sexta-feira, 1 de julho de 2016

Tensão entre o Galuth e o Regresso

Tensão entre o Galuth e o Regresso
Depois da destruição do Primeiro Templo, Jeremias convenceu-se de que o Exílio não terminaria imediatamente. Aconselhou o povo judaico, pois, a que se habituasse à condição de que duraria algumas gerações e a que se dedicasse à vida civil da Babilônia. Seis séculos mais tarde, depois da destruição do Segundo Templo, a Babilônia depressa se tornou num maior centro de população judaica e de cultura judaica do que a Palestina. Existem ecos, por conseguinte, nos escritos rabínicos da noção de que a Babilônia é um local tão bom para o judeu viver quanto a Palestina. Os rabis medievais silenciaram a sua consciência ao não cumprirem o mandamento de ir para a Terra Santa, salientando a dificuldade da viagem e o fato de que as leis do tributo e outras obrigações semelhantes que se aplicavam à Terra Santa já não podiam ser obedecidas.
Assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, ,a todos os exilados, que Eu deportei de Jerusalém para a Babilônia: Edificai casas, e habitai nelas; plantai pomares, e comei o seu fruto. Tomai esposas e gerai filhos e filhas, tomai esposas para vossos filhos e dai vossas filhas a maridos, para que tenham filhos e filhas; multiplicai-vos aí, e não vos diminuais. Procurai a paz da cidade, para onde vos desterrei, e orai por ela ao Senhor; porque na sua paz tereis paz. Porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Não vos enganem os vossos profetas que estão no meio de vós, nem os vossos adivinhos, nem deis ouvidos aos vossos sonhadores que sempre sonham segundo o vosso desejo, porque falsamente vos profetizam eles em Meu 'nome; Eu não os enviei, diz o Senhor. Assim, diz o Senhor: Logo que se cumprirem para Babilônia setenta anos atentarei para vós e cumprirei para convosco a Minha boa palavra, tornando a trazer-vos para este lugar. Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor: pensamentos de paz, e não de mal, para vos dar o firn que desejais. Então Me invocareis, passareis a orar a Mim e Eu vos ouvirei. Buscar-me-eis e Me achareis, quando Me buscardes de todo o vosso coração, diz o Senhor, e farei mudar a vossa sorte; congregar-vos-ei de todas as nações, e de todos os lugares para onde vos lancei, diz o Senhor, e tornarei a trazer-vos ao lugar donde vos mandei para o exílio.
Todo aquele que viver na Babilônia é considerado como se vivesse na Terra de Israel.
O Rabi Berokia e o Rabi Eliezer conversavam certa vez, passeando em frente de uma grade fora de Tiberíade, quando viram um caixão ser trazido para Israel de fora da Terra. O Rabi Berokia disse: — Para que serve isso? Esse homem viveu e morreu fora de Israel, e agora regressou para ser aqui enterrado! Vou-lhe citar as Escrituras: na tua vida "da Minha herança fizestes abominação" (Jer. II, 7) e na tua morte "a Minha Terra contaminastes" (ibid). O Rabi Eliezer disse-lhe, então: — Como vai ser enterrado na Terra de Israel, o Senhor, louvado seja Ele, perdoar-lhe-á, conforme está escrito: "Assim consolará o Seu povo e a Sua terra" (Deut. XXXII, 43).
Esta lei (salientando a importância de viver na Terra de Israel) já não está em vigor devido aos riscos inerentes a uma viagem para a Terra de Israel. Rabbenu Hayyim mantém que viver na Terra de Israel já não é uma obrigação religiosa devido à dificuldade e à impossibilidade de cumprir muitos dos preceitos respeitantes ao solo.
Mordecai Kaplan apresenta aqui uma opinião contemporânea muito divulgada. Argumenta que os judeus que vivem em terras de liberdade já não estão no Exílio, embora mantenha que o Estado de Israel tem uma grande importância para a atual revivência da cultura e dos valores espirituais judaicos.
Para ele, Israel é uma necessidade social, política e cultural para a sobrevivência criadora da sua muito terra-a-terra versão do judaísmo. O mistério da eleição divina de um povo e de uma terra para ele são elementos ausentes no seu pensamento. Paz, liberdade e sobrevivência judaica são o seu Messias, não o Messias da versão tradicional, que aparecerá no mundo como a culminação dramática da história humana.
Os judeus em Dispersão continuarão a dever obediência política exclusiva às nações onde residem. Os elos que juntam os judeus dispersos a Eretz Israel são culturais e religiosos. A cultura e a vida socioeconômica estão tão estreitamente relacionadas que é difícil para os judeus dispersos criarem novos valores culturais judaicos, visto que não há possibilidade de o fazer na Dispersão de uma vida autônoma judaica, tanto social como econômica.
