Anton Tchekhov
(1860-1904): Vida e Obra
"Anton Pavlovitch Tchekhov sentou-se na cama e de maneira significativa
disse, em voz alta e em alemão: 'Ich
sterbe' — estou morrendo. Depois, segurou o copo, voltou-se para mim,
sorriu com seu maravilhoso sorriso e disse: 'Faz muito tempo que não bebo
champanhe'. Bebeu tranquilamente todo o copo, estendeu-se em silêncio e, alguns
instantes depois, calou-se para sempre. E a pavorosa calma da noite foi apenas
alterada por uma enorme borboleta noturna, que entrou pela janela e voou,
atordoada, pelo quarto, em torno das lâmpadas acesas. O médico retirou-se. No
silêncio da noite, com um estampido terrível, a rolha da garrafa interminada
saltou. Começou a clarear e, com a natureza a despertar, um primeiro réquiem:
os doces e formosos cantos das aves e os acordes do órgão da igreja próxima.
Nem uma voz humana, nada do cotidiano da vida, somente a calma e a grandeza da
morte."
Os últimos
instantes da vida de Anton Tchekhov, descritos por sua esposa, a atriz Olga
Knipper, tiveram o mesmo clima de suas peças teatrais, em que o silêncio é tão
ou mais significativo que as palavras. Depois de uma atividade intensa,
desenvolvida a partir da adolescência até sua morte, aos 44 anos, Tchekhov
abandonou a cena para sorrir nos bastidores. Ele sabia que suas personagens
continuariam a viver em suas peças e nas histórias que escreveu, retiradas da
própria vida.
Seu
silêncio, como suas peças, tem um subtexto, descrito por ele alguns anos antes,
em carta a um amigo: "Desprezo a preguiça, assim como desprezo a fraqueza
e a apatia dos movimentos da alma. Para viver bem, como um homem digno desse
nome, é preciso trabalhar, trabalhar com amor, com fé".
UMA INFÂNCIA
ATORMENTADA
Quando Anton
Pavlovitch Tchekhov nasceu, a 17 de janeiro de 1860, a família vivia em
Taganrog, uma cidade da Rússia com mais de 30 000 habitantes, entre os quais
havia cerca de quinhentos comerciantes. Os mais ricos eram originários da
Grécia, razão pela qual Pavel Yegorovitch Tchekhov, um obscuro dono de
mercearia, resolveu matricular os filhos na escola grega da Igreja de São
Constantino, para que mais tarde pudessem frequentar a Universidade de Atenas e
ocupar uma posição de destaque. Mas os filhos fracassaram e ele os mandou à
escola secundária, a fim de se prepararem para uma carreira profissional. Anton
repetiu dois anos, concluindo o curso em dez. Pavel se aborreceu e o mandou
aprender o ofício de alfaiate, no qual o seu único trabalho foi a confecção de
um par de calças.
Pavel
gostava de música. Aprendera por si mesmo a tocar violino, tinha uma certa
predileção pela música sacra e se considerava um ótimo regente de coral. Esse
amor à arte acarretou a Anton e a seus irmãos uma infância atormentada. Pavel
reunia a família e ensaiava até altas horas da noite, mantendo o bom nível da
cantoria a poder de repreensões e castigos corporais.
Desde
criança Anton trabalhava no armazém de seu pai, dormindo pouco e arruinando seu
frágil organismo. Durante uma viagem ao campo, em 1877, ficou gravemente
enfermo. Foi então que, pela primeira vez, desejou estudar medicina. Nessa
época ainda não pensava em literatura, embora já houvesse colaborado no jornal
da escola. Mas seu entusiasmo pelo teatro era enorme. Começou a escrever peças
e a representá-las em sua própria casa. Organizou um grupo de amadores e
encenou vários espetáculos, entre os quais O
Inspetor Geral, de Gogol (1809-1852), em que desempenhou o papel de
governador. Destacava-se sobretudo em papéis cômicos e seus biógrafos nunca
deixam de citar sua interpretação na peça O
Cocheiro, ou a Escapada do Hussardo,
de Grigoriev (1822-1864). "É inimaginável" — conta Andrei Drossi
— "o riso homérico de que eram
tomados os espectadores quando viam surgir em cena Anton Pavlovitch. Devemos
fazer-lhe justiça: ele interpretava magistralmente o papel."
