Cerro Corá: os Vikings na América do Sul
Por: Lena
Muggiati
"ABRIGO."
"Lugar seguro." "Proteção." "Ó Deus, tenha compaixão
dos cansados." Essas são algumas das inscrições encontradas nas paredes da
misteriosa caverna, guardada de dia por milhares de vespas e à noite por
morcegos. As vespas se nutrem da água adocicada que verte das muitas cachoeiras
na elevação conhecida como Lorito Picada. Os morcegos até hoje não foram classificados
pela ciência.
Essa
montanha mágica que guarda em sua gruta os segredos seculares de uma fantástica
aventura no passado - está localizada no Paraguai, a apenas 30 quilômetros da
fronteira com o Brasil, mais precisamente na região de Cerro Corá, onde
Francisco Solano López perdeu a guerra e a vida no ano de 1870. A impressão
inicial é de que uma das paredes da rocha tenha caído, transformando o lugar
numa caverna de quatro metros de altura por nove de comprimento. É difícil avançar
pelas frestas que cortam a montanha. Mas o esforço é recompensado pela
surpreendente visão do interior. Na gruta, a riqueza de inscrições e de figuras
rupestres é impressionante.
Estes
vestígios de um passado misterioso só começaram a ser estudados com maior rigor
nas últimas décadas - a partir de 1940 - quando Fritz Berger, um engenheiro
alemão, chegou à região do Amambay, procedente de Pedro Juan Caballero (cidade
fronteiriça, colada à brasileira Ponta Porã). Com a colaboração do Exército e
da prefeitura local, Berger fundou a Agrupación Geológica y Arqueológica e,
entre 1941 e 1944, vasculhou todo o lugar. Além disso, fez um mapeamento
detalhado dos sítios arqueológicos e de onde se encontravam os desenhos e
inscrições, cuja autoria tanto poderia ser atribuída a povos indígenas como a uma
misteriosa civilização já desaparecida.
Uma centena
de soldados que participavam das buscas encontrou no te pó de um grande cerro
um importante muralha. Mas, na época, esta e outras descobertas não receberam a
devida atenção. U mundo se achava engolfado pela Segunda Guerra Mundial, e o
Paraguai permanecia à margem de tudo. Desmotivado e com a saúde já abalada.
Frite Berger desistiu da empreitada.
Foi no
pós-guerra que os pesquisadores voltaram a se debruçar sobre os mistérios da
caverna paraguaia. Um deles foi o professor alemão Hermann Munk, um
especialista em runas (os caracteres que compunham o alfabeto dos povos
germânicos, a partir do século 111, geralmente talhados em pedras). Ao estudar as
inscrições do Paraguai, Munk estabeleceu que se tratava de um dialeto
intermediário entre o norueguês e o antigo baixo-germânico.
Outros
etimólogos - autênticos detetives da linguagem humana - apresentam como prova
da presença dos vikings no sul do continente o fato de o idioma guarani possuir
mais de uma centena de vocábulos de possível origem sueca. Segundo o
pesquisador Blas Antônio Knoop, as inscrições rúnicas das cavernas da região do
Amambay indicam um domínio
germânico-nórdico de, pelo menos, 150 anos de duração, por um
grupo com um
nível intelectual superior ao dos demais habitantes da zona. Knoop comenta:
"Um sistema ideográfico, hieroglífico ou de escrita alfabética representa
um grau evolutivo muito alto na cultura dos povos. Representa sedentarismo,
ordem hierárquica estabelecida, estrutura social definida, um nível artístico
ou de arte em evolução." E conclui: "Tudo faz supor, sem deixar
espaço para a dúvida, que foram estrangeiros vindos do outro lado do Atlântico
e, instalados na selva, que se fundiram com os habitantes locais."
Num livro publicado
em 1971, intitulado A Viagem do Deus Sol,
o historiador francês Jacques de Mahieu comenta que são incontestáveis os vestígios
pré-colombianos da passagem dos nórdicos pela América do Sul. Na sua visão,
vikings originários da região do Schleswig - a extremidade norte da Alemanha
que faz fronteira com a Dinamarca - teriam conquistado, ainda na Idade Média,
um vasto império no continente americano. Ele ousa até mesmo relatar, no livro Drakkars no Amazonas, uma suposta
incursão dos povos nórdicos em nosso território, já por volta do ano de 1250,
carregando madeira da Amazônia para a Europa durante o seu regresso...
