quarta-feira, 20 de julho de 2016

Os antibióticos podem matar

Os antibióticos podem matar
Centenas de pessoas já morreram nos Estados Unidos e Inglaterra, segundo denúncia do Science Digest, por causa do abuso com antibióticos. O problema não é diferente no Brasil, onde se receita antibiótico por qualquer razão, até mesmo para uma simples gripe. São medicamentos poderosos e úteis, mas desde que tomados sob controle, inclusive verificando-se as pessoas não são alérgicas a ele.
Uma menina de doze anos de idade, com uma leve infecção na garganta e no nariz — em outras palavras, com gripe — foi levada ao médico. Este não procurou saber a causa da moléstia (se era produzida por bactérias ou por vírus) e receitou "'simplesmente um antibiótico à base de cloranfenicol (alguns nomes comerciais: Quemicetina, Cloromicetina, Formicetina). O estado de saúde da menina piorou. Apresentou os sintomas de uma anemia aplástica, estado em que a medula dos ossos é destruída e substituída por um tecido adiposo. As células sanguíneas diminuem em número no sangue, em alguns casos imediatamente, em outros após semanas ou meses. Os pacientes apresentam sintomas graves de anemia — a pele do rosto torna-se branca como cera — além de infecções graves. Esta anemia mortal pode ser provocada por raios X ou por alguns medicamentos... sendo que um deles é o cloranfenicol. A maioria dos pacientes sucumbe, a despeito de transfusões de sangue repetidas, de esteroides e de outras medidas. Alguns conseguem escapar, mas este não foi o caso da menina de doze anos que procurou o médico com um simples sintoma de gripe. Há também o caso do rapaz de 25 anos que sofria de uma infecção na garganta. O médico receitou cloranfenicol durante nove dias. Em dois meses o rapaz apresentou anemia aplástica, vindo a morrer quatro meses depois.
Um homem de 49 anos, medicado com cloranfenicol para tratamento de uma infecção leve no ouvido, apresentou os sintomas da anemia aplástica dois meses depois. Centenas de pessoas morreram em consequência do cloranfenicol — e um dos fatos mais surpreendentes a respeito deste produto é que ele continua sendo um dos dez medicamentos mais receitados pelos médicos, apesar das advertências publicadas nas revistas de medicina e nos jornais do mundo inteiro desde 1949. Há mais de 25 anos atrás! Os médicos conscientes chegaram à conclusão que o cloranfenicol só deve ser receitado quando existe absoluta indicação — e só deve ser aplicado por especialistas altamente experientes, como a nova classe de médicos especializados em doenças infecciosas. Estes médicos só aplicam o cloranfenicol em pacientes hospitalizados. O abuso, frequentemente prejudicial, de um medicamento pela classe médica não seria tão alarmante (deixando de lado as centenas de mortes), se não fosse pelo fato de que todos os antibióticos — enquanto grupo — são receitados abusivamente, a tal ponto que o público precisa conhecer o terreno perigoso em que está pisando, já que os próprios médicos o ignoram.

Faca de dois gumes
Enquanto o cloranfenicol, numa população como a dos Estados Unidos, deveria ser receitado apenas para umas 200 mil pessoas por ano, ele foi prescrito para quase 4 milhões de pacientes, e este antibiótico é apenas um dentre dezenas de outros! Isto porque todos os remédios milagrosos — como são os antibióticos (produtos como a penicilina, obtidos a partir de fungos, de bactérias ou de outros organismos que atacam mesmo assim os micróbios) e antimicrobianos (produtos de qualquer origem que possuem o mesmo efeito, como os medicamentos à base de sulfa) — são facas de dois gumes. Tanto podem curar quanto matar o paciente. Assim, para você se proteger, convém conhecer alguns fatos... A história dos antibióticos só se diferencia em função do poder e do perigo de cada um... Há algumas semanas atrás um grupo de médicos, liderados pelo dr. Leighton E. Cluff, diretor do Departamento de Medicina da Universidade da Flórida, relatou no Journal of the American Medicai Association o caso de uma mulher de 47 anos que recebeu uma aplicação de penicilina como tratamento de uma infecção na garganta. Três dias depois a pele do rosto começou a descascar. A mulher apresentou dificuldade em urinar e seu corpo ficou coberto de urticária. Apesar de ter sido empregado o rim artificial, a paciente veio a falecer. A injeçâo de penicilina que os médicos receitam com tanta facilidade não é segura nem até mesmo eficiente. Segundo dados fornecidos pelos drs. Benjamin Kagan e Shirley Fannin, da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, cerca de 20 a 50 toneladas de penicilina são vendidas anualmente nos Estados Unidos. Os dois médicos calculam que uma pessoa em quatro toma penicilina uma vez por ano, e que 90% da medicação é desperdiçada.
A história dos antibióticos está repleta de abusos deste gênero numa série imensa de combinações. Senadores norte-americanos foram informados por uma junta médica que cerca de "99% das pessoas tratadas com cloranfenicol receberam este produto sem uma finalidade específica".

