quinta-feira, 14 de julho de 2016

Genética e Evolução

Genética e Evolução
É necessário, para a compreensão do leitor, que se ofereça um panorama do que é Genética a fim de ser possível, adiante, tecer-se comentário sobre suas bases e sobre as bases nas quais repousa a estrutura da "nova" Genética Russa.
A Genética é um dos ramos mais recentes das ciências biológicas. Estuda e investiga a herança dos seres vivos. Como ciência, possui leis. Segue métodos próprios de trabalho. Tem objetivos muito amplos, pois nem tudo está descoberto sobre a herança dos indivíduos; mas, por se tratar de assunto de ciência estritamente experimental, novas conquistas estão sempre aparecendo. 3É fundamentalmente dinâmica e seu campo de ação vai do ser mais primitivo ao homem.
Toda ciência carrega, nos seus primórdios, um conteúdo de especulação, de lenda, de indagações que muitas vezes passam à tradição dos povos, constituindo seu repositório folclórico. Também a Genética não foge à regra e nós vemos na sabedoria popular, como na nossa, constantes anexins e provérbios que ressumam a perfeito adagiário genético, quais o "quem puxa aos seus não degenera", "filho de peixe peixinho é", etc., já explorados de uma feita em outro trabalho nosso. A indagação assim, da herança, está intimamente ligada à da Evolução, em cujos albores nós vamos encontrar o mesmo interesse da Humanidade pela origem e evolução das cousas. As inúmeras formas vivas, tão díspares e diferentes, ofereciam muitos pontos de contato entre si, como se uma evolução gradativa se operasse entre elas. Essa evolução escalonar foi a preocupação esposada pelos gregos, quer ela se operasse da combinação inicial da água, ar, e fogo, quer ela se realizasse pelo conjunto destes e de outros elementos, como o imaginaram Tales (600 A. C.), Heráclito (500 A.C.) e tantos outros. Com essa formulação, assim embrionária e teórica, eles se anteciparam, na escala do conhecimento, a Demócrito (460 A.C.) com a teoria da matéria e à teoria do desenvolvimento progressivo de Anaximandro (570 A.C.) — que via na vida inorgânica o princípio da vida orgânica — mais tarde abraçada por Aristóteles (350 A.C.).
O conceito da subsistência dos melhores, enunciado por Empédocles (450 A.C.), e aceita por Epicuro (300 A.C.), foi também esposada pelo poeta romano Lucrécio-(50 A.C.) que chegou mesmo a aludir às formas primitivas que deram origem à espécie humana. O advento do Cristianismo modificou o caráter especulativo da criação, encerrando a autoridade do Gênesis o "fácies" de irrefutável. Os doutores da igreja, Nuseno e St. Agostinho, mostraram que Deus, criando o mundo, lhe revelou poderes para desenvolver tudo o que nele se contém.
O peso da teologia cristã, embasada no princípio irrestrito da criação, não susteve a indagação humana e sua curiosidade em torno dos fenômenos da evolução. E vamos encontrar um autêntico revolucionário em Vanini (1585-1619), pregando a geração espontânea e a afinidade do homem ao macaco, e postulando, até a origem, daquele com uma evolução deste. Buffon (1707-1788) expressou sua opinião sobre a mutação das espécies, mais tarde abandonada, por parecer-lhe heresia. O grande poeta alemão Goethe, apesar de cientista obscuro, enunciou sua teoria da transformação progressiva através da "Metamorfose das Plantas" (1790), quase à mesma época em que Erasmo Darwin, com a sua Zoonomia (1794), anunciava existir um estabelecimento gradual no mundo animal.
A história do conhecimento é já muito longa e papel saliente ficou reservado a Lamarck, cuja "Filosofia Zoológica" (1809) marcou uma nova era nos domínios da Evolução. Lamarck (1744-1829), Charles Weisman (1834-1914) e Darwin (1809-1882) são os 3 pontos altos da História da Evolução, em torno dos quais tanta polêmica se fez, que tamanha celebridade lhes criou no domínio da Biologia. Esses nomes de tal maneira marcaram a sua época, que passou cada um a definir uma teoria de Evolução: Lamarckismo, Weismanismo, Darwinisnao.