Jacques de
Mahieu levantou ainda o que seriam as rotas dos vikings - uma complexa rede de
vias de comunicação através das quais eles controlavam o eu império, sediado em
Tiahuanacu, no Altiplano: "Partimos de rastros tangíveis deixados pelos
brancos pré-colombianos, descobertos ou redescobertos, mas sempre devidamente
interpretados. Ao sul [sic] do
Amazonas, no Piauí, o lugar do culto de Sete Cidades, com suas estátuas
esculpidas pelo homem e suas inscrições
rúnicas traduzidas, mostra que aquele povo não podia ter ficado isolado no interior
das terras. O portulano que encontramos numa das paredes rochosas permitiu
reconstituir efetivamente a rede de caminhos que uniam com a costa atlântica, e
com alguns pontos considerados importantes para os vikings."
Outro
pesquisador que se maravilhou com a possível saga dos nórdicos na América do
Sul foi o americano Jim Woodman, presidente da Seção Sul-Americana da Sociedade
Epigráfica. Em sua monografia As
Inscrições Antigas do Paraguai, ele escreve que "muitos no Paraguai creem
que, antes de Colombo cruzar o Atlântico, antigos navegantes intrépidos
penetraram no complexo sistema fluvial da América do Sul. Provas convincentes
da presença destes navegantes ainda sobrevivem ao largo das margens de rios, em
cavernas e em abrigos de pedra adentro, onde antigos calígrafos deixaram
inscrições".
Jim Woodman destacou
entre suas descobertas paraguaias como intrigantes o que os exploradores chamam
de mapas solares, inscrições fantásticas que pressupõem o que ele imagina ter
sido um caminho muito antigo através da América do Sul, usado vários séculos
antes que os navegadores espanhóis e portugueses chegassem essa região.
Um erudito holandês
Nicolas de Jongh, vai da mais longe e
sugere certas inscrições de Cerro Polillo seriam "nada menos do que um
alfabeto púnico de Cartago, adaptado para a língua guarani, confirmando o que
Aristóteles escreveu sobre o descobrimento da América por navegantes
cartagineses". De Jongh considera outro grupo de inscrições como "a
Pedra Rosetta do Paraguai, por apresentar dois grupos de quatro linhas, um
grupo de letras púnicas e outro grupo de letras etruscas", escreve.
Na corrida
da ciência para decifrar os mistérios do Paraguai, foi curiosamente um geólogo
- e não um arqueólogo - quem topou com o mapa
da mina: em 1973, Pedro González encontrou 157 grutas nos maciços do
Departamento de Amambay. Depois de inspecionar maravilhado as misteriosas
inscrições nas paredes rochosas, recolheu vários caixotes de pedras gravadas e
entalhadas pela mão do homem. Especialistas brasileiros da Universidade do
Paraná analisaram o material e o dataram, através de técnicas de reconstituição
científica, como sendo do período entre os anos de 3500 e 2500 antes de Cristo.
Já em 1928.
há exatos 70 anos, um pesquisador alemão, Ludvvig Schwen-hagen, descreveu que
no rio São Francisco navegavam grandes barcas em forma de drakkars como meio de comunicação com as zonas mineiras das Gerais.
Schwenhagen descreveu ainda rotas extensas que levariam os domínios vikings do
Paraguai até Santos, à ilha de Santa Catarina e à lagoa dos Patos.
Todos estes
achados e a polêmica variedade das interpretações que acabaram gerando criaram
um verdadeiro problema para o Paraguai. Sem recursos para administrar tamanha
riqueza de sítios arqueológicos, o país foi suficientemente humilde para pedir
socorro aos sábios do mundo inteiro.
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Fonte:
Geográfica Universal. Nº 282 - Julho de 1998. Block Editores. Rio de Janeiro, págs. 88-91.
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