Atenção às reações alérgicas
A razão deste consumo exagerado tornou-se evidente quando as pesquisas de mercado mostraram que dois terços dos antibióticos, receitados pelos médicos, destinam-se ao tratamento da gripe. Ora, a gripe comum e a maior parte das afecções da garganta são devidas a vírus imunes aos atuais antibióticos! Além disso, os antibióticos não servem para o tratamento preventivo das infecções bacterianas (como é o caso das infecções nasais). Por último, como foi provado por uma pesquisa recente, dois terços dos pacientes hospitalizados, e que recebiam antibióticos, não apresentavam nenhum sintoma de infecção. Mesmo assim, cerca de um terço de todos os doentes hospitalizados (40% segundo outra pesquisa) recebe estes medicamentos. (O cloranfenicol ocupa uma posição mediana com respeito à frequência do seu uso.)
Há ainda um outro problema que aumenta de importância dia a dia: é o das reações negativas ou alérgicas a estes produtos (como são as urticárias produzidas pelo uso da penicilina ou as perturbações do estômago e intestino). Este fato atingiu um ponto em que os médicos admitem geralmente que mais de l milhão de pessoas são hospitalizadas anualmente em consequência das reações provocadas por antibióticos. Os drs. Milton Silverman e Philip R. Lee, no livro recente Pills, Projits and Politics (Comprimidos, Lucros e Política), calculam que umas 13 mil pessoas morrem anualmente em consequência de reações negativas.

Resistência aos antibióticos
Juntamente com o problema das reações alérgicas, há o caso do aparecimento de germes resistentes aos antibióticos, e que não são mais destruídos como antes por estes produtos. O fato é que, devido ao emprego abusivo e desnecessário, somente os germes mais resistentes sobrevivem. Como comentou o dr. Henry E. Simmons, diretor do setor de medicamentos da Food and Drug Administration: "A possibilidade de um número crescente destes casos é um motivo real dê preocupação, tanto mais que já temos dificuldade atualmente com os organismos resistentes, como é o caso dos germes Gram-negativos (que causam 100 mil mortos por ano), dos micróbios do tifo, dos gonococos e dos estafilococos..." Em resumo, se a situação piorar, vamos enfrentar os mesmos problemas da época anterior à descoberta dos antibióticos, quando os médicos assistiam os pacientes morrer sem poder fazer nada.
Uma advertência foi feita recentemente por um grupo de médicos de Washington, liderados pelo dr. Sydney Ross. O caso diz respeito à resistência dos estafilococos à penicilina comum (Penicilina G) em doentes hospitalizados, enquanto as infecções menos graves, tratadas nos consultórios médicos, ainda são controladas pela penicilina. A resistência nos doentes hospitalizados era da ordem de 95%, enquanto nos doentes não hospitalizados era da ordem de 84%. Isto ocorreu nos últimos dezoito anos, porque em 1957 a resistência era de apenas 16%, em 1967 de 36% e agora...

