terça-feira, 5 de julho de 2016

As gerações românticas

As gerações românticas
Por: Valentim Facioli
Como o Romantismo durou quase meio século, foram muitos os autores que escreveram sob sua influência. Esses autores apresentam diferenças e semelhanças entre si. Por isso, com base principalmente nas diferenças, podemos agrupá-los em gerações, isto é, grupos de autores que se assemelhem e tenham vivido mais ou menos no mesmo período, e, ao mesmo tempo, se diferenciem de outros. Vamos, agora, ver quais são os aspectos principais que caracterizam as três gerações de românticos brasileiros.
Primeira Geração; Predomínio do nacionalismo e patriotismo, através da "descoberta" de aspectos característicos da paisagem local, nacional e tropical, onde se realça o típico, o exótico e a beleza natural, exuberante, em oposição à paisagem e natureza europeias. Aparecimento do indianismo, tanto na poesia lírica quanto na tentativa de produção de uma poesia épica. O índio, tomado já como lenda e mito do passado colonial ou anterior à descoberta, é encarado como elemento formador do povo brasileiro, como nas obras de Gonçalves Dias e Gonçalves de Magalhães. Forte religiosidade (oficialmente católica) que identifica as possibilidades da poesia romântica com o sentimento cristão, em oposição ao "paganismo" da poesia neoclássica ligada à tradição greco-latina. Poesia amorosa, idealizante e fortemente sentimental, marcada por certa influência da lírica portuguesa, a medieval, a camoniana, e a dos românticos (Garrett, principalmente). Quanto às formas poéticas, há renovação em relação ao passado, na linguagem literária propriamente, no uso do ritmo, da rima, na liberdade de versificação e na livre invenção da estrutura poemática, a fim de alcançar maior expressividade e adequação aos temas. Essa geração de poetas viveu o "sentimento de missão", especialmente no sentido de se identificar com o projeto de "construção" do país novo, por isso mesmo que "inventou" os principais temas nacionalistas/patrióticos. Chegou a praticar um certo antilusitanismo, mas, principalmente, pendeu para o oficialismo e conservadorismo da postura, alinhando-se com a política "estabilizadora" do início do Segundo Reinado, fixando traços passadistas e contribuindo para a consolidação da ideologia oficial do Império agrário-escravocrata, embora repisando, corno retórica apenas, o tema da liberdade, e vários dos valores e crenças a que nos referimos anteriormente. Magalhães, Gonçalves Dias e Araújo Porto Alegre são as principais figuras desta geração.
Segunda Geração: A maioria das características da geração anterior, em geral, permanece nesta (exceto o indianismo, que passa a ser o grande tema do romance de Alencar, final de 1850 e durante a década seguinte), mas há um deslocamento importante da ênfase. Quer dizer, o que fora predominante passa a ser "influência" que permanece secundariamente, e os poetas assumem agora um extremo subjetivismo, passando à imitação de outros poetas europeus (Lord Byron, inglês; Alfred Musset, francês, especialmente), centrando-se numa "temática emotiva de amor e morte, dúvida e ironia, entusiasmo e tédio". A evasão e o sonho caracterizam o egotismo dessa geração, isto é, o culto do EU, da subjetividade, através da tendência para "o devaneio, o erotismo difuso ou obsessivo, a melancolia, o tédio, o namoro com a imagem da morte, a depressão, a auto-ironia masoquista".
O byronismo aparece através da figura do homem fatal, de faces pálidas, macilentas, olhar sem piedade, marcado pela melancolia incurável, desespero e revolta, conjuntamente com a imagem do poeta genial, mas desgraçado e perseguido pela sociedade, condenado à solidão, incompreendido por todos, desafiando o horror do próprio destino. O mal do século, uma doença indefinível, entedia e faz desejar a morte como a única via de libertação. Na verdade, a imagem de uma contradição insolúvel entre o excesso de energia interior, do eu, a procura do absoluto, e os limites das condições reais dos homens e da sociedade. O mal do século expressa, para esta geração, o choque entre as aspirações e desejos excessivos da vida e dos sonhos e a impossibilidade de realização. Daí por que o tédio, a agonia, o sentimento de morte devastam a alma romântica.