Em 1876, o
velho Pavel é arruinado por uma crise financeira e abandona Taganrog,
mudando-se para Moscou. Um ano antes, os irmãos de Anton, Alexandre e Nicolau,
haviam partido para a mesma cidade, procurando fugir à tirania paterna. Anton
foi abrigado a permanecer em Taganrog para terminar seus estudos no Liceu e só
se reuniu à família três anos mais tarde. Vendo-se livre da escravidão no
armazém e dos ofícios religiosos, Anton passou a se interessar mais a fundo
pelo teatro. Alexandre colaborava em jornais humorísticos e Anton achou que se
fizesse o mesmo poderia ganhar alguns rublos.
UM HOMEM DE RESPONSABILIDADES
Anton
Tchekhov chegou a Moscou, em 1879, com dezenove anos de idade. A família já
havia mudado de casa doze vezes. Moravam numa cave sombria, num dos bairros
mais pobres de Moscou. Dormiam no chão, nem um único quarto, e não podiam
comprar lenha durante o inverno. Lutando contra todas as dificuldades, Anton
conseguiu ingressar na Universidade, com uma bolsa de estudos, para cursar
medicina. Continuou a escrever, para sustentar a família, colaborando
regularmente no semanário Fragmentos e publicando histórias humorísticas em O Despertador e O Espectador. Mas recebia pouco e irregularmente.
A 13 de
janeiro de 1880, Tchekhov lê, na seção de correspondência do jornal A Cigarra,
de São Petersburgo, a seguinte resposta: "Não está de todo mau.
Publicaremos o que nos enviar. Nossa bênção para seu trabalho futuro".
Pouco tempo depois recebe uma carta do redator chefe do jornal comunicando-lhe
que ganharia cinco copeques por linha. Em março aparecia no jornal seu conto
Carta de Stephane Vladimirovitch N., Proprietário do Don, a seu Sábio Vizinho,
o Doutor Friederick. Esse trabalho estava assinado com pseudônimo: Antocha
Tchekhonte.
Durante
meses, A Cigarra publicou seus
contos, que versavam sobre temas simples, satíricos ou sentimentais, mas
reveladores de um mundo sofrido, esmagado pela mediocridade ou pelo ridículo.
Nessa época, Tchekhov gostava de parodiar romances de Victor Hugo (1802-1885) e
sua mordacidade lhe valeu a admiração de grande número de leitores.
Em 1882,
começou a colaborar num jornal da capital (São Petersburgo), com uma coluna
intitulada "Notas Sobre a Vida de Moscou", e na revista literária Oskolki (Esquemas), por meio da qual conheceu os nomes mais importantes da
intelectualidade russa. Nesse ano iniciou também uma longa série de romances
com algumas mulheres famosas pela beleza, talento ou inteligência: a poetisa
Tatiana Tchepkima-Kupernik, a atriz Lídia larotchkaia, a bela Lika Midzinova, a
escritora Lydia Avilova. Mas as mulheres só lhe interessavam enquanto a paixão
não se extinguia. Tchekhov levaria ainda muito tempo para se ligar
definitivamente a alguém.
Em dezembro
de 1833, escreve ao seu amigo Leikine, dizendo-lhe que se sente cansado,
irritado e doente. É a primeira manifestação da tuberculose. No ano seguinte
sua saúde melhora. Formado em medicina, começa a clinicar, dedicando-se
inteiramente à profissão. Interessa-se pelos problemas sociais de seu povo e
procura contribuir da melhor maneira possível para a luta contra a desnutrição,
as doenças e a falta de recursos hospitalares que dizimam a população.
Nas horas
vagas, Tchekhov continua a escrever, encarando a literatura como um expediente
passageiro. Tão logo conseguisse uma boa clientela, deixaria de escrever para
se dedicar apenas à medicina, sua verdadeira vocação. Mas isso jamais
aconteceria, pois à medida que seu nome se tornava conhecido, seus escritos se
valorizavam, ao passo que sua atividade como médico lhe trazia um rendimento
insignificante.