LAMARCKISMO
Cabe a Lamarck o grande mérito de haver reunido num corpo de doutrina as hipóteses relativas à variabilidade das espécies e emitidas até sua época.
Segundo sua teoria, não há no mundo orgânico divisões correspondentes a classes, ordens, gêneros, etc., e até a espécie não é, ao contrário do que se pensava, ema entidade fixa, mas unicamente uma coleção de indivíduos iguais, ou quase iguais, cuja reprodução os perpetuava nas mesmas condições, se as condições de seu meio não se modificassem de tal sorte a fazê-los mudar de hábito, de caráter, de forma.
A espécie avança uma na direção da outra em função do tempo e das condições favoráveis: ambas estas forças é que levam a Natureza, no seu entender, a presidir à formação da espécie. Assim, pela influência do meio ambiente, diferenças de temperatura e da atmosfera, posição das regiões, hábito, movimentos mais frequentes, modo de viver, e instinto de defesa e de reprodução, as faculdades vitais se aguçam e se tornam mais fortes pelo uso, e, com o tempo, se vão diferenciando e preservando através de gerações, já com um caráter de herança.
Para Lamarck a modificação, a diferença dos organismos ê devida diretamente à mudança de seu meio ambiente, e, como este varia constantemente, aí reside o segredo da evolução das espécies. Não são os órgãos que condicionam os hábitos e as faculdades vitais, mas, ao contrário, são os hábitos e a maneira de viver, que condicionam os órgãos; desta forma há uma atrofia pelo desuso e um desenvolvimento anormal pelo uso intensivo, cuja fixidez se observa nos descendentes através da herança. E Lamarck textualmente cita vários casos como prova de sua teoria, quais sejam, entre outros: a necessidade de flutuação das aves aquáticas fê-las desenvolver um tipo especial de pés; na girafa, um pescoço agigantado foi produzido para alcançar as árvores cujas folhas lhe servem de alimento; nas serpentes, a necessidade de reptar acarretou o desaparecimento dos membros, etc., etc.
Uma corrente mais forte sustentou os argumentos de Lamarck, que foram recebidos com reservas ou sob críticas acerbas na época; esse grupo os defendeu com entusiasmo, sobressaindo-se nele Henslow, Hyatt, Pa-ckard, Osborn, Cope e Herbert Spencer.
Como se pôde depreender da concepção de Lamarck, ela foi audaciosa para a época, não há dúvida, mas trouxe em si, como "filosofia central", um conteúdo simplista de explicar as cousas. Atraente e fácil de "entender", mas difícil de "compreender", forneceu ela aos adeptos de Lamarck um meio fácil, uma gazua para todas as portas... Quase já não restavam dificuldades para uma interpretação "correta", tão bem ela se adaptava a cada caso. E facilmente se explicava a Evolução e se criavam adeptos ferrenhos, como veremos nas páginas adiante, com aparecimento de um Burbank nos Estados Unidos, de um Michurin na Rússia e, modernamente, de um Lysenko...
O golpe violento no Lamarckismo quem o vibrou foi Weismann que, na opinião de Conklin, "inaugurando uma era na Biologia", coordenou os fatos de outro modo, condenando-o.

DARWINISMO
O transformismo de Lamarek, secundado por St. Hilaire, apesar do eco despertado, não impressionou tanto aos naturalistas. E eis que num clima de certa indiferença aparece o famoso livro de Darwin (1859), "Origem das espécies", novo repositório para os estudos de Evolução.
Educado em ambiente onde as coisas de Biologia eram comuns, filho de pai médico, neto de Erasmo Darwin e primo de Francisco Galton, fundador da Eugenia, Darwin desde moço se interessou pelos problemas de Evolução.
Aos 22 anos de idade encetou uma longa viagem de estudos no navio "Beagle", viagem que lhe despertou vivamente a indagação da razão de ser dos seres vivos. No decurso de 3 anos acumulou muitas notas sobre suas observações e de volta à pátria (Inglaterra) pôs-se a escrever. Suas reflexões o prendiam a Lamarck, cujo conceito de evolução tanto o impressionou. Havia, porém, fatos que sua experiência já revelava contrários ao lamarckismo. E por acaso lhe chegou às mãos o livro de Malthus "Teoria das Populações" (Outubro, 1803) cuja leitura muito o interessou e lhe deu novas perspectivas. É que Malthus, com sabedoria, analisava o aumento das populações em razão direta do aumento de alimentos. Essa relação mostrava que, por não quebrar-se o equilíbrio da» populações, implicitamente muitos indivíduos morriam antes de atingir à concorrência alimentar, e isso foi particularmente grato a Darwin. Aplicou-a como um princípio nos seus estudos de Evolução e dela deduziu que o poder de reprodução dos organismos excede ao espaço para suportá-los e aos alimentos para supri-los. Um simples e microscópico Paramécio é capaz de em 5 anos produzir 3.000 gerações. Se todos os descendentes subsistissem, o volume dessa massa viva seria de 10.000 vezes o volume da Terra! E para cada ser vivo o raciocínio seria o mesmo, isto é, mais indivíduos, menos espaço e menos alimento.
E Darwin teve argumentos para estabelecer dois princípios fundamentais: a teoria da seleção natural e a teoria da seleção sexual.
A ideia da seleção natural, conforme ele confessou em sua Autobiografia, baseou-se na analogia do melho-rista em selecionar as espécies domésticas, cujo método consiste em escolher os tipos, dentro da espécie, que melhor lhe agradam, e reproduzi-los. Esse processo, verdadeira "seleção artificial", ou conduzida, é, "mutatis-mutandi", o que a Natureza executa, sendo que aqui o fator determinante é a luta pela vida. Esse balanço de forças — Natureza e Ser Vivo — fornece um certo equilíbrio da espécie, que se quebra quando uma se multiplica à custa de excessiva usura da outra, Já a destruição do número elevado de indivíduos dentro da espécie sem quebrar esse equilíbrio, é devida à luta contra as condições adversas do meio, como sejam a improdutividade dos solos, a inclemência do clima, o advento de catástrofes, como enchentes, secas, etc. Há ainda a considerar a luta entre espécies que coabitam o mesmo "locus", quer como inimigos, quer como predadores da mesma fonte de alimentos.
De todas essas lutas é lícito perguntar: quais os indivíduos que vão subsistir, quais os que vão permanecer ? E então vem a última fase de luta dentro da mesma ornados, nos mais aguerridos e mais fortes. E não é incomum a luta de machos para possuir a mesma fêmea, por causa dessa preferência.   
É interessante aludir que as ideias principais de Darwin foram quase as mesmas expressas na obra de Alfredo Russell Wallace, cujo manuscrito lhe foi remetido para ler; com grande surpresa, aí encontrou, como se escrita em outro estilo, toda sua teoria da seleção natural! Divergindo, porém, de Darwin, Wallace não aceitava a teoria da seleção sexual, ponto, aliás que foi considerado por muitos como implícito na própria teoria da seleção natural.
A respeito do mecanismo de herança, Darwin apresentou a teoria que por De Vries foi chamada da pan-gênese, porque baseada nas pângenes, segundo a qual as células sexuais são portadoras ou veículos da herança. Havia, na sua concepção, embora ele mesmo a achasse falha — tanto que a expôs tentativamente — entidades minúsculas no organismo, chamadas gêmulas que imigrariam de todos os órgãos do corpo para as células sexuais. Essas gêmulas (que De Vries depois chamou pângenes) seriam transportadas pelo sangue, localizar-se-iam nas células sexuais e, dessa fornia, todo o organismo ali se achava representado.