Acrescente-se a esses aspectos o satanismo, isto é, o culto de Satã, o anjo que se rebelou contra Deus, como o culto do rebelde, do espírito independente, capaz de todos os gestos heroicos e de todas as maldades. Não poucas vezes o poeta romântico se identifica com Satã, como imagem de sua própria condição de poeta insatisfeito (ver nesta Antologia o poema de Bernardo Guimarães à pág. 77). Aparecem também nesta geração algumas ideias mais acentuadamente liberais, e há um aprofundamento da pesquisa lírica da linguagem literária e da estrutura dos poemas. São dessa geração: Casimira de Abreu, Laurindo Rabelo, Álvares de Azevedo, Junqueira Freire, Fagundes Varela e Bernardo Guimarães.
Terceira Geração: Os poetas desta geração guardam enormes diferenças entre si, especialmente Castro Alves e Sousândrade. for isso, esta è a geração mais heterogênea do Romantismo no Brasil. Castro Alves, escrevendo em fins da década de 60, já expressa a "crise do Brasil puramente rural" e "o lento mas firme crescimento da cultura urbana, doa ideais democráticos e, portanto, o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-servo, que poluía as fontes da vida familiar e social no Brasil Império". Por isso, os ideais abolicionistas e o culto do progresso são o fundo ideológico de sua poesia, que se faz eloquente, grandiloquente, oratória, repassada de imagens e metáforas de grandeza, de titanismo. Marcada de forte indignação, a poesia de Castro Alves faz-se liberal, renovando o tema amoroso, liberando-o das noções de pecado e culpa, cultivando um erotismo sensual, de prazer, e denunciando a escravidão; abrindo, portanto, "baterias poéticas" contra o conservadorismo e o atraso mental/moral do Império e as injustiças da ordem social. Tomando imagens à natureza, "sugere a impressão de imensidade, de infinitude: os espaços, os astros, o oceano, o 'vasto sertão', o 'vasto universo', os tufões, as procelas, os alcantis, os Andes, o Himalaia, a águia, o condor...". Enfim, influenciado par Victor Hugo (embora confessando também influências de Fagundes Varela e Gonçalves Dias), Castro Alves (e, em parte, Tobias Barreto) é poeta condoreiro, "o poeta dos escravos". Já Sousândrade, que começou como poeta próximo da Segunda Geração, torna-se uma voz destoante do nosso Romantismo, entrando na Terceira Geração apenas por cronologia. Esquecida durante meio século, sua poesia, conquanto marcada também pelo abolicionismo e republicanismo, realiza-se diferentemente dos românticos, porque repassada de grandes novidades temáticas e formais. O processo de composição poética volta-se para inesperados arranjos sonoros, pelo uso de diversas línguas integrativamente, com ousados "conjuntos verbais" que quebram mesmo a estrutura sintática da língua portuguesa. A par com isso, por ter vivido anos nos Estados Unidos, foi capaz de captar os novos modos de vida do capitalismo industrial e urbano (o "Inferno de Wall Street", do poema O guesa), fundindo-os com certas tradições míticas e culturais dos índios, especialmente os da América espanhola (os quíchuas). "Símbolo do selvagem que o branco mutilou, o canto do novo herói inverte o signo do indianismo conciliante de Magalhães e Gonçalves Dias, cantores, ao mesmo tempo, do nativo e do colonizador europeu." Como se vê, a profunda distância entre os poetas desta Terceira geração, e entre estes e os anteriores, bem demonstra já um início de fim do Romantismo e a diluição de sua estética e ideologia.

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Fonte:
Antologia de Poesia Brasileira: Romantismo. Editora Ática. São Paulo, 1985, págs. 9-12.

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