quarta-feira, 27 de julho de 2016

A Bíblia e o quadro negro (Religiosidade)

A Bíblia e o quadro negro
Igreja Presbiteriana cresceu investindo no evangelismo e na educação
O pioneiro Simonton: vida a serviço da obra missionária
Todo mundo já ouviu o célebre ditado "o tempo voa". Para a maioria das pessoas, a vida passa sem dar-lhes oportunidades de deixar sua existência marcada neste mundo. Ou, pelo menos, elas se queixam disso. Ao longo da história, não foram muitos os que souberam utilizá-lo como aliado, vivendo cada minuto como se fosse o último. Mas, pessoas assim existiram. O próprio Jesus Cristo deu exemplo: só precisou de três anos para registrar na História uma participação tão marcante que acabou dividindo-a em duas partes, antes e depois dele. Mais tarde, vieram outros, inclusive alguns que, procurando viver à imagem e semelhança do Filho de Deus, fizeram do seu tempo o melhor uso possível, vivendo para divulgar a mensagem do Mestre. O pastor e missionário americano Ashbel Green Simonton pode ser incluído nesta categoria. Em apenas oito anos, ele aprendeu tudo o que podia sobre a Palavra de Deus, viajou para o Brasil, anunciou o Evangelho para pessoas que nunca tinham ouvido falar da salvação em Cristo e morreu deixando como herança uma das maiores igrejas protestantes em território nacional. Hoje, passados 138 anos da chegada de Simonton ao país, a Igreja Presbiteriana do Brasil tem mais de 1.700 igrejas e quase dois mil pastores espalhados pelo país. É o grupo evangélico que mais investiu em educação no Brasil, possuindo até hoje uma grande rede de escolas em todos os níveis de ensino. Isso sem falar nos quase l milhão de fiéis vinculados aos quatro grandes grupos em que se dividem hoje os presbiterianos.
Desde cedo, Simonton, nascido em West Hanover, no estado da Pensilvânia, em 20 de janeiro de 1833, demonstrou interesse incomum pela obra missionária. Assim que concluiu o Seminário Presbiteriano de Princeton e tornou-se pastor, não hesitou em fazer as malas e partir rumo ao Brasil. A decisão, totalmente inusitada, deveu-se a uma revelação que Simonton interpretou como a vontade de Deus na sua vida. Depois de longa viagem de navio, aportou no Rio de Janeiro em 1855 onde logo manteve contato com c médico escocês Robert Kalley. Esse "estágio" com o pioneiro do Evangelho em terras fluminenses foi mais do que providencial: além da comunhão e do aprendizado espiritual. Simonton, que tinha apenas 26 anos. pôde conhecer bastante sobre a sua "terra prometida". Como quase todos os estrangeiros na época, ele pouco mais sabia sobre o Brasil além do fato de aqui haver florestas e muitos índios. Kalley já desenvolvia um trabalho protestante na cidade, apesar das dificuldades culturais e da forte resistência católica. Foi o que bastou para encorajar o jovem missionário.
Escravidão
Não demorou muito e Simonton começou a andar com as próprias pernas, mas sempre pela fé. No dia 19 de maio de 1861, conseguiu sua primeira vitória, Com a ajuda do pastor Alexander Blackford, seu cunhado, o pioneiro alugou uma sala na rua do Ouvidor, no centro da então capital do Império. O preço, 50 mil réis, era bastante salgado na época, mas Simonton contou com a ajuda financeira de um grupo de americanos que ali passaram a realizar culto; em inglês. A iniciativa valeu a pena. De acordo com a historiadora Leila Menezes Duarte, especialista na história do protestantismo no Rio de Janeiro, naquele imóvel realizou-se o primeiro culto ministrado em português realizado em local público. "O âmbito doméstico era a única forma de culto permitida pela constituição do império para os protestantes no Brasil", informa a pesquisadora. Na verdade, o culto tinha o objetivo principal de estudar a Bíblia, e essa primeira reunião contou com apenas duas pessoas. Mas o otimista Simonton teve seus esforços recompensados. Três domingos depois, a sala já ficou cheia de brasileiros interessados em estudar a Palavra de Deus junto com os missionários presbiterianos. Logo as reuniões de estudo bíblico tornaram-se evangelísticas. Os frutos não tardaram e, no dia 12 de janeiro de 1862, Simonton realizou o batismo dos dois primeiros convertidos, um padeiro português chamado Camilo e o brasileiro Serafim, que trabalhava como carpinteiro. Aquela data acabou tornando-se histórica, passando a marcar a fundação da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro, a primeira da denominação no Brasil. O crescimento da obra na sala da rua do Ouvidor levou Simonton e seus seguidores a instalar-se num terreno da Travessa da Barreira (atual rua Silva Jardim). O local abriga até hoje a Catedral Presbiteriana do Rio de Janeiro.
