quarta-feira, 20 de julho de 2016

A Evolução do Homem está se invertendo

A Evolução do Homem está se invertendo
Ernst Mayr, um dos maiores antropólogos do mundo, acha que o homem involui: os cérebros pequenos reproduzem-se mais frequentemente que os grandes, e o animal humano necessita cada vez mais da química para sobreviver... Social e biologicamente, o homem está se tornando o produto de uma contra-seleção.
O homem de amanhã não será um sucesso. Doentio, pouco inteligente, neurótico, dependerá, desde o nascimento, de diversos medicamentos para sua sobrevivência. Como podemos esboçar desta maneira o retrato do dono indiscutível do planeta, do primata formado há milhões de anos por uma evolução que lhe deu um cérebro de gigante?
São raros os antropólogos, sociólogos, geneticistas e etnólogos que manifestam um pessimismo tão franco. Em geral, os cientistas confiam no gênio humano. Entretanto, quando pomos lado a lado os dados e as teorias sugeridas pelas ciências humanas, o futuro do homem não é muito brilhante.
Um dos antropólogos mais considerados do mundo, Ernst Mayr, ex-diretor do Museu de
Zoologia Comparada da Universidade de Harvard, publicou recentemente um livro que Julian Huxley qualificou como a obra mais importante desde A Origem das Espécies, de Darwin.
O volume de quinhentas páginas. Populações, Espécies e Evolução, apresenta uma síntese global das teorias darwinistas na perspectiva da ciência moderna. Encontramos ali o retrato do homem, no tempo e no espaço, e a conclusão final é que o cérebro e o organismo humano estão em fase de involução.
É problemático determinar uma data para o aparecimento do homem. Digamos simplesmente que os primeiros hominídeos separaram-se dos grandes símios há uns 40 milhões de anos, aproximadamente.
O volume do cérebro e as faculdades que acompanham este volume representam os traços mais importantes que diferenciam o homem dos antropoides. O aumento da capacidade cerebral é a transformação evolutiva mais espetacular que se conhece. O volume do cérebro triplicou num período de 1 milhão de anos, passando de 400 g a mais de 1.200 g. Esta transformação cessou completamente há 100 mil anos ou 200 mil anos. Por quê?
O aumento do volume do cérebro correspondeu provavelmente a forças ou pressões seletivas consideráveis, das quais Mayr aponta três:
A caça aos animais de grande porte, que exigiu a fabricação de armas e instrumentos novos; a cooperação entre os diversos machos, uma forma de divisão do trabalho e das responsabilidades e, por último, o hábito de expedições distantes. "É quase certo que a recompensa de uma boa caçada produzia uma forte pressão seletiva em benefício da evolução cerebral." A cooperação entre os machos criou a necessidade da comunicação. Assim nasceu a linguagem humana, invenção básica que motivou a passagem do hominídeo ao homem. Surgiu em seguida uma estrutura social, cuja importância é primordial com respeito à reprodução.