Preocupado
em resolver os problemas familiares, trabalhava sempre às pressas, sem se dar
conta de sua importância como escritor. Suas histórias passavam quase
despercebidas em Moscou, e, embora o considerassem um escritor de talento, não
viam nele nada de excepcional. Mas em São Petersburgo, sem que ele o soubesse,
já havia conquistado um público fiel e numeroso.
A publicação
de um pequeno volume, Contos de Melpomene,
pelo próprio autor, não lhe trouxe quaisquer resultados financeiros. Tchekhov
continuou a produzir freneticamente e permitiu até que um de seus contos — Um Drama na Caça — fosse retalhado em
folhetins. De 1880 a 1884, havia produzido cerca de trezentos textos, alguns
deles com a extensão de pequenos romances. Essa situação perdurou até 1886,
quando recebeu uma carta de Grigorovitch, um dos mais venerados escritores da
Rússia, que o faria assumir definitivamente sua condição de escritor. "Os
atributos variados de seu indiscutível talento" — afirmava Grigorovitch —,
"a verdade de suas análises psicológicas, a mestria de suas descrições
(...) deram-me a convicção de que está destinado a criar obras admiráveis e
verdadeiramente artísticas, E o senhor se tornará culpado de um grande pecado
moral, se não corresponder a essas esperanças. O que lhe falta é estima por
esse talento, tão raramente conhecido por um ser humano. Pare de escrever
depressa demais..."
Tchekhov
parece descobrir, a partir desse momento, a extensão de seu próprio valor.
"Quem diria" — escreve ele ao irmão Micha — "que tal gênio
emergiria de um talento ignorado?" Torna-se mais rigoroso consigo mesmo e
começa a teorizar sobre literatura, considerando algumas regras a seu ver
essenciais: não dar ênfase a problemas políticos, econômicos ou sociais; ser
sempre que possível objetivo e verdadeiro; ser breve, original, sincero e,
acima de tudo, evitar a banalidade.
Seu gosto
pelo realismo lhe custou críticas severas, que o acusavam de "mau
gosto" e de utilizar "detalhes sujos e grosseiros". Ao que ele
respondeu: "Pensar que a literatura tem como finalidade descobrir as
pérolas e mostrá-las livres de qualquer impureza equivale a rejeitar a
literatura. Esta só pode ser classificada de arte quando pinta a vida como ele
é".
A PAIXÃO
PELO TEATRO
Revoltado
com a remuneração mesquinha que recebe de vários jornais, Tchekhov decide
escrever novamente para o teatro. Alguns anos antes, a pedido de uma atriz,
escrevera um drama sem título, ao qual mais tarde denominaria Aquele Louco do Platonov ou Os Amores de
Platonov. Mas a atriz o rejeitou e o drama foi esquecido. Em 1887 fizera
outra tentativa frustrada, adaptando para o teatro sua novela Kalkas, que
retrata a situação do ator e do teatro russos. A peça, de um ato, recebeu o
título de Canto do Cisne.
Esses
pequenos fracassos irritaram Tchekhov e ele parecia decidido a abandonar
definitivamente o teatro. Em 1887 declarou numa carta a sua amiga Maria
Kisselieva: "Fui duas vezes ao teatro de Korch e nessas duas vezes Korch
tentou persuadir-me a escrever uma peça para ele. Respondi-lhe: com prazer. Mas
não escreverei nenhuma peça, está claro. Nada tenho a ver com os teatros e com
o público. Que vão para o diabo". Três semanas depois, entretanto,
comunicava ao romancista N. M. Yejov que acabara de escrever sua peça Ivanov. Parecia estar seguro de que
dessa vez conseguira realizar um bom trabalho.
Encenada
ainda em 1887 no Teatro Korch, em Moscou, e no Alexandrinskij, em São
Petersburgo, em 1880, Ivanov foi um fracasso. Um crítico classificou a peça de
"cínica, amoral e repugnante". Mas Tchekhov estava seguro de que
havia em seus textos teatrais algo de novo, capaz de revigorar o teatro russo.
