José de Alencar
Por: M.
Cavalcanti Proença
José
Gonçalves dos Santos, português, e Bárbara de Alencar, raça de gente
pernambucana, são os avós de José de Alencar. A família reside em Barbalha,
sopé da serra do Araripe, no Ceará.
No ano de
1794, nasce José Martiniano de Alencar que, desde moço, revelaria pendores,
políticos e revolucionários, atingindo os postos de presidente da província e
senador do Império.
Em 1829,
primeiro de maio, nasce o romancista, em Mecejana. A certidão de idade registra
primeiro de março; mais tarde, ao matricular-se na Faculdade de Direito de São
Paulo, ele se dará como nascido a 28 de março. Mas a família comemorava a data
certa: primeiro de maio.
Em 1837, o
pai, que assumira a presidência do Ceará, deixa o governo e volta ao Rio de
Janeiro. A viagem se faz pelo interior, de Fortaleza até o rio S. Francisco e
daí até Salvador. O conhecimento do sertão deixará marcas inapagáveis na
memória do menino José e será uma evocação permanente na obra do romancista J.
de Alencar.
Com onze
anos, está matriculado no Colégio de Instrução Elementar, que ficava na rua
do Lavradio; mora nas vizinhanças, na Rua do Conde. É aluno estudioso e que
sabe ler muito bem; também em casa, é o leitor dos serões, em que a mãe, a tia
e algumas pessoas mais se reúnem para ouvir romances de amor contrariado,
histórias de esposas caluniadas que, no capítulo final, são, afinal,
desagravadas, enquanto os carrascos e os maus recebem o castigo pelo falso
levantado. Na mesma casa, entretanto, se planeja a revolução de 1842; frustrada
a conspiração, dela partem e a ela aportam pessoas estranhas, de sussurrantes
vozes e pesados silêncios; os derrotados, procurando escapar às perseguições.
Mas o tempo é de criança não se meter em conversas de mais velho, quanto mais
em planos revolucionários! O que ninguém podia proibir ao menino era adivinhar
e pressentir, e perceber; silencioso, sofrido, tenso, apreende fatos,
interpreta notícias. E vem, talvez, dessa conjura fracassada o seu plano de
escrever uma história dos movimentos rebeldes no nordeste.
Em 1846 está
em São Paulo, na Faculdade do Largo de São Francisco, à sombra daquelas arcadas
onde se pode dizer que nasceu grande parte da literatura romântica do Brasil.
Continua estudando sério, pegado aos livros, pouco dado às loucuras boêmias que
constituíam a legenda dos acadêmicos de então. Sob esse aspecto, é apagada sua
passagem por S. Paulo; importantíssima, entretanto, para sua formação
intelectual, pois são daquela época os seus estudos de francês, a leitura de
Balzac, Victor Hugo e Chateaubriand, a aquisição do artesanato literário,
traço que o singulariza entre os nossos românticos.
Mas, em
1848, tem de transferir-se para a Faculdade de Direito de Olinda. Lá, a
paisagem evocativa de um passado heroico e as bibliotecas das comunidades
religiosas lhe
abrem ao
espírito as largas perspectivas do romance hirto-rico; Alma de Lázaro e Guerra dos
Mascates estão diretamente ligados a essa permanência em Pernambuco; podem
situar-se na mesma linha O Ermitão da Glória
e O Garatuja, embora tenham como
cenário o Rio de Janeiro.
Aproveitando
a proximidade, vai ao Ceará; o reencontro da paisagem natal reaviva-lhe o
encantamento pelos índios, a admiração pelo conhecimento que possuíam da terra,
íntimos das plantas e dos animais silvestres, quase miraculoso para o
entusiasmo do jovem estudante. Dezessete anos.
Mais tarde
contará que nessa ocasião se delineiam os primeiros sinais de O Guarani, e também de Iracema, embora a distância de oito anos
que haveria entre um e outro.
De volta a
São Paulo, recebe o diploma de bacharel em Direito, em 1850; pouco depois se
instala no Rio, trabalhando no escritório do Dr. Alberto Soares.
Fato muito
curioso em J. de Alencar, é aquela reiterada confissão de que procurava na
literatura "diversão à tristeza que (lhe) infundia o estado da
Pátria". (Iracema, 1865.) Frase
cujo sentido se completa nesta outra em que mal se revela uma alusão ao seu
caso pessoal: "Quando as letras, entre nós, forem uma profissão, talentos
que hoje aí buscam apenas passatempo ao espírito, convergirão para tão nobre
esfera suas poderosas faculdades." Note-se, a propósito, a abundância de
sua produção no campo da jurisprudência e da política, da crítica literária e
da filosofia (cerca de 42 trabalhos), e compare-se com .o volume da obra de
ficção que não chegou a vinte romances.
