terça-feira, 26 de julho de 2016

Turquia: terra encantada

Turquia: terra encantada
A Turquia é uma ponte entre a Europa e a Ásia. Porta de entrada para o Oriente. Um país situado num ponto estratégico, de importância fundamental para o equilíbrio das relações internacionais. Mas também, e principalmente, um exemplo de nação que busca o futuro sem abrir mão de suas tradições, de seu passado marcado pelas civilizações que deram origem ao inundo atual. Assim, se o viajante se anima, na costa do Egeu e do Mediterrâneo, com os movimentados locais de veraneio que são extensões perfeitas das Rivieras italiana, francesa e espanhola, também se deslumbra com os sítios arqueológicos que mostram os testemunhos da presença de hititas, gregos, romanos e outros povos da Antiguidade. É ainda possível, na Turquia de hoje, por exemplo, seguir os passos de São Paulo e de São João Evangelista, de Xerxes e de Alexandre o Grande, dos heróis da Guerra de Tróia e dos Imperadores Romanos do Oriente. Ou percorrer as regiões montanhosas da Capadócia, onde até hoje se encontram tribos de pastores nômades a poucos minutos de voo de Ancara. a moderna e vibrante capital do país. Ou. ainda, visitar a fabulosa Istambul, megalópole de mil faces que aos poucos se desvendam e fascinam seus visitantes.
"Istambul é um outro mundo'', já me havia afirmado o jovem guia Nail Özkaplan. duas semanas antes, quando ainda viajávamos pelo sul do país. E ele não exagerara. Com seus tesouros de arte e história, bazares, palácios e mesquitas, a megalópole (mais de 10 milhões de habitantes em sua área metropolitana) parece o cenário verdadeiro de um conto fantástico das Mil e uma Noites. Istambul é a terceira maior cidade europeia, superada apenas, em tamanho, por Londres e Paris, e já por sua localização ela é única, dividindo-se em três partes - a Cidade Antiga e a Nova, no continente europeu, limitadas pelo braço do mar de Mármara chamado Corno de Ouro, e a área asiática, que se separa das outras duas pelo estreito de Bósforo. Inúmeras vezes sitiada, e muitas vezes arrasada pelos inimigos, Istambul é como a fênix lendária que renasce das próprias cinzas. Ela surgiu, segundo a lenda, em 667 a. C., fundada por Bizas ou (Bizante) de Mégara, que seria neto de Zeus e de sua amante Io. Durante séculos, foi um centro de comércio muito disputado por vários povos, e no ano 330 de nossa era transformada em capital do Império Romano por Constantino. que realizava seu desejo de fundar uma segunda Roma, no Império Romano do Oriente. Constantinopla - assim rebatizada em honra do imperador - foi mais tarde, sob Justiniano (527-565), elevada à categoria de centro espiritual da cristandade, e a magnífica Igreja de Santa Sofia permanece até hoje como um testemunho da glória daquele tempo, considerado como a Idade de Ouro do Império Bizantino. O poder de Constantinopla estendia-se, então, desde o rio Eufrates, no Oriente Médio, até o estreito de Gibraltar, e dos Alpes, no centro da Europa, ao rio Nilo, na África. O declínio se anunciou em 1204, com a pilhagem feita pelos participantes da Quarta Cruzada, que impuseram um Império Latino que duraria até 1261. Depois, Bizâncio conheceu um último período de prosperidade, até que foi tomada pelo Sultão Mehmed u, em 1453. Istambul, como a chamou o novo senhor, tornou-se capital do Império Otomano até o advento da República, em 1923.
Passear por Istambul é como fazer uma viagem no tempo. Uma curta viagem de barco pelo estreito de Bósforo (por pouco mais de cinco dólares) possibilita uma visão panorâmica das partes europeia e asiática, e o visitante poderá dizer que conhece a Cidade dos Sultões. Mas para descobrir seus mistérios e encantos é necessário percorrer ruas e bulevares, atravessar as pontes sobre o Corno de Ouro e o Bósforo, entrar nas mesquitas, palácios e museus.
Na área mais elevada das sete colinas da Cidade Antiga ergue-se a majestosa Basílica de Santa Sofia (Hághia Sóphia, ou, em turco, Ayasofya, Divina Sabedoria). O que vemos hoje é, basicamente, a terceira igreja construída no local, de 532 a 537, e o conjunto é de tal modo impressionante, tanto externa como internamente, que deslumbra os olhos de hoje do mesmo modo como o fez com o Imperador Justiniano - que, ao contemplar sua obra pela primeira vez, comparou-se ao Rei Salomão -, ou com o historiador Procópio, que escreveu que a cúpula de 55 metros de altura parecia estar suspensa do céu por uma corrente de ouro. Santa Sofia abriga riquíssimos mosaicos que datam dos séculos X a XIV, e que foram preservados por haverem sido cobertos por gesso quando os muçulmanos conquistaram Constantinopla. A partir da proclamação da República Turca e com a transformação da igreja em museu, os mosaicos foram restaurados, e hoje as imagens cristãs convivem com ás inscrições em árabe que louvam o nome de Alá. Essa coexistência se mostra mais notável na nave principal da basílica, no local onde eram coroados os imperadores bizantinos: aí se veem, juntos, o nome de Maomé, a figura da Virgem com o Menino, a imagem de São Gabriel e o nome de Alá.