Embora a encenação de O Canto do Cisne,
pelo Teatro Korch, em 1888, não lhe tivesse dado nenhum lucro, Tchekhov
escreveu O Urso, apresentada naquele ano pelo mesmo grupo teatral.
Sem
interromper seu trabalho como médico e suas colaborações para os jornais,
Tchekhov escreve mais duas peças em 1888: Pedido
de Casamento e O Demônio dos Bosques.
Mas nenhuma delas conhece o sucesso. Como os textos anteriores, destinavam-se a
repertórios de elencos provincianos e obscuros e eram encenadas com a plateia
às moscas. Algumas delas nem mesmo chegavam à cena, porque o Comité de Leitura
dos Teatros Imperiais da Rússia lhes recusava a classificação de dramas, considerando-as
meras "narrações dramáticas", repletas de "detalhes
inúteis".
Cansado e
doente, Tchekhov escreve a um amigo, negando seu amor pelo teatro: "O
teatro contemporâneo é uma erupção, uma doença feia das cidades. Devemos curar
as doenças, mas amá-las não é sadio. O senhor me repetirá a velha frase: o
teatro é uma escola, educa. Mas vou lhe dizer o que penso a esse respeito: o
teatro, neste momento, não está acima da multidão pelo contrário, a vida da multidão é mais
elevada e mais inteligente que o teatro. Em suma: o teatro não é uma escola,
mas qualquer coisa de muito diferente".
Apesar de se
sentir enfraquecido pela tuberculose, que se agravara nos últimos anos,
Tchekhov resolveu empreender uma insólita viagem à ilha de Sakalina, a 10.000 quilômetros
de Moscou, ao norte do Japão. Ali, esquecidos da sociedade, viviam centenas de
prisioneiros, na mais absoluta miséria e degradação. Naquela época a Estrada de
Ferro Transiberiana ainda não existia e a viagem teria de ser realizada
inicialmente de trem e depois em barcos e carruagens.
Após
assegurar a sobrevivência da família, graças ao rendimento de seu último livro
— Contos Matizados — e de alguns
artigos, Tchekhov iniciou a longa viagem, a 21 de abril de 1890. Para alguém em
suas condições físicas, essa aventura foi algo inacreditável. Tchekhov
sentia-se preso numa gaiola, como um pássaro. Seus pés, agasalhados por botas
de má qualidade, ficavam gelados; ele sentia dores de cabeça e vertia sangue
pela boca. Mas alguma coisa dentro dele o impedia de voltar atrás. Sentia-se
cada vez mais comprometido com o destino daquela gente que ia encontrando pelo
caminho: russos emigrados, tártaros, ucranianos, poloneses, judeus deportados,
vagabundos de estrada. Condoía-se particularmente com o destino dos prisioneiros,
que marchavam centenas de quilômetros, arrastando pesadas correntes, sob o
olhar de soldados "quase tão fatigados quanto eles".
Apesar das
dificuldades e do sofrimento físico, Tchekhov chega a Sakalina sem maiores
problemas de saúde. "Que Deus conceda a todos" — escreve ele a sua
mãe — "fazer uma viagem tão feliz como a que estou realizando. Não adoeci
uma única vez, nada perdi, da imensa bagagem que trouxe..."
É bem
recebido pelo governador e fica hospedado na casa do médico da cidade. Sem
perder tempo, entrega-se a um trabalho exaustivo. Consegue imprimir um
questionário na gráfica da prisão e com ele inicia um- verdadeiro recenseamento,
entrevistando os forçados, falando com os colonos, copiando trechos de inúmeros
documentos administrativos. Preenche quase 10.000 questionários, atormentado
por dores de cabeça e perturbações visuais. O resultado desse trabalho foi a
publicação do livro A Ilha de Sakalina,
em 1895.
Em 1891,
comprou uma propriedade — a Milikhovo —, no campo, próximo a Moscou. Ali,
escreveria suas obras mais significativas. Ajudou a combater a epidemia de
cólera que vitimou a população da cidade e, por sua experiência como médico e
intelectual, firmou uma independência de pensamento que o isolou de todas as
correntes políticas e filosóficas da época. Nessa fase, Tchekhov renegou os
pontos de vista de Tolstói (1828-1910), seu amigo e admirador.