Leis sociais prejudicam a espécie
Muitos antropólogos pensam que a monogamia foi o sistema reprodutivo original da espécie humana. Para Mayr, a evolução extraordinariamente rápida do cérebro só pode ser explicada pela poligamia. Os cérebros grandes deveriam reproduzir-se mais frequentemente que os pequenos. Os caçadores mais robustos e mais inteligentes organizavam a caça, depois eram promovidos a chefes. Os chefes podiam escolher diversas mulheres. Eram eles que tinham o maior número de mulheres e de filhos, como é o costume ainda hoje em certas tribos primitivas.
Foi quando o homem atingiu a condição atual de homo sapiens que a monogamia tornou-se um fato difundido. Na mesma ocasião, por volta de 100 mil a 200 mil anos atrás, o crescimento do cérebro cessou bruscamente. Como é possível haver evolução mental sem aumento da capacidade craniana?
Em nossa época, o processo evolutivo não apenas parou, como começou a retroceder. Hoje, são os cérebros pequenos que se reproduzem mais frequentemente. "A natureza genética do homem está em fase de degeneração ...Os indivíduos mais inteligentes, tanto nos países capitalistas quanto comunistas,  possuem, em média, um índice de reprodução mais baixo que os indivíduos menos inteligentes. Uma parte, pelo menos, desta diferença intelectual é determinada pela genética."
Ninguém duvida mais que a inteligência seja hereditária, pelo menos em parte, como provam diversos estudos efetuados em gêmeos idênticos. Pouco importa, aliás, que a inteligência seja transmissível em 25% ou 75%, e que o restante seja determinado pela educação e pelo meio. "Basta haver apenas uma parcela de traços hereditários para que o efeito negativo se acumule de geração em geração.
A ciência, em geral, rejeita todas as medidas que visam à melhoria da espécie humana. A razão é que seria preciso escolher alguns critérios mais ou menos arbitrários do que é positivo ou negativo, e daí para o racismo falta apenas um passo. Mas a realidade é que algumas leis humanas são francamente antieugênicas, como se tivessem por objetivo a deterioração da espécie.
"O indivíduo superior é punido por seu Governo de diferentes maneiras, pelos impostos que paga e outras medidas, que tornam mais difícil criar uma família numerosa. Podemos indagar também por que a isenção de impostos para as crianças não é uma quantidade fixa, em vez de uma porcentagem dos impostos totais... Muitos regulamentos e leis administrativas fazem discriminações cegas contra os membros mais dotados da comunidade... Modificar estas leis de maneira a recompensar os desempenhos de cada um é uma medida inteiramente diferente da distribuição dos privilégios segundo os critérios artificiais e arbitrários dos racistas, representados por exemplo pelos cabelos louros e olhos azuis, ou por algum descendente particular, como nas sociedades medievais."
Se aceitamos a existência de uma contra-seleção no homem moderno, podemos acrescentar que, em muitos países, o sistema das deduções familiares encoraja a reprodução dos menos dotados e representa uma medida antieugênica. Os diversos métodos anticoncepcionais, utilizados pelas mulheres mais evoluídas, seriam igualmente antieugênicos. Um outro aspecto do cérebro atua hoje contra o homem. Ele se diferencia dos outros animais pelo longo aprendizado que recebe durante sua formação. O homem tem uma capacidade de aprender superior à do primata, mas não é suficiente.
"Ela deve ser completada pelo desejo bem definido, ou pela aptidão, de conservar a informação adequada (...) O homem possui um grande talento para conservar o que aprendeu, como provam sua aceitação dos sistemas éticos e religiosos, sua vulnerabilidade à propaganda e à opinião das massas (...) Todos os membros da comunidade beneficiam-se com as realizações dos indivíduos superiores. Contanto que não esteja muito abaixo da média, o indivíduo comum pode viver e se reproduzir com tanto êxito quanto o indivíduo que está acima da média. Estes são os fatores que contribuíram para a estabilização do volume cerebral, para a interrupção repentina de um progresso evolutivo excessivamente rápido." Este fenômeno brecou o homem na sua evolução para o super-homem. "Não existe nenhum motivo para a interrupção do crescimento do cérebro, sobretudo se uma vantagem seletiva decorria deste processo." Hoje, o cérebro grande não oferece nenhuma vantagem reprodutiva, pelo contrário.

A transmissão dos genes nocivos
E o que pensar da evolução do organismo humano? Mayr, como a maioria dos autores recentes, acredita que "o perigo da extinção do homem é remoto, a menos que ele não se auto-extermine por meio de uma guerra atômica ou outra loucura semelhante ... O homem é suficientemente polimorfo (dotado de uma variedade genética) para sobreviver até mesmo às epidemias mais devastadoras. A existência semi-isolada de algumas sociedades primitivas aumenta esta probabilidade de sobrevivência. No domínio puramente biológico, não há muitas razões para nos preocuparmos com a continuidade genética da espécie humana".
Senhor quase supremo do seu meio, o homem não tem mais necessidade de adaptação. Ele adapta, em vez disso, o meio às suas necessidades. Aquece-se no frio, refrigera-se no calor, protege-se da chuva e do vento. Venceu as grandes epidemias, aumentou sua longevidade. O recém-nascido, portador de uma doença congênita, que há cem anos atrás estava condenado, sobrevive hoje graças à medicina. Sobrevive e se reproduz, o que é um desastre do ponto de vista evolutivo. Porque um grande número de doenças são hereditárias, ou comportam, pelo menos, um fator transmissível. E se podemos curar o doente, não podemos, por enquanto, eliminar o defeito congênito que provoca a doença e transmite a predisposição de geração em geração. No passado, este gene defeituoso era eliminado pela morte do portador antes da idade reprodutiva. Hoje, o gene acumula-se à comunidade genética da humanidade. Um exemplo é a diabete, doença de forte componente hereditário. "A propagação da diabete deve estender-se lentamente nas gerações futuras, observou o dr: Theodosius Dobzhansky. Não sabemos ainda quanto tempo levará para dobrar. Provavelmente centenas ou milhares de anos. Esta perspectiva não é muito confortadora. As injeções de insulina podem se tornar tão comuns quanto os comprimidos de aspirina. Nossa vida já depende muito da civilização e da tecnologia, mas a de nossos descendentes dependerá ainda mais." Na opinião de Mayr, o aumento da frequência dos genes transmissores de afecções hereditárias controláveis não terá um efeito dramático para o futuro da espécie humana enquanto contarmos com medicamentos adequados.
Previsão tranquilizante, sem dúvida. Uma boa parte da humanidade seguirá um tratamento médico desde a infância. Não somente os genes nocivos sobrevivem e se transmitem, como o índice de aparecimento dos genes recessivos aumenta sempre. A era industrial criou uma outra espécie de paradoxo contra-seletivo, cujo impacto é considerável. E contra o qual não fazemos nada. As mutações são alterações dos cromossomos, e elas se produzem sobretudo em consequência das radiações ionizantes e das reações químicas.
A evolução, segundo se admite, é o resultado da seleção natural das mutações favoráveis, cuja proporção é ínfima em relação às mutações nocivas, porque a maioria destas foi eliminada. Atualmente, no entanto, dois fatores novos entram em jogo: as radiações e os produtos químicos foram multiplicados por um fator desconhecido. E os genes nocivos foram eliminados em grau menor. Nossa civilização, neste sentido, é menos cruel que a natureza.