Terapêutica racional
O mesmo grupo chegou à conclusão que estes germes são muito difundidos. A metade das crianças pesquisadas nas escolas primárias apresentava estes germes nos seus aparelhos respiratórios. Ainda uma vez, ouvimos a mesma advertência quando este grupo de médicos sugere que o aumento da resistência "parece corresponder ao uso intensivo e indiscriminado dos antibióticos fora dos hospitais..."
O que se torna necessário atualmente é a terapêutica racional, como foi sugerida pelo dr. Charles C. Edwards, secretário norte-americano da Saúde: "O medicamento certo para o paciente certo na dose certa e na ocasião oportuna". O dr. Edwards adverte que quando um medicamento é relativamente seguro, há o perigo de recomendá-lo em qualquer situação. "Foi esta atitude que levou o cloranfenicol a ser receitado em casos comuns de gripe... Os médicos e os pacientes devem compreender que todo medicamento apresenta certos riscos..." Por sua vez, os drs. Silverman e Lee chamam a atenção para o papel do paciente e para a atitude errada que ele costuma assumir neste assunto. Segundo pesquisa do dr. Cluff, cerca de um quarto à metade dos pacientes não seguem adequadamente as prescrições médicas. Um terço dos pacientes comete certos erros que põem seriamente em risco sua saúde. Mais da metade dos doentes que tomam antibióticos, e que são aconselhados a continuar o tratamento durante dez dias, interrompem o tratamento no terceiro dia, três quartos no sexto dia, e 82% no nono dia.
O dr. Philip R. Lee mostrou que "entre 54 pacientes tratados com cefalexin — um dos antibióticos mais recentes e mais caros, custando para o hospital cerca de 12 dólares por aplicação — o tratamento era irracional em pelo menos cinquenta pacientes, ou quase 93% dos casos. Nos cinquenta casos tratados inadequadamente, seria preferível prescrever um produto mais seguro e eficiente, sem falar dos pacientes que não necessitavam de nenhum antibiótico".

Começa a haver controle
A situação contudo não é inteiramente negra. Alguns hospitais estão começando a tomar providências. Muitas casas de saúde em Madison, no Wisconsin, passaram a controlar o uso dos antibióticos: quem receitou e por que motivo. O abuso do cefalexin (cujo custo para o hospital é equivalente ao de todos os outros antibióticos reunidos) foi reduzido. E não houve um aumento correspondente no emprego dos outros antibióticos, o que prova que o cefalexina não era realmente indispensável na maior parte dos casos.
Outros hospitais tomaram igualmente certas medidas. Uma junta médica avalia o custo do antibiótico, determina os critérios de eficiência do produto e as reações do paciente, de maneira a evitar o aumento da resistência dos germes patogênicos. Os medicamentos mais fortes são reservados para os casos de emergência. Fora isso, alguns tratamentos com antibióticos estão sendo interrompidos.
O dr. Charles Samet, presidente da junta médica, fez o seguinte comentário: "Mudamos a orientação que procurava uma substância mais nova, mais forte, e passamos a dar uma ênfase maior ao diagnóstico exato..." Com esta precaução, os pacientes não serão mais sujeitos aos antibióticos com todos os riscos afins quando a infecção for produzida por vírus que não são afetados por estas substâncias. Além disto, os pacientes hospitalizados e os serviços de assistência médica profissional vão se beneficiar com uma redução nos custos do tratamento. De fato, este programa de controle cortou as despesas com antibióticos em 20% — sem falar que os pacientes estão recebendo atenção maior por parte dos médicos. "O sistema despertou grande interesse no setor hospitalar, comentou o dr. Joseph V. Terenzio, vice-presidente executivo do Fundo Hospitalar de Nova York, bem como nos setores governamentais, uma vez que 35% das despesas dos hospitais são com antibióticos... Se todos os hospitais fizessem o mesmo, haveria uma redução de 117 milhões de dólares!"
Acreditamos que os médicos que adotaram este sistema nos hospitais vão introduzir o mesmo costume nos seus consultórios! Basta lembrar o que disse o dr. Harry Dowling: o indivíduo comum só apresenta, em média, uma doença que necessita o emprego de antibióticos cada cinco ou dez anos. Insistimos ainda uma vez: os antibióticos são inúteis para as gripes e infecções da garganta. Agora, antes de tomar qualquer antibiótico, pense bem em tudo que foi dito (1975).


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Fonte:
Ciência & Vida, nº 2. Editora Três. São Paulo, junho de 1975, págs. 36-41.

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