A política
da não-violência, a volta à natureza e aos princípios de fraternidade e
ascetismo do cristianismo primitivo, aquela espécie de socialismo utópico
advogado por Tolstói, deixaram de entusiasmá-lo. Individualista, Tchekhov
também não pendia para nenhum sistema político cuja ação pudesse ferir aquilo
que ele chamava de verdade e dignidade.
ENCONTRO COM
STANISLAVSKI
A 17 de
outubro de 1896, vai à cena, no Teatro Alexandre, de São Petersburgo, A Gaivota. Apesar do elenco ser composto
por grandes atores, a peça fracassa. Tchekhov, desgostoso e muito doente,
resolve passar alguns meses em lalta. Em 1898, escreve a seu amigo Máximo Górki
(1868-1936): "De um modo geral, sinto uma certa frieza em relação às
minhas peças; há muito que nada me prende ao teatro e não tenho vontade de
tornar a escrever para ele". Alguns meses depois, muda de opinião.
Constantin Stanislavski (1863-1938) e Vladimir Nemirovitch-Dantchenko
(1858-1943) aproximam-se dele e convencem-no a permitir que façam uma nova
montagem de A Gaivota.
O ator
Stanislavski e o autor Dantchenko haviam fundado o Teatro Artístico de Moscou,
em 1897, depois de uma conversa de dezessete horas, num restaurante de Moscou.
Esse encontro visava à criação de um novo teatro, no qual Stanislavski deveria
entrar com seu grupo de atores amadores e Dantchenko com seus alunos. A esse
núcleo inicial deveriam juntar-se atores profissionais de Moscou, de São
Petersburgo e das províncias.
A Gaivota foi a quarta peça montada pelo
grupo e marcou o verdadeiro alvorecer do Teatro Artístico de Moscou.
"Tchekhov" — declarou Stanislavski — "trouxe à arte do teatro
aquela verdade profunda que serviu de fundamento ao que mais tarde veio a se
chamar o método Stanislavski."
A obra de
Tchekhov tinha todos os elementos para uma nova concepção de teatro: exigia um
conjunto homogêneo, no qual todos os papéis, sem exceção, deveriam merecer a
mesma dedicação atenta (Stanislavski afirmava que não havia pequenos papéis,
mas só pequenos atores); o ator devia criar uma personagem da maneira mais
verdadeira possível, a ponto de poder captar o que Stanislavski chamou de
"subtexto" — as linhas interiores do papel, aquilo que não está sendo
dito, mas sentido, e que é a vida fluindo ininterruptamente sob o texto.
Na primeira
apresentação de A Gaivota, em 1896, o
público ficaria entre a indiferença e o escárnio. Dois anos depois, quando o
mesmo universo estreito e mesquinho, no qual "nada acontece", foi
levado à cena pelo Teatro Artístico de Moscou, a peça obteve um sucesso
estrondoso. Logo a seguir seriam montadas Tio
Vânia (1899), As Três Irmãs
(1901) e, em 1904, o último drama do autor, O
Jardim das Cerejeiras.
Nada
acontece nesses dramas. Cada personagem é envolvido e isolado por uma zona de
silêncio. O verdadeiro drama é a inação. Os diálogos tradicionais cedem lugar a
monólogos paralelos, em que cada um deixa entrever, de quando em quando, suas
mágoas ou desejos mais profundos.
"Ninguém
compreendeu tão lúcida e finamente como Anton Tchekhov" — diz Górki —
"a tragédia das trivialidades da vida; ninguém antes dele mostrou aos
homens, com tão impiedosa verdade, o retrato terrível e vergonhoso de suas
vidas, no turvo caos da existência cotidiana da burguesia."
A partir da
encenação de A Gaivota, o Teatro
Artístico de Moscou adotou como símbolo uma gaivota. Para Tchekhov, a gaivota
era uma ave ansiosa por percorrer espaços infinitos, condenada à morte pela
cegueira de um caçador que por ali passava casualmente e a viu pronta a alçar
voo.
