domingo, 3 de julho de 2016

O monoteísmo ético

O monoteísmo ético
Apesar dos esforços de Salomão, seu reino não sobreviveria após sua morte. O novo rei Roboão só consegue governar Judá ao sul, já que as tribos de Israel se desmembram. Pressionados pelos pequenos Estados em volta e pelos grandes impérios próximos, nunca mais haveria um Estado forte e independente na região. Os reinos perderam poder mas seus governantes não perderam a arrogância e a vontade de conservar a suntuosidade a que estavam acostumados. Isto lhes custou desobediência civil e quesíionamento de sua autoridade.
Israel sobrevive até o ano de 720 quando é destruída pelos assírios, que removem grande parte da população para outras partes do império. Judá vai aos trancos e barrancos até o ano de 586, quando Nabucodonossor destrói Jerusalém e o templo, símbolo do deus nacional e da ligação entre a divindade e o poder político.
As tribos de Israel acabam assimilando os hábitos e cultura dos povos vizinhos e perdem totalmente sua identidade com lave. Entre os descendentes destes homens devem estar os sírios e os iraquianos de hoje. O reino de Judá é reconstruído, meio século depois, com o apoio dos persas; o templo de Jerusalém, reerguido; e lave volta a reinar. Os israelitas ou judeus, herdeiros dos hebreus, tomam sua herança cultural e, através de uma série de transformações, carregam-na até agora.
Mas não é isso o que nos interessa aqui, mas sim a grande contribuição dada pelos hebreus à civilização, o monoteísmo ético.
Separem-se, inicialmente, alguns conceitos. Monolatria é o culto a um único deus, embora acreditando-se na existência de outros; isto era muito comum na Antiguidade, com os deuses de cada tribo, cada clã ou mesmo cada povo. Monoteísmo já é a crença na existência de apenas um deus, não sendo os outros, porventura cultuados, senão falsos deuses. Já o monoteísmo ético é a crença em um deus único, que dita normas de comportamento e exige uma conduta ética por parte de seus seguidores.
Entre os hebreus, lave evoluiu de um deus tribal para um deus universal, de um deus de guerra, senhor dos exércitos, para um juiz sereno, consciência social e individual, exigente de justiça social.
Os profetas sociais, Amos e Isaías, principalmente, foram os grandes responsáveis por esse passo.
Vivendo no século VIII, os profetas sentiam o peso da monarquia sobre o povo, o luxo dos poderosos convivendo com a miséria dos camponeses e criadores, palácios ao lado de palhoças. Utilizando-se de antiga tradição do tempo dos cananitas, a tradição de prever o futuro em nome de uma entidade superior inspiradora, os profetas lançam suas negras profecias sobre os que tratam tão mal do pobre, pensando apenas em si.
Ë possível que no seu discurso estivesse presente o grito de liberdade de um povo de criadores, livre por excelência, preso agora a obrigações de pagar impostos a um governo que pouco lhe dava em troca. Deviam os profetas representar o inconsciente coletivo da nação, inconformada com a perda de campos de pastagem, insatisfeita com a centralização monárquica, desconfiada daquele templo que exigia tributos.
O povo tinha nostalgia do período tribal: o olhar para o passado sem injustiças sociais, sem opressão, sem impostos para sustentar a nobreza e exército inúteis acabou se constituindo em mensagem para o futuro.
Vejam o que diziam os profetas:
"De que me serve a multidão de vossas vítimas?
[diz o Senhor
Já estou farto de holocaustos de cordeiros
e da gordura de novilhos cevados (...)
Deixai de pisar nos meus átrios.
De nada serve trazer oferendas (...)
Vossas mãos estão cheias de sangue, lavai-vos,
[purificai-vos.
Tirai vossas más ações de diante de meus olhos.
Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem.
Respeitai o direito, protegei o oprimido:
Fazei justiça ao órfão, defendei a viúva."
(Isaías, l, 2-7)

O texto é claro no seu anti-ritualismo, na sua crítica aos sacrifícios do templo — prática incorporada à religião —, na sua crítica àqueles que através de uma religião formal buscavam a divindade. Isaías diz que lave não quer oferendas nem rezas, quer que as pessoas ajam de forma correta, isto é, pratiquem a justiça social.
O que fica cios hebreus não é, portanto, o som da lira de Davi ou o discutível e limitado poder político; não fica também o deus tribal nem o Senhor dos Exércitos. Fica a mensagem por uma sociedade mais justa, utopia sem a qual fica difícil imaginar o sentido das próprias sociedades humanas.

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Fonte:
Discutindo a História: As primeiras civilizações, por: Jaime Pinsky. Atual Editora. São Paulo, 1987, págs. 89-91.

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