No entanto,
do ponto de vista nacional, é ele o nosso mais importante escritor, de vez que
em vinte anos de ofício literário, levantou em seus romances um retraio do
Brasil. Sincronicamente regional, descrevendo o Ceará, em O Sertanejo; o Estado do Rio, em Til e O Tronco do Ipé; a capital
do Império, em A Viuvinha, Cinco Minutos,
Senhora, A Pata da Gazela; a zona
rural carioca em Diva, a Tijuca, em Sonhos d'Ouro; O Rio Grande do Sul, em O Gaúcho. Diacronicamente histórico, romanceou os tempos coloniais
em Minas de Prata; o contacto entre os índios e os colonizadores em O Guarani e Iracema; o dia-a-dia do Rio colonial em O Garatuja; uma lenda em O
Ermitão da Glória. Guerra dos Mascates, episódio da história pernambucana,
é uma sátira com endereço a D. Pedro II.
Se, como
romancista, sua obra é deliberada e conscientemente nacional, seu sentimento de
brasilidade e de apaixonada devoção à pátria se expandiriam em outros campos,
numa atividade múltipla e intensa.
No Correio Mercantil faz polemica, de
grande repercussão, com os defensores de A
Confederação dos Tamoios, poema feito por quem não era poeta e mandado
publicar pelo Imperador; e tanto tinha razão que, hoje, o poema tem importância
apenas cronológica e só é lembrado em função da crítica de Alencar.
A política
seria escoadouro natural de um espírito assim combativo e animado de tanta
paixão cívica. Em 1861 é eleito deputado; em 68, é ministro da Justiça do
Gabinete Itaboraí. Foi assinada por ele a lei que proibia a venda de escravos
sob pregão e em exposição pública, espetáculo degradante, muito comum no
chamado Mercado do Valongo. (15.9.69).
Mas, por
esse tempo, já se tornam agudas as divergências com Pedro II, que lhe vetará a
escolha para senador do Império, embora tenha sido o mais votado na lista
tríplice. O episódio culminante é característico da personalidade de Alencar.
Ele se candidatara ao Senado, talvez desejando repetir a carreira do pai, então
já falecido, e foi comunicar o fato a Pedro H; este observa:
— "No
seu caso, eu não me apresentava agora; o senhor é muito moço:
— Por esta
razão, Vossa Majestade devia ter devolvido o ato que o declarou maior antes da
idade legal."
Não teve
cadeira no Senado. Mas teve glórias que a compensaram. Taunay nos dá notícia da
percussão de O Guarani, publicado em folhetim: "Verdadeira novidade
emocional, desconhecida nesta cidade; (...) entusiasmo particularmente
acentuado nos círculos femininos da sociedade fina e no seio da mocidade (...)
o Rio de Janeiro, em peso, lia O Guarani
e seguia comovido e enlevado os amores de Ceei e Peri (...) Quando a São Paulo
chegava o correio, com muitos dias de intervalo, então, reuniam-se muitos
estudantes, numa república em que houvesse qualquer feliz assinante do Diário do Rio de Janeiro, para ouvir,
absortos e sacudidos por elétrico frêmito, a leitura feita em voz alta, por
algum deles que tivesse órgão mais forte. E o jornal era depois disputado com
impaciência e pelas ruas se viam agrupamentos em torno dos fumegantes lampiões
da iluminação pública de outrora — ainda ouvintes pára cercarem, ávidos,
qualquer improvisado leitor."
A glória não
veio sem o sofrimento provocado pela inveja e pela incompreensão dos incapazes
e dos retrógrados. Atacado, negado, vilipendiado, na vida literária e na
política, só no lar, bem constituído, encontrava tranquilidade e compreensão.
Torna-se amargo. Sente-se velho aos quarenta anos, e adota o pseudônimo de
Sênio. A saúde não é boa. Vai à Europa, e a viagem é um parêntese vazio na sua
vida; tem encontros desagradáveis em Portugal; acolhimento amável em Paris;
Londres é um desconsolo total.
Dezembro de
1877, morre chorando, abraçado à esposa, preocupado com a pobreza em que vai
deixar os seus.
Joaquim
Serra, amigo certo, colhe o depoimento dos contemporâneos. O de Machado de
Assis é lapidar:
"Jamais
me esqueceu, a impressão que recebi quando dei com o cadáver de Alencar, no
alto da eça, prestes a ser transferido para o cemitério. O homem estava ligado
aos anos das minhas estreias. Tinha-lhe afeto, conhecia-o desde o tempo em que
ele ria, não me podia acostumar à ideia de que a trivialidade da morte houvesse
desfeito esse artista, fadado para distribuir a vida."
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Fonte:
Ubirajara, por: José de Alencar. Biografia de: M. Cavalcanti Proença. Ediouro, 1966, págs. 1-6.
Fonte:
Ubirajara, por: José de Alencar. Biografia de: M. Cavalcanti Proença. Ediouro, 1966, págs. 1-6.
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