Durante os
ensaios, Tchekhov sentiu-se atraído por Olga Leordovna Knipper, que
interpretava o papel de Arkadina. Olga, que também havia notado sua presença,
escreve: "Era uma alegria saber que uma alma (amada de todos nós) estava
sentada naquela sala escura e despojada — e nos escutava".
Em 1899,
Tchekhov vende os direitos de sua obra ao editor A. F. Marx, com exceção da
obra teatral, por 65 000 rublos. Torna a se encontrar com Olga Knipper mas é
obrigado a viajar para lalta, alguns meses mais tarde, depois de uma recaída.
No início do
ano, Tchekhov assistira à estreia de Tio Vânia, encenada com sucesso pelo
Teatro Artístico de Moscou. Nessa peça, como em toda a série de dramas que se
inicia com A Gaivota, ele registra os acontecimentos da vida numa sucessão de
quadros, sem se ater à construção dramática tradicional — uma ação com um certo
desenvolvimento, clímax e desenlace. Ele não força os acontecimentos nem o diálogo,
não confere uma unidade dramática, não estabelece um conflito declarado. O
texto se assemelha a um mosaico de impressões.
Em 1900,
sentindo agravar-se a tuberculose, Tchekhov parte à procura do sol do
Mediterrâneo, permanecendo em Nice vários meses. Acompanha o caso Dreyfus e
toma posição ao lado de Émile Zola contra a condenação de um homem inocente.
Viaja pela Europa: Viena, Pisa, Roma. Em 1901, retorna à Rússia. Sua saúde está
cada vez mais frágil. Abandona a Academia de Ciências, solidarizando-se com seu
amigo Máximo Górki, expulso daquela entidade e acusado de subversão. Suas
relações com o grupo do Teatro Artístico de Moscou tornam-se mais estreitas e
Tchekhov finalmente se casa com Olga Knipper.
Em 1904, vai
à cena sua última peça, O Jardim das Cerejeiras.
O fio narrativo, como sempre, é de pouca importância: um cerejal, pertencente a
uma família de aristocratas em decadência, está prestes a ser vendido. As
personagens fazem tudo para salvá-lo e cada uma delas vê naquele pomar um valor
sentimental, cultural ou social. O cerejal acaba sendo vendido num leilão a
Lopahin, filho de antigos servos da família, que havia se tornado um próspero
burguês.
A peça é um
painel social da Rússia pré-revolucionária e do processo de transformação por
ela sofrido a partir de 1900. Tchekhov preza algumas das qualidades da velha
aristocracia: a delicadeza, a sensibilidade, o culto às tradições, tomado não
como um maneirismo de classe e sim como a cristalização do que se considera uma
conquista do espírito. Ao mesmo tempo, porém, Tchekhov tem a suficiente lucidez
para sentir a transformação que está se operando na maneira de viver daquela
classe.
Na primavera
de 1904, muito doente, Tchekhov parte para a Europa ocidental. Vai com Olga
para Badenweiler, na Floresta Negra, onde vem a falecer em 15 de julho daquele
mesmo ano.
UM MUNDO DE
CRIATURAS EXAUSTAS
O enredo de As Três Irmãs é bem simples: três irmãs
— Olga, Irina e Macha — desejam voltar a Moscou, onde haviam passado uma
infância feliz; mas esse projeto acaba se frustrando sob o peso da inércia e da
existência provinciana em que vivem.
As três
jovens e seu irmão, a cunhada, os oficiais de uma unidade militar vizinha que
frequentam a casa, todos passam o tempo de maneira fútil, conversando sobre uma
série de banalidades. Mas a força do diálogo decorre precisamente dessa aparente
superficialidade, sustentada pelo subtexto, aquilo que as palavras escondem ou
mascaram,
Olga, Macha
e Irina vivem há onze anos na província, em companhia do irmão, Andrei, que
aspira a uma cátedra na Universidade de Moscou. Olga, a mais velha, professora,
vê que as possibilidades de se casar diminuem a cada dia que passa; Macha,
esposa de um ex-professor, percebe que o homem por quem se apaixonara é, na
verdade, um medíocre; Irina, a mais nova, ainda tem alguma esperança no futuro.