Em frente à Santa Sofia, no outro extremo de uma praça ajardinada, está a Mesquita Azul. Com seus seis minaretes a destacar-se no perfil da Cidade Antiga, esta é a mais conhecida das cerca de duas mil mesquitas de Istambul (na Turquia inteira, há 72 mil). Mais de 36 mil azulejos (daí, o nome da construção) vindos de Nicéia adornam o interior do edifício, cujo amplo espaço para oração é dividido em duas partes, uma para os visitantes e outra para os fiéis. Os muçulmanos, antes de entrar numa mesquita, devem lavar mãos, rosto e pés, e por isso torneiras se enfileiram junto à entrada dos templos islâmicos. E quem quer que vá ao interior de uma mesquita tem que tirar os sapatos e também estar vestido convenientemente, com o corpo coberto.
Por toda a cidade de Istambul - como, aliás, por toda a Turquia -, cinco vezes ao dia se ouvem os chamados dos muezins, os pregoeiros que anunciam as horas de rezar: antes e depois do amanhecer, quando o sol está a pino, "quando a sombra de um homem se torna maior do que o seu corpo" e ao pôr-do-sol.
Neste ambiente de misticismo e magia, encontram-se, em cada bairro, os palácios que fazem referência aos momentos de grandeza do Império Otomano. À beira do estreito de Bósforo, na parte asiática, localiza-se o Palácio Beylerbeyi (Senhor dos Senhores), o último dos grandes palácios otomanos, concluído em 1865. Obra do Sultão Abdülaziz, abriga peças de arte europeias, russas, sírias, persas, chinesas e japonesas. Entre as dezenas de aposentos luxuosamente decorados, um destaque é o quarto destinado a Eugenia de Gontijo, mulher de Napoleão III, quando de sua visita à Turquia.
De volta à parte europeia, na Cidade Nova, o Palácio de Dolmabahçe se ergue no bairro em que, segundo a lenda, Jasão e os seus Argonautas desembarcaram em busca do Tosão de Ouro. O palácio atual, construído em 1853, foi a residência da corte por 70 anos, até o fim do Império, e seus dias de glória estão refletidos na decoração do interior, em turquesas, lápis-lazúli, cristais e ouro. O herói nacional, proclamador da república e criador do moderno Estado turco, Mustafá Kemal Atatürk, que fez do Dolmabahçe a residência presidencial, aí morreu em l O de novembro do ano de 1938.
Ornais significativo dos monumentos à glória otomana é, porém, o Palácio Topkapi, situado na Cidade Antiga, entre o Bósforo e o Corno de Ouro, e que foi a residência dos sultões do século XV ao XIX. Numa área de mais de setecentos mil metros quadrados, o Topkapi é, de fato, um complexo de edifícios construídos de 1472 até 1840 e que compreendem palácios, pavilhões, haréns, prédios civis e de administração, jardins, cozinhas, cavalariças e alojamentos de guardas. Transformado em museu - um dos mais importantes da arte universal -, ele conserva e exibe um tesouro sem igual. Nas Salas da Herança Religiosa e das Relíquias, por exemplo, roupas, armas e fragmentos de cabelo, barba e dente de Maomé levam os visitantes, fiéis ou não, a uma admiração emocionada, estimulada pela voz do muezim que reza oito horas por dia, ininterruptamente, recitando em árabe os 6.666 versos rimados do Corão. Mais adiante, próximo às espadas dos quatro primeiros califas Ebubekir,  Osman  (ou  Otoman),  Omer (ou Omar) e Ali -, peças que teriam sido usadas por Abraão e Moisés, entre outros personagens do Velho Testamento. Manuscritos do Corão feitos desde o século X, antigos instrumentos de escrita e encadernação e figuras do Karagös, o teatro de sombras criado no século XV, também se encontram nesta ala do Topkapi.
Mas é na Ala do Tesouro (Hazine) que se pode apreciar os mais impressionantes exemplos do poder e da riqueza dos sultões. Tronos e berços de ouro são exibidos ao lado de armaduras e armas adornadas com pedras preciosas, entre as quais se destaca a adaga incrustada de três enormes esmeraldas e brilhantes e tornada mundialmente famosa a partir do filme de Jules Dassin, Topkapi, de 1964, estrelado por Maximilian Schell e Melina Mercouri. Numa outra sala, o diamante Spoon Maker, de 86 quilates, montado numa peça de prata com 49 brilhantes, deslumbra os visitantes, que ficam ainda mais assombrados quando são informados de que apenas 20 por cento do tesouro dos sultões estão ali expostos.
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Fonte:
Revista Geográfica Universal. Nº 287 - Dezembro de 1998. Bloch Editores. Rio de Janeiro, págs. 39-41.

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