quinta-feira, 7 de julho de 2016

Discurso, enunciação e contexto sócio-histórico

Discurso, enunciação e contexto sócio-histórico
A teoria semiótica examina a enunciação enquanto instância pressuposta pelo discurso, em que deixa marcas ou pistas que permitem recuperá-la. Chega-se ao sujei-lo pelo caminho do discurso, reconstrói-se a enunciação por meio da análise interna do texto: certos procedimentos do texto marcam, nos diferentes patamares do percurso gerativo, a relação entre o discurso c a enunciação pressuposta. Podem-se citar, entre outros, a determinação axiológica, no nível das estruturas fundamentais, o conflito ideológico instalado na narrativa entre os destinadores do sujeito, os valores que o sujeito assume e suas paixões.
Mas é sobretudo no nível das estruturas discursivas que a enunciação mais se revela, nas projeções da sintaxe do discurso, nos procedimentos de argumentação e na escolha dos temas e figuras, sustentadas por formações ideológicas.
A análise interna do texto apreende esses aspectos e mostra que as escolhas feitas e os efeitos de sentido obtidos não são obra do acaso, mas decorrem da direção imprimida ao texto pela enunciação. Ressalta-se o caráter manipulador do discurso, revela-se sim inserção ideológica e afasta-se qualquer ideia de neutralidade ou de imparcialidade do texto.
O exame interno do texto não é suficiente, no entanto, para determinar os valores que o discurso veicula. Para tanto, é preciso inserir o texto no contexto de uma ou mais formações ideológicas que lhe atribuem, no fim das contas, o sentido.
Pode-se caminhar nessa direção e executar a análise contextual, desde que o contexto seja entendido e examinado como uma organização de textos que dialogam com o texto em questão. Assim concebido, o contexto não se confunde com o "mundo das coisas", mas se explica como um texto maior, no interior de que cada texto se integra e cobra sentido.
Reconstrói-se a enunciação, por conseguinte, de duas perspectivas distintas e complementares: de dentro para fora, a partir da análise interna das muitas pistas espalhadas no texto; de fora para dentro, por meio das relações contextuais — intertextuais do texto cm exame. A enunciação assume claramente, na segunda perspectiva, o papel de instância mediadora entre o discurso e o contexto sócio-histórico.
São muitas as dificuldades de delimitação do contexto a ser considerado em cada análise textual, mas é possível resolvê-las, em grande parte, e definir, pelo exame da intertextualidade, a enunciação e o texto que ela produz.
A semiótica, como se afirmou desde o início, procura hoje determinar o que o texto diz, como o diz e para que o faz. Em outras palavras, analisa os textos da história, da literatura, os discursos pó líticos e religiosos, os filmes e as operetas, os quadrinhos e as conversas de todos os dias, para construir-lhes os sentidos pelo exame apurado de seus procedimentos e recuperar, no jogo da intertextualidade, a trama ou o enredo da sociedade e da história. Se os estudos do texto buscam, em geral, os objetivos comuns de conhecimento do texto e do homem, a semiótica pode, quem sabe, somar a outros os passos que tem dado nessa direção.


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Fonte:
Teoria Semiótica do Texto, por: Diana Luiz Pessoa de Barros. Editora Ática, 2ª Edição. São Paulo, 1994, págs. 82-83.

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