sexta-feira, 1 de julho de 2016

Stop Thanatos

Stop Thanatos
"Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel?" Em seu primeiro livro (Alguma Poesia, de 1930), Drummond incluiu "Cota Zero", poema transcrito acima. A palavra "stop", fortíssima, globalizada muito antes da globalização, prepara o terreno para a tese do poema — a fusão homem/máquina.
Hoje, em muitos lugares do mundo, o que no nosso código de trânsito é representado pela inútil placa "PARE"— que nossos motoristas analfabetos funcionais não conseguem ou não sabem ler — vem indicado pela palavra inglesa "stop". E, por motivos óbvios, é em inglês que mundo afora têm sido escritas as várias faixas de protesto contra os horrores da guerra dos Bálcãs. Inegavelmente, o inglês é universal.
Pois bem. Numa dessas noites de insônia, vi na RAI (emissora italiana) uma manifestação ocorrida em Roma. No meio de um mar de faixas — poucas em italiano, a maioria em inglês —, uma se destacava: "STOP THANATOS". A sigla NATO estava destacada, escrita em cor diferente. A faixa exposta em Roma é ótima prova da necessidade do conhecimento plural.
O MEC tem razão. O ministério exige que os currículos escolares se baseiem na multidisciplinaridade, no texto transversal. É imperativo formar o aluno cidadão, capaz de compreender o mundo. A partir de um radical grego ("thanatos", que significa "morte"), o manifestante foi criativo ao vincular a NATO (que em português é OTAN) à ideia de extermínio.
Pronto! Está mais do que feita uma bela aula multidisciplinar. Dela podem participar o professor de geopolítica - certamente representado pelo de história ou pelo de geografia, ou por ambos —, o de biologia, o de filosofia (se o houver) e o de português.
O que faria cada um? O de geopolítica dispensa explicações. O de português poderia mostrar que o radical "thanatos" está presente em "eutanásia", em que entra o elemento "eu", também grego, que significa "bem, bom, belo". Está criado o dominó sem fim da etimologia (origem das palavras). O "eu" de "eutanásia é o mesmo de "eufonia" ("som bom"). "Eutanásia" nada mais é do que "morte boa". Surge o professor de filosofia. O de biologia, além de discutir a questão científica da morte, pode trabalhar com o de português para expandir os radicais e chegar a termos comuns em ciências biológicas.
De um fato estúpido — a guerra —, surge uma faixa. Uma simples faixa, interdisciplinar. Se alguém duvidar de que a interdisciplinaridade já seja real, que examine a primeira fase do vestibular da Unicamp de 1999, ou a prova da PUC de Campinas do mesmo ano. É isso.          
15/04/99


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Fonte:
Inculta e Bela - 2, por: Pasquale Cipro Neto. Publifolha. São Paulo, 1999,
págs. 38-39.

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