A cidade onde moram, no entanto, não lhes oferece "vida" suficiente
para que desenvolvam sua inteligência e sensibilidade. Por essa razão passam a
idealizar Moscou como a única possibilidade de salvação.
O marasmo da
vida provinciana é abalado pela chegada de um novo comandante militar,
Verchinin, e seu destacamento. As irmãs entram em contato com alguns oficiais.
Dois deles, o barão Tusenbach e Solioni, fazem a corte a Irina. Mas é Verchinin
quem atrai a atenção das três irmãs. Ele vem de Moscou, onde as conheceu quando
meninas.
Macha
sente-se muito inclinada por Verchinin mas, como ela, ele também é casado, e
sua mulher é histérica e sujeita a crises de loucura. Enquanto as irmãs
divagam, Natália, a noiva de Andrei, vai tomando para si o domínio da casa. Com
o casamento, o promissor Andrei se reduz a um simples funcionário de província.
E, aos poucos, as irmãs se dão conta da inevitabilidade daquele destino a que
todos parecem estar condenados.
O destacamento militar se retira da cidade, levando com ele a centelha de vida que se acende em Macha. Condenada a um trabalho que detesta, Irina vê cair por terra a possibilidade de se casar com o barão Tusenbach, morto num duelo por Solioni. Olga perde as esperanças de voltar a Moscou e aceita o cargo de diretora de escola. As três irmãs se abraçam e se lamentam, enquanto Macha encontra forças para animá-las, dizendo: "É preciso viver".
O mundo de As Três Irmãs é um mundo decadente, de
criaturas exaustas, que um dia viveram de maneira bela e nobre, mas que no
presente não encontram razão para a existência. Tusenbach sabe que algo
indefinido está se aproximando e que acabará com aquele mundo: "Prepara-se
uma formidável tempestade, que avança sobre nós, que já está próxima, que em
breve soprará sobre nossa sociedade, para varrer dela a preguiça, a
indiferença, a podridão do tédio, os preconceitos contra o trabalho".
No começo do
século já se podia adivinhar que a Rússia talvez passasse por uma
transformação. Tchekhov fez apenas uma constatação, sem se entrincheirar atrás
de uma ideologia. Não teve a preocupação de fazer um teatro de tese ou
político. Alguns críticos procuraram encaixá-lo numa linha marxista; outros
apontaram-no como um mantenedor das tradições do "velho regime". Na
verdade, Tchekhov extraiu suas personagens da classe média de província porque
a conhecia melhor e estava, de certa forma, preocupado com a absoluta inação
dessa classe. O teatro de Tchekhov, como sua literatura, tem um clima
crepuscular, animado por uma luz pálida e triste, capaz no entanto de definir
contornos, revelando circunstâncias mesquinhas e pequenos detalhes que
constituem o seu mundo.
Depois do
grande sucesso alcançado pela encenação do Teatro Artístico de Moscou em 1901, As Três Irmãs ganhou os palcos do mundo
e conseguiu grande número de representações.
As mais
famosas foram a inglesa, de 1935, apresentada pelo Old Vic Theater, com John
Gielgud e Michael Redgrave; e a norte-americana, de 1942, com Katharine
Cornell, Judith Anderson, Gertrude Musgrove, e direção de Guthrie McClintic. No
Brasil, em 1972, com direção de José Celso Martinez Corrêa, a peça teve como
intérpretes principais Maria Fernanda, Kate Hansen, Analu Prestes e Renato
Borghi. Em 1973, Sir Laurence Olivier dirigiu uma adaptação para o cinema,
interpretando ele próprio o papel de Tchebutykin.
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Fonte:
As Três Irmãs - Contos, por: Anton Tchekhov. Tradução: Maria Jacintha e Bóris Schnaiderman. Editor Victor Civita. São Paulo, 1982, págs. 7-24.
Fonte:
As Três Irmãs - Contos, por: Anton Tchekhov. Tradução: Maria Jacintha e Bóris Schnaiderman. Editor Victor Civita. São Paulo, 1982, págs. 7-24.
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