WEISMANNISMO
Ao assumir seu cargo de vice-reitor da Universidade de Friburgo, Alemanha, em 21 de julho de 1883, Weismann abordou suas ideias sobre hereditariedade, ideias que mais tarde expandiu no seu livro (1893) "O Germo-plasma".
A teoria de Weismann estabeleceu um contraste decisivo entre o que se herda (germe) e o que não se herda (soma), distinção essa que invalidava a teoria dos caracteres adquiridos. Assim, seria a célula germinal que daria origem a um novo indivíduo e a clássica pergunta "quem apareceu primeiro, a galinha ou o ovo", seria respondida que o Ovo, o qual teria provindo, como uma forma nova de Ovo, de um animal ancestral imediato da galinha. Condicionava ele sua teoria aos fenômenos de herança, enquanto, como vimos, Lamarck subordinava às condições do meio.
Sua concepção estabeleceu limites bem nítidos entre duas categorias de fenômenos: os relativos ao meio e os atinentes à herança, daí haver pressuposto duas ordens de tecidos diferentes, quais sejam o do soma (ou corpo) e o do germe, o primeiro influenciável pelo meio ambiente, e o segundo alheio a tais influências. Seria o que ele chamou de continuidade do plasma germinal.
Todas as modificações que se operassem no corpo, como mutilações, traumatismos, etc., não seriam transmitidos à descendência por não terem influenciado o germe. E, como corolário desse princípio, afirmava que nenhum caráter pode ser adquirido se o organismo não for ao mesmo predisposto, ou, em outras palavras, há um condicionamento de preexistência para a modificação do caráter. Além de pôr em dúvida a herança dos caracteres adquiridos, Weismann invocou razões de ordem anatômica e fisiológica para reforço de seus argumentos. No decurso da reprodução dos seres vivos, animais ou vegetais, ela não se daria através de divisões do soma (corpo), mas do desenvolvimento de células reprodutivas especiais, e que seriam as células sexuais. O desenvolvimento do embrião dá-se com a divisão do ovo em duas partes iguais, e de cada uma destas em mais duas e assim sucessivamente, aos poucos aparecendo uma completa diferenciação de tecidos em músculos, nervos, ossos, etc.
Explicou ainda Weismann que o plasma germinal se encontra no núcleo das células sexuais, onde se localizam as unidades mais simples, e que seriam os bióforos. Responsáveis pela caracterização do soma seriam entidades chamadas determinantes, que possuiriam a faculdade de crescer e multiplicar como qualquer célula, havendo certo tipo de equilíbrio no seu desenvolvimento, a que chamou de "autocorreção". Seria assim uma espécie de limite no crescimento dos "determinantes", de maneira a não se desenvolverem uns mais que outros, com o consequente desenvolvimento acentuado de alguns órgãos mais que outros, cuja tendência terminaria em indivíduos anormais ou monstruosos, o que não seria normal.
De acordo com a teoria, existe uma luta entre os "determinantes" no sentido de encontrar mais alimento e uma posição provável nas células germinais, levando vantagem no desenvolvimento aqueles que atingem esses objetivos. Dessa luta ou competição resultariam estruturas mais ou menos diferenciadas, o que terminaria, em gerações subsequentes, em organizações mais prováveis de um lado, e mais débeis do outro, até sua extinção.


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Fonte:
Uma ciência atrás da cortina de ferro, por: Osvaldo Bastos de Menezes. Martins Editora. São Paulo, 1952, págs. 13-24.

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