domingo, 19 de junho de 2016

O Memorial de Darwin

O Memorial de Darwin
[9 de junho de 1885]
Discurso do Presidente da Real Sociedade em nome dó Comitê Memorial, ao apresentar a estátua de Darwin à Sua Real Majestade o Príncipe do País de Gales, como representante dos Administradores Fiduciários do Museu Britânico.
VOSSA REAL MAJESTADE, já se passaram três anos do anúncio da morte do nosso famoso conterrâneo, Charles Darwin, que deu origem a uma manifestação de sentimento público, não somente nesses reinos, mas através de todo o mundo civilizado que, se eu não me engano, é sem precedente nos modestos anais da biografia científica.
As causas dessa profunda e ampla explosão de sentimento são fáceis de serem encontradas. Havíamos perdido um desses raros ministros e intérpretes da Natureza cujos nomes marcam épocas no avanço do conhecimento natural. Qualquer que seja o derradeiro veredito de posteridade a respeito dessa ou daquela opinião que o sr. Darwin enunciou, quaisquer que sejam os obscurecimentos ou antecipações de suas doutrinas possíveis de serem encontrados nos escritos de seus antecessores, o grande fato permanece que, desde a publicação e em razão da publicação de A Origem das Espécies, os conceitos fundamentais e os objetivos dos estudiosos da Natureza viva foram totalmente mudados. Daquela obra surgiu uma grande renovação, uma verdadeira instauratio magna das ciências zoológicas e botânicas.
Mas, o impulso assim proporcionado ao pensamento científico espalhou-se rapidamente além dos limites normalmente reconhecidos da Biologia. A Psicologia, a Ética, a Cosmologia, foram abaladas em suas fundações e A Origem das Espécies provou ser o ponto fixo que a doutrina geral da evolução precisava para poder mover o mundo. O "Darwinismo", de uma forma ou de outra, às vezes estranhamente destorcido e mutilado, tornou-se um tópico cotidiano do discurso dos homens, o objetivo de uma abundância tanto de vituperações quanto de elogios, muito mais do que um estudo sério.
É curioso agora lembrar, quanto os opositores, no início, predominavam na questão; mas considerando o destino costumeiro de nossas opiniões, é ainda mais curioso considerar o curto período que durou a fase da veemente oposição. Antes que passassem vinte anos, não somente a importância da obra do sr. Darwin foi totalmente reconhecida, mas o mundo havia discernido o caráter simples, franco e generoso do homem que brilhava em cada página de seus escritos.
Eu imagino que reflexos como esses passaram pelas mentes tanto de amigos afetivos quanto de antagonistas honrados, quando o sr. Darwin veio a falecer; e todos no único desejo de honrar a memória do homem que, sem medo e sem repreensão, havia conseguido vencer a luta intelectual mais difícil daqueles dias.
Foi para satisfazer esses justos e generosos impulsos que os restos mortais do nosso grande naturalista foram depositados na Abadia de Westminster; e que logo depois, uma reunião pública, presidida pelo meu lamentado antecessor, o sr. Spottiswoode, foi promovida nas salas da Real Sociedade com o propósito de considerar quais outros passos deveriam ser empreendidos para essa mesma finalidade.
Ficou resolvido promover contribuições no propósito de erigir uma estátua do sr. Darwin em uma localização apropriada e dedicar qualquer excedente ao avanço das ciências biológicas.
Imediatamente, as contribuições começaram a chegar da Áustria. Bélgica, Brasil, Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Itália, Noruega, Portugal, Rússia, Espanha, Suécia, Suíça, Estados Unidos e das Colônias Britânicas, ou seja, de todas as partes dos três reinos; e vieram de todas as classes da comunidade. Para mencionar um caso interessante, a Suécia enviou 2.296 subscrições "de todos os tipos de pessoas", conforme o distinto homem de ciência transmitiu a mensagem: "...do bispo à lavadeira e em valores de cinco libras a dois pence " (centavos de libra esterlina)".
E, dessa forma, o Comité Executivo teve condições de realizar os objetivos propostos. Um "Fundo Darwin" foi criado, o qual será mantido em confiança pela Real Sociedade e deverá ser utilizado na promoção da pesquisa biológica.
A obra da estátua foi confiada ao sr. Boehm e acredito que aqueles que tiveram a sorte de conhecer o sr. Darwin pessoalmente admirarão o poder artístico que possibilitou ao escultor apresentar uma semelhança muito característica de alguém que ele nunca vira.
Pareceu ao Comité que, em consideração à carreira do sr. Darwin e por ser uma obra de arte, nenhum local seria mais apropriado do que esse grande hall, e foi solicitada aos Administradores do Museu Britânico a permissão de erigir a estátua em sua presente posição.
A permissão foi cordialmente concedida e desejo estender os meus e os agradecimentos do Comitê aos Administradores do Museu Britânico em sua concordância em aceder aos nossos desejos.
Também peço permissão para oferecer a expressão de nossa gratidão à Vossa Real Majestade por consentir em representar, nesta cerimônia, os Fiéis Depositários do Museu Britânico. Só me resta, Vossa Majestade Real, meus Lordes e Senhores, Fiéis Depositários do Museu Britânico, em nome do Comitê Memorial de Darwin, pedir que aceitem esta estátua de Charles Darwin.
Não formulamos este pedido pelo simples propósito de perpetuar uma memória, pois desde que os homens se dediquem à conquista da verdade, o nome de Darwin não corre mais risco de esquecimento, da mesma forma que os nomes de Copérnico ou de Harvey.
Tampouco lhe pedimos para preservar a estátua em sua posição central neste hall de entrada de nosso Museu Nacional de História Natural como evidência de que as opiniões do sr. Darwin receberam vossa sanção oficial, pois a ciência não reconhece tais sanções e comete suicídio caso adote um credo.
Não! Pedimos que aprecie este Memorial como um símbolo pelo qual, à medida que as várias gerações de estudiosos da Natureza entrarem por estas portas, serão lembrados do ideal de acordo com o qual eles deverão formar suas vidas, se eles levarem em conta as melhores oportunidades oferecidas pela grande instituição sob vossa responsabilidade.


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Fonte:
Darwiniana: ‘A Origem das Espécies' em Debate, por: Thomas Henry Huxley.  Editora Madras. Tradução: Fúlvio Lubisco. São Paulo, 2006, págs. 143-145.

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