Os males da superpopulação
Alguns genes, evidentemente, continuam sendo eliminados: os que provocam o aborto espontâneo ou a morte do seu portador, antes da idade reprodutiva. Mas a criança que sobrevive e se reproduz, graças à medicina moderna, poderá transmitir o gene defeituoso à geração seguinte. Estas mutações são repentinas e imprevisíveis. A importância delas é muito variável: podem ir da modificação da secreção de uma enzima ao desaparecimento de um membro. Algumas são dominantes, outras recessivas. Se não forem mortais, ou não provocarem a esterilidade do portador, elas se acrescentam ao capital humano, ocupando o lugar dos genes favoráveis correspondentes.
"A perda progressiva dos genes favoráveis não é o único perigo que enfrenta a espécie humana. A superpopulação constitui um problema mais sério," Mayr não se refere aos efeitos materiais da superpopulação, como o esgotamento dos recursos naturais, sejam minerais, energéticos ou alimentares. Ainda mesmo que a técnica encontre uma solução para estes problemas, a superpopulação deterá a evolução do homem para um ideal humano. Este fato é novo: o desequilíbrio entre o índice da natalidade e o da mortalidade é um fenômeno do século. As sociedades primitivas compreendem melhor do que as sociedades evoluídas a necessidade de limitar sua população. Sabemos que uma das consequências da densidade humana muito acentuada é a doença mental, em suas diversas formas. Num país industrializado, as doenças mentais atingem até 10% da população — como é o caso nos Estados Unidos.
O próprio Darwin indicou o perigo de uma população onde só houvesse lugares em pé. "Não estamos preparados para enfrentar este dilema. Aceitamos o mandamento 'não matarás' sem indagar quais são as restrições legítimas à liberdade individual. Mas não admitimos o mandamento igualmente importante: 'Não produzirás mais de dois ou três filhos. É impossível manter a procriação sem restrições entre as liberdades individuais do homem, se não definimos como liberdade um direito que nos cabe contanto que não seja prejudicial aos outros... O direito à procriação sem limites não deveria mais figurar entre as liberdades humanas." Esta tomada de consciência não se limita a uma minoria, mas inclui todos os homens. "De que adiantaria se os mais dotados tivessem apenas dois ou três filhos, enquanto os outros procriassem oito ou dez?... Apesar da atitude dos governos, dos legisladores e das autoridades eclesiásticas, que são quase criminosos quando formulam opiniões insensíveis sobre estes problemas, cabe a cada indivíduo lutar pelo bom senso e pela saúde no que diz respeito à política da população. Qualquer outra alternativa seria um desastre para a espécie humana." Com estas palavras Mayr conclui sua análise magistral. Entretanto, da mesma forma que a grande maioria dos antropólogos e dos geneticistas, ele não apresenta uma solução que seja ao mesmo tempo eficaz e aceitável. Devemos aguardar uma solução "natural", como seria a guerra total ou a fome universal, predita por alguns especialistas em alimentação? Enquanto isso, a espécie humana continuará sua involução. O processo é lento, naturalmente. O homem de Cro-Magnon, com exceção da aparência e da cultura, era mais ou menos idêntico ao homem moderno. Temos por isso alguns milhares de anos pela frente. Também isso é confortador. Os humoristas poderão dizer que nós não temos pressa.


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Fonte:
Ciência & Vida, nº 4. Editora Três. São Paulo, agosto de 1975, págs. 61-66.

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