ajuntar a lâmina e a bala de prata, um metal que na tradição mágica sempre teve grande poder de destruição nos confrontos das forças do mal.
Falamos dos mastigadores. No seu tratado De Masticatione... já citado, o alemão Michel Ranfft descreve os vampiros que se alimentam de carne humana. Esses podem ser comparados às hienas, porque se nutrem dos mortos. O livro de Ranfft tem mais de duzentos anos, mas os mastigadores não desapareceram.
Um caso particularmente curioso é o de um oficial nazista que foi transferido com urgência da frente durante a Segunda Guerra Mundial. Tinha o hábito de se meter entre as ruínas das casas destruídas, logo após os bombardeios aéreos, à procura de um "pasto" particular. Não estava faminto, como certos infelizes que comeram carne humana nos campos de extermínio. Não era também uma prática religiosa, própria de certas comunidades primitivas, entre as quais está ainda em voga o canibalismo ritual.
A ciência o cataloga entre os psicopatas com tendências canibalísticas. Muitos assassinos com desvios sexuais também o são.

O caso de Jack, o Estripador
Por exemplo: Jack, o Estripador, o célebre e misterioso assassino de prostitutas na Londres de fim de século. Do começo de dezembro de 1887 a 10 de dezembro de 1889, ele matou nove mulheres, esquartejou suas vítimas, arrancando-lhes partes anatômicas, como pontas dos seios. De repente, cessaram os crimes, tão misteriosamente como haviam começado. A Scotland Yard jamais conseguiu pegar o assassino que o povo chamava de Jack. Nasceu uma lenda sobre o Estripador. Diz-se que, perseguido pela polícia, numa noite de neblina, atirou-se no Tamisa, desaparecendo nas suas águas barrentas.
Mais ou menos como Jack, agiram Vacher, Tirsch, Troppmann, Peter Kuerten e muitas outras personagens de pesadelos, cujo nome e cuja nefanda obra se encontram em todos os tratados de criminologia.

Vinte e oito vítimas
Kuerten, conhecido como o vampiro de Dusseldorf, cometeu 28 homicídios. Na maior parte eram meninas, que ele seviciava horrivelmente. Kuerten bebia o sangue de suas vítimas. Tinha pegado o gosto pelas crianças. Era órfão e tinha sido adotado por uma viúva rica e viciada, que o obrigava a beber sangue de ganso.
Eram homens ou vampiros esses monstros? Para julgar, basta ler a confissão do médico John Haigh, escrita pouco antes de seu enforcamento, na prisão de Wandsworth, Inglaterra, a 10 de agosto de 1949, por haver assassinado nove pessoas. Num acidente automobilístico, Haigh experimentou um terrível choque emocional ao beber involuntariamente sangue humano. Isso o fez tornar-se um vampiro. Matou sua sede de sangue em nove gargantas, antes de ser condenado e executado.
Falando de sua primeira vítima, escreve Haigh: "Matei-o com uma barra de ferro e depois cortei sua garganta com um canivete. Tentei beber o seu sangue, mas não era fácil. Afinal, resolvi sorvê-lo diretamente da ferida, com profunda satisfação".
Através da lenda e da história, os vampiros estão assim ligados diretamente à crônica criminal. Num certo sentido, eles seguiram paralelamente o desenvolvimento de seus irmãos literários. De fato, transformados em protagonistas da literatura romântica no século 19&os vampiros passaram em seguida ao romance negro, precursor do policial de hoje, para terminar no filão de ficção científica.
Da voga literária vampírica foi responsável em grande parte o célebre poeta George Byron que, hóspede de Shelley, em 1816, prometeu aos presentes — entre os quais o dr. Podidori, médico e amigo de Byron — escrever uma história de terror. Naquela ocasião, Mary Wollstonecraft, mulher do poeta Shelley, iria escrever um clássico: Frankensteins: Byron se cansou logo daquele jogo, mas Polidori retomou o esboço de conto e o elaborou, trazendo-lhe uma nova intitulada O Vampiro. Publicada numa revista inglesa com a assinatura de Byron, a novela agrada muito a Goethe, que a considera como "a melhor coisa escrita pelo, poeta".
Desde então, o sucesso romântico do vampiro inspira nomes famosos, na literatura, de onde surgiram verdadeiras obras-primas do gênero. Hoffmann, Gogol, Poe, Maupassant, Balzac, Baudelaire, Mérimée. O vampiro de Mérimée é um conde lituano. Antes de nascer, sua mãe foi atacada por um urso, durante uma caçada, e foi salva por milagre. Saiu doida da terrível aventura. O filho nasceu tarado com o complexo de urso, e mata sua jovem esposa na própria noite de núpcias, lacerando sua garganta com os dentes.
Para Edgar Allan Poe, o amor é uma avidez de conhecimento absoluto, que coincide com a destruição e a morte. Em Berenice, o homem é um vampiro material que procura o sabor de sua paixão louca no fundo de uma sepultura e crava os dentes na defunta Berenice para conservar uma ensanguentada recordação de amor.
Honoré de Balzac conta em Le Centennaire a história do conde Maxime de Beringheld, que prolongava indefinidamente a sua vida matando mulheres jovens e nutrindo-se do seu sangue.
Existem narrativas terrificantes sobre vampiros, também devidas a autores menores como Eugène Sue, Bram Stoker (criador do célebre Drácula, o vampiro mais popular do cinema, na interpretação de Bela Lugosi), Lê Fanu, Gaston Léroux e muitos outros, mas a realidade chega a ser mais assustadora, Há alguns anos vivia em Praga, Checoslováquia, uma mulher que em sua juventude amou um vampiro. Daquela funesta paixão nasceu um totenkind, um filho de tumba. Quando jovem, Petra Vucek era muito bela. Muitos a cortejavam e ela conheceu o seu amado durante uma festa ao ar livre. Decidiu que aquele devia ser seu homem. Mas ficou horrorizada quando foi mordida pela primeira vez.

Mamãe morte
Não poderia fazer outra coisa que abandonar o rapaz. E o fez. Mas tinha já dentro de si a semente de um outro terror, um mal vourdalek ou, para usar a expressão eslava mais comum, um vampirevich — filho de vampiro. Karel Vucek cresceu com sua mãe, que trabalhava para mantê-lo. Parecia um garoto normal, mas Petra sabia que não era verdade e esperava, com angústia, que ele se manifestasse. Passaram-se anos de agonia, antes que o "garoto ameaçasse morder. Foi uma menina da mesma idade que Karel, a primeira vítima. Quando Petra soube do fato, não disse nada ao menino. Experimentou quase uma sensação de alívio: finalmente a espera acabara.
Num domingo de agosto, vestiu o filho com a roupinha mais bonita e o levou fora da cidade, numa localidade acima do rio Vltava, muito conhecida dos namorados pelos passeios de barco. Petra alugou um barco. Quando voltou à margem estava só. Não procurou esconder seu crime, foi presa. Ficou 20 anos na cadeia. No fim da vida, era uma velhinha como tantas outras, mas lembrava bem a sua história e não hesitava em contá-la. Só uma coisa a perturbava: o apelido que lhe deram no bairro onde vivia e que os moleques lhe gritavam: mamãe morte.


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Fonte:
Planeta, nº 06. Editora Três. São Paulo, fevereiro de 1973, págs. 31-42.

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