O judaísmo americano é necessário e continuará sendo necessário ainda por muito tempo como uma força para inspirar e motivar a nossa participação no estabelecimento de uma comunidade judaica...
...Temos uma parte na vida social, econômica e cultural da América, e, a não ser que demos ao bem-estar comum do povo americano o melhor que nos ó possível dar, não estaremos cumprindo todo o nosso dever para com o nosso país. Mas, como judeus, o melhor que temos para dar, encontra-se no judaísmo, a destilação de séculos de experiência espiritual judaica. Como judeus convictos e americanos leais, deveríamos procurar incorporar na vida americana os valores universais do judaísmo, empregando a santidade tão especial da religião judaica como uma inspiração para preservar esses valores universais. Não o fazer significaria roubar ao judaísmo o significado universal e converter a religião judaica num mero tribalismo sem relevância para a vida além dos interesses isolados do grupo judaico. A atitude dos judeus isolacionistas ou dos que negam a Dispersão, que faria com que os judeus americanos estivessem perpetuamente prontos para uma partida precipitada para Eretz Israel, não poderá nunca inspirar aos nossos próximos grande confiança no judeu, ou respeito ao judaísmo.
Aqueles entre os nossos jovens que possuem as habilidades e talentos que são agora necessários em Eretz Israel, para lá construir uma economia produtiva que desenvolva a Comunidade Judaica, uma economia baseada na exploração socializada dos recursos naturais em vez da exploração dos fracos pelos fortes, devem, por certo, ser encorajados a partirem para Eretz Israel. O esforço colonizador e construtivo em Eretz Israel deveria alistar os nossos jovens que possuam a espécie de espírito pioneiro essencial ao desenvolvimento de uma nação. Os nossos jovens, tanto rapazes como moças, deveriam pensar que ir para Eretz Israel servir o seu próprio povo é tão legítimo e nobre como é, para os outros americanos, servir vários povos no Extremo Oriente numa capacidade missionária ou cultural. Mas os estudantes que planejam ir para Eretz Israel, com a esperança de se ocuparem numa profissão tradicional ou burocrática, não prestariam qualquer verdadeiro serviço e apenas privariam a vida judaica americana dos serviços que lhe pudessem prestar. Nós, os judeus americanos, precisamos desesperadamente de todas as pessoas disponíveis que tenham a habilidade de transmudar os valores culturais e religiosos da nossa tradição numa força criadora viva.
...Aqueles que desesperam da sobrevivência judaica na Dispersão, pela afirmação de que só em Eretz Israel poderá o judaísmo sobreviver, esquivam-se à tarefa urgente de tornar o judaísmo viável na América. A construção de Eretz Israel a longa distância não é menos importante do que a construção no local, mas não pode servir como substituto para viver aqui uma vida judaica. Até que os judeus compreendam que o problema judaico na Dispersão e o problema judaico em Eretz Israel são problemas iguais, um só problema, afinal, estarão fugindo à realidade e derrotando os seus próprios objetivos. Só quando assumirmos a responsabilidade de ter uma vida judaica onde quer que os judeus estejam vivendo é que poderemos triunfar em qualquer um dos nossos empreendimentos judaicos.
Não pode haver dúvida de que na Dispersão nós, os judeus, sofremos da falta do espírito de dedicação que está presente na renascença do nosso povo em Eretz Israel. Estamos sem o poder mágico que vem com a palavra, falada e criadora, judaica. Estamos longe da terra onde o espírito judaico está revivendo. Mas, com vontade, devoção e inteligência, é possível reviver e reincorporar, dentro da estrutura da civilização americana, a experiência vital e emotiva do nosso povo de Eretz Israel para que, a longo prazo, possamos conseguir à nossa maneira uma tão grande e duradoura contribuição para os valores humanos como eles estão conseguindo.


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Fonte:
Judaísmo, por: Arthur Hertzberg. Tradução: Fernando de Castro Ferro. Zahar Editores. Rio de Janeiro, 1964, págs. 129-132.

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