quarta-feira, 29 de junho de 2016

O livro como objeto de luxo - O negócio de livros

O livro como objeto de luxo. O negócio de livros
Vimos que os primeiros livros impressos tentavam imitar as ilustrações dos manuscritos  —  iniciais,  margens,  cólofons  — com desenhos finais chamados remates ou cul de lampe. A utilização de gravuras de madeira — xilogravuras — permitia decorar os textos, que ate podiam ser coloridos manualmente.  No  entanto,  já  por meios mecânicos, o alemão E. Radolt. colaborador de Aldo Manuzio, criava em Veneza Impressões policromas. que permitiam ótimas edições ilustradas das obras de Dante e Boccacio. Jean Dupre, em França, conseguia imitar, com técnicas de impressão parecidas,  as  riquíssimas  ilustrações  dos missais ou livros de horas, decorados pelos mini turistas dos  manuscritos.  Quanto  às edições  espanholas,  recordaremos  que  a edição  da Bíblia Poliglota  apresenta  em cada volume paginas impressas em negro e em  vermelho,  com  o  brasão  do  cardeal Cisneros desenhado primorosamente. Para finalizar, devemos assinalar que a técnica da gravura xilográfica se enriquece posteriormente com o aparecimento da gravura a aço, de traço muito mais fino e matizado. Se juntarmos os dados que anotamos em relação com o enriquecimento das encadernações, chegaremos à conclusão que o livro, que já não é propriedade da Igreja, nos scriptorios monacais, se vai transformando progressivamente num objeto colacionável para o escolar humanista, e para o homem laico que deseja (e já pode fazê-lo) possuir uma biblioteca privada para seu uso e prazer pessoais. Devemos recordar aqui que, por exemplo, Boccacio e Petrarca juntaram nas suas bibliotecas preciosos manuscritos gregos e latinos.
Isto leva-nos a assinalar o valor da biblioteca como sinal do poder e até, da ostentação de determinadas pessoas. Com esta apetência bibliográfica encontramos a figura do marquês de Santillana, cuja biblioteca (estudada por Mário Schiff) permite conhecer seu interesse por toda a literatura antiga e moderna.
O livro começa a ser um objeto de luxo. As encadernações, já mencionadas no capitulo anterior (em couro: marroquim, cordoban, carneiro) tornam-se cada vez mais ricas através do gofrado (enfeites em relevo obtidos com ferros quentes). Mais tarde gravaram-se placas de metal do tamanho da capa, no intuito de realizar a operação ia referida de uma vez só. Esta técnica aproveitava motivos ornamentais clássicos — greco-romanos — e, também, a partir do século XV, temas geométricos de origem islâmica (arabescos), ou de nítida influência persa, de rico colorido dourado (chamado ser-i-lauh), técnica que utilizava pôs ou placas de ouro. Outro instrumento para decorar as encadernações era a roda, que corria ao longo das capas para decorar margens. Os nervos, que assinalavam a ligadura dos cadernos do livro, se convertem em elementos decorativos da lombada.
Finalmente, os ingleses iniciaram o tipo de encadernação bordada, a que se seguiu, na França do século XVIII, a imitação das rendas (fers à Ia dentelle).
Existiam já encadernações editoriais privativas de um determinado editor (são famosas as de Aldo Manuzio, Griunta, Canevari, Grolier) que assinava as suas obras Grolier et amicorum — Jacob Krause).
Aparece de novo — como na época romana — o colecionador ou amigo dos livros — bibliófilo — que tem prazer em assinalar, com algum enfeite especial, os exemplares da sua coleção particular. Começam-se a valorizar as primeiras edições (edições Princeps).
A ilustração interior do livro tem neste período, um desenvolvimento notável. À gravação em madeira sucede-se a água forte, que consiste em desenhar, com um estilete, sobre uma placa de cobre envernizada e encher as incisões com ácido nítrico. Ao ser coberto de tinta, podem-se obter reproduções em papel, com traços muito mais finos e matizados que os da gravação em madeira. Os nomes de Holbein e Durero aparecem ligados a este processo, a que deu novos coloridos o famoso astrônomo dinamarquês Tycho Brahe. que marca o auge do novo estilo. A partir deste período, as páginas dos livros enchem-se de frontispícios, de orlas nas capas, e de verdadeiras ilustrações de figuras e de paisagens. Assim, por exemplo. Rubens cria esboços (inventio) que outro artista desenha (delineavit) e outro transfere para a placa de cobre (sculpsito). As gravuras de mapas, vistas de cidades, animais ou plantas. transformam o livro num amálgama de letras e imagens. Desta forma, os estilos plásticos — renascimento, barroco, rococó. neoclássico — vão, aparecendo pontualmente nas ilustrações dos livros.
Tudo isto está ligado à fabricação do papel, do qual o aparecimento da imprensa aumentou a necessidade. Através dos árabes, chega a Espanha (Játiva. 1150) o primeiro moinho de papel, cuja técnica se estendeu imediatamente a toda a Europa, seguindo o processo tradicional, desde a sua invenção na remota China. Em 1798. Luis Robert inventa a primeira máquina de fabricar papel.
Tudo isto nos conduz a uma conclusão evidente: o aparecimento da imprensa significa para o livro a passagem de um artesanato individual a uma fabricação industrial, que exige uma organização comercial. Daqui por diante, o livro é um produto, em cujo preço intervêm fatores nitidamente econômicos: qualidade da matéria-prima (neste caso intelectual) valor dos custos e sua incidência no que se refere ao número de exemplares (a maior número menor custo), operação de distribuição comercial e fator venda.
Os primeiros impressores eram pessoas "vivas", que desde Alemanha — se espalhavam pela Europa para dar a conhecer (e explorar) o maravilhoso invento a que um humanista espanhol chamou "divino". Não devem ter faltado vozes alarmadas perante essa proliferação do livro permitida por sua fácil reprodução. Assim, por exemplo, um personagem de Lope de Vega, em Fuente-ovejuna, refere-se ao acontecimento:
Deve-se este invento a Gutemberg. um famoso alemão de Moguncia, em quem a fama seu valor renuncia.
Mas muitos dos que tinham uma opinião severa, por imprimir as suas obras, a perderam; além disto, com o nome de quem sabe, muitos suas ignorâncias imprimiram.
Outro poeta, o inglês Alexander Pope (1728) explica na sua obra The Dunciad o alarme que lhe causa uma tal proliferação do livro impresso. O certo é que o livro é já uma mercadoria que começa a multiplicar-se. Para além do impressor nômade, aparece o vendedor ambulante e surgem os primeiros grandes mercados europeus: Frankfurt, Paris, Augsburgo. Já nesta época adquire fama a feira do livro de Leipzig, que se realiza duas vezes por ano e, desde 1564, publica catálogos de novidades, cuja fama perdura até hoje. Estas feiras apareciam por vezes ligadas a núcleos espirituais, como aqueles a que a Reforma deu origem, e que transformaram a cidade de Wittenberg no centro de venda da Bíblia (traduzida por Lutero) assim como de folhetos, coleções de hinos, etc. A qualidade e abundância dos livros permite, como já dissemos, a multiplicação das bibliotecas particulares, a nível de estudiosos, assim como de nobres aficionados à leitura. Os reis dão o exemplo e Francisco I da França. Filipe II da Espanha, e Maximiliano da Áustria criam bibliotecas reais.


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Fonte:
O Livro Ontem, Hoje e Amanhã (Biblioteca Salvat de Grandes Temas), por: Guillermo Díaz-Plava. Tradução: Margarida Jacquet e  Irineu Garcia. Salvat Editora, 1979, págs. 56-62.

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