O monoteísmo ético
Apesar dos
esforços de Salomão, seu reino não sobreviveria após sua morte. O novo rei
Roboão só consegue governar Judá ao sul, já que as tribos de Israel se
desmembram. Pressionados pelos pequenos Estados em volta e pelos grandes
impérios próximos, nunca mais haveria um Estado forte e independente na região.
Os reinos perderam poder mas seus governantes não perderam a arrogância e a
vontade de conservar a suntuosidade a que estavam acostumados. Isto lhes custou
desobediência civil e quesíionamento de sua autoridade.
Israel
sobrevive até o ano de 720 quando é destruída pelos assírios, que removem
grande parte da população para outras partes do império. Judá vai aos trancos e
barrancos até o ano de 586, quando Nabucodonossor destrói Jerusalém e o templo,
símbolo do deus nacional e da ligação entre a divindade e o poder político.
As tribos de
Israel acabam assimilando os hábitos e cultura dos povos vizinhos e perdem
totalmente sua identidade com lave. Entre os descendentes destes homens devem
estar os sírios e os iraquianos de hoje. O reino de Judá é reconstruído, meio
século depois, com o apoio dos persas; o templo de Jerusalém, reerguido; e lave
volta a reinar. Os israelitas ou judeus, herdeiros dos hebreus, tomam sua
herança cultural e, através de uma série de transformações, carregam-na até
agora.
Mas não é
isso o que nos interessa aqui, mas sim a grande contribuição dada pelos hebreus
à civilização, o monoteísmo ético.
Separem-se,
inicialmente, alguns conceitos. Monolatria é o culto a um único deus, embora acreditando-se
na existência de outros; isto era muito comum na Antiguidade, com os deuses de
cada tribo, cada clã ou mesmo cada povo. Monoteísmo já é a crença na existência
de apenas um deus, não sendo os outros, porventura cultuados, senão falsos
deuses. Já o monoteísmo ético é a crença em um deus único, que dita normas de
comportamento e exige uma conduta ética por parte de seus seguidores.
Entre os
hebreus, lave evoluiu de um deus tribal para um deus universal, de um deus de
guerra, senhor dos exércitos, para um juiz sereno, consciência social e
individual, exigente de justiça social.
Os profetas
sociais, Amos e Isaías, principalmente, foram os grandes responsáveis por esse
passo.
Vivendo no
século VIII, os profetas sentiam o peso da monarquia sobre o povo, o luxo dos
poderosos convivendo com a miséria dos camponeses e criadores, palácios ao lado
de palhoças. Utilizando-se de antiga tradição do tempo dos cananitas, a
tradição de prever o futuro em nome de uma entidade superior inspiradora, os
profetas lançam suas negras profecias sobre os que tratam tão mal do pobre,
pensando apenas em si.
Ë possível
que no seu discurso estivesse presente o grito de liberdade de um povo de
criadores, livre por excelência, preso agora a obrigações de pagar impostos a
um governo que pouco lhe dava em troca. Deviam os profetas representar o
inconsciente coletivo da nação, inconformada com a perda de campos de pastagem,
insatisfeita com a centralização monárquica, desconfiada daquele templo que
exigia tributos.
O povo tinha
nostalgia do período tribal: o olhar para o passado sem injustiças sociais, sem
opressão, sem impostos para sustentar a nobreza e exército inúteis acabou se
constituindo em mensagem para o futuro.
Vejam o que
diziam os profetas:
"De que me serve a multidão de vossas vítimas?
[diz o Senhor
Já estou farto de holocaustos de cordeiros
e da gordura de novilhos cevados (...)
Deixai de pisar nos meus átrios.
De nada serve trazer oferendas (...)
Vossas mãos estão cheias de sangue, lavai-vos,
[purificai-vos.
Tirai vossas más ações de diante de meus olhos.
Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem.
Respeitai o direito, protegei o oprimido:
Fazei justiça ao órfão, defendei a viúva."
(Isaías, l, 2-7)
O texto é claro no seu anti-ritualismo, na sua crítica aos sacrifícios do templo — prática incorporada à religião —, na sua crítica àqueles que através de uma religião formal buscavam a divindade. Isaías diz que lave não quer oferendas nem rezas, quer que as pessoas ajam de forma correta, isto é, pratiquem a justiça social.
O que fica
cios hebreus não é, portanto, o som da lira de Davi ou o discutível e limitado
poder político; não fica também o deus tribal nem o Senhor dos Exércitos. Fica
a mensagem por uma sociedade mais justa, utopia sem a qual fica difícil
imaginar o sentido das próprias sociedades humanas.
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Fonte:
Discutindo a História: As primeiras civilizações, por: Jaime Pinsky. Atual Editora. São Paulo, 1987, págs. 89-91.
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