A expansão da missão de Simonton logo adaptou-se à realidade brasileira. Inclusive, num ponto polêmico: a escravidão. Apesar de ser fervoroso antiescravista, Simonton não tocava no assunto em suas mensagens. A Junta de Missões Estrangeiras, responsável pela missão no Brasil, temia um confronto com a classe dirigente brasileira, em sua maioria defensora da escravatura, o que poria em risco o apoio político e ideológico conseguido para seus missionários. Tal característica persistiu até a proclamação da República, em 1889, o que originou um fato curioso: não havia representantes das duas classes que compunham a base e o pico da pirâmide social do país - os escravos e a aristocracia - na igreja.
Vencidos os primeiros obstáculos no Rio de Janeiro, Simonton se dirigiu para o Estado de São Paulo, organizando no ano de 1865 a Primeira Igreja Presbiteriana da capital paulista. Preocupado em expandir o protestantismo num país onde o catolicismo perseguia qualquer um que se atrevesse a mudar o discurso religioso, Simonton foi surpreendido pela providência divina. Um ano após a fundação da igreja em São Paulo, nascia uma congregação na cidade de Brotas, no interior paulista. Não haveria nada demais neste fato, exceto que houve a ajuda decisiva de um ex-padre convertido ao protestantismo, José Manoel da Conceição. Sacerdote controvertido, ele já aborrecia os bispos católicos mesmo antes da sua conversão, quando estimulava seus párocos a lerem a Bíblia. Figura fundamental na expansão da igreja, Manoel, além de realizar frequentes cruzadas no Rio e em São Paulo, fazia questão de visitar a população do interior, não passando por nenhuma fazenda ou casa pobre sem orar e ler a Bíblia com os moradores. Através da influência do ex-padre, as antigas paróquias católicas interioranas acabaram se transformando em igrejas evangélicas. O crescimento acelerado, contudo, não pôde ser presenciado pelo pioneiro Simonton, que morreu em 1867, em São Paulo, com apenas 34 anos de idade, vítima da febre amarela - moléstia tropical que fez milhares de vítimas no fim do século 19.
Fé na educação
Com o passar dos anos e a consolidação da denominação em território nacional, os presbiterianos começaram a engajar-se na realidade social brasileira. No início deste século, a maioria da população brasileira era formada por analfabetos. Sob o ponto de vista espiritual, esse fato era um desastre: significava uma multidão de pessoas sem acesso às doutrinas e ensinos bíblicos. Atentos a esse drama que afetava milhões de brasileiros, a igreja resolveu investir maciçamente em educação. A filosofia era simples, mas eficaz, e era traduzida no slogan: "Ao lado de cada igreja, uma escola". O sucesso foi total. "O grande interesse pela educação fez com que os presbiterianos criassem inúmeras  instituições  de  ensino, algumas respeitadíssimas até hoje", diz o professor Cléber Selos, 37 anos, que leciona história da igreja no Seminário Presbiteriano do Rio. Além do Instituto Presbiteriano Mackenzie, em São Paulo, a maior universidade particular da América Latina, os presbiterianos possuem ainda 500 templos-escola, que ministram ensino da pré-escola ao 2- Grau. "Temos desafiado as igrejas a usar os espaços vazios para dar cursos de alfabetização, ou mesmo profissionalizantes para crianças e adultos", conta o pastor Guilhermino Cunha, que há três anos preside o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, a maior das quatro convenções da denominação no país. Além da preocupação em manter a dedicação das igrejas pelo ensino, Guilhermino objetiva uma  reaproximação  com  as outras vertentes da igreja em território  nacional:  Igreja  Presbiteriana Unida (IPU), a Igreja Presbiteriana Independente (IPI) - e Igreja Presbiteriana Conservadora  (IPC),  que juntas representam cerca de 30% do -     total de presbiterianos no país. Mas eles não estão atentos apenas à educação.  O pastor Guilhermino salienta que o objetivo da igreja é implantar pelo menos uma congregação por semana. "Temos conseguido alcançar este alvo, que faz parte da nossa grande meta de dobrar o número de evangélicos presbiterianos no país até o ano 2000." Esse empenho missionário mostra que os ideais de Ashbel Simonton continuam delineando as prioridades  da Igreja Presbiteriana do Brasil até hoje.    

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Fonte:
Revista Vinde. Ano II - Nº 22 - Setembro de 1997. Editora Vinde. Rio de Janeiro, págs. 56-58.

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