sábado, 18 de junho de 2016

O indígena brasileiro: a visão dos europeus

O indígena brasileiro: a visão dos europeus
Como vivia material, cultural e espiritualmente o indígena brasileiro à época da conquista das terras americanas pelos europeus?
Essa questão não tem resposta única e precisa, pois são poucas as pesquisas e estudos sobre o modo de vida do indígena brasileiro antes dos contatos com os europeus. Em países pobres, com escassez de recursos, de conhecimentos e de tecnologia, como o nosso, não é dada prioridade a essa área de investigação científica. Quase sempre essas pesquisas dependem mais do esforço individual dos pesquisadores do que da ajuda e do incentivo governamentais.
Há que se considerar ainda deformações, preconceitos e julgamentos etnocêntricos de que foram e têm sido vítimas as populações tribais. Os primeiros cronistas, como Manuel da Nóbrega, André Thevet, Hans Staden, Frei Vicente de Salvador, Pêro de Magalhães Gandavo e outros, que descreveram o modo de vida de nossos indígenas, tinham uma visão de mundo modelada pelo cristianismo europeu da fase feudal e renascentista. Ao depararem com uma forma de vida muito distinta da europeia, que consideravam a única válida, esses cronistas reforçaram a ideia de uma pretensa superioridade racial e cultural do europeu, a quem caberia o papel de levar seus valores aos povos americanos.
Pouco compreendendo a cultura do homem americano em geral, e a do brasileiro em particular, o português conquistador estabeleceu uma divisão grosseira entre os nossos indígenas, agrupando-os em "tupi" (os moradores do litoral) e "tapuia" (os habitantes do interior). Essa interpretação dos cronistas europeus deveu-se em parte aos próprios "tupi" que, tendo os "tapuia" como inimigos, consideravam-nos inferiores.
Como a colonização iniciou-se pelo litoral, os primeiros contatos foram estabelecidos com os tupi, tendo os europeus pouco acesso aos grupos tapuia. Assim, quando os cronistas se referiam ao índio brasileiro, na verdade estavam generalizando informações que valiam apenas para certos grupos tupi. Porém, mesmo no que se refere aos tupi, as informações estavam imbuídas de preconceitos e etnocentrismo e eram resultado da observação de algumas poucas tribos.
Ao europeu educado segundo o cristianismo dos séculos XV e XVI, era difícil entender o modo de viver dos indígenas. Para eles, a poligamia, a antropofagia, a crença em forças mágicas e não no Deus cristão, a nudez etc. eram consideradas índices de barbárie incompatíveis com a visão europeia da vida.
Devido a essas práticas distintas das europeias, o indígena era considerado cruel, sanguinário, vingativo, desumano. Por não se adequar ao modelo econômico do europeu, que adentrava no capitalismo, nosso índio era tido como preguiçoso e ladrão. Por não crer no Deus cristão, era visto como herético. Infelizmente esta visão, de certa forma, ainda perdura. ;
Hans Staden, um europeu feito prisioneiro pelos tupinambá, deixou-nos um amplo relato da "selvageria" do índio:
"Pela manhã, bem antes do alvorecer, vêm eles, dançam e cantam em redor do tacape com que o querem executar, até que o dia rompa. Tiram então o prisioneiro para fora da pequena choça e derrubam-na, fazendo um espaço limpo. Em seguida, desatam-lhe a muçurana do pescoço, passam-na em volta do corpo retesando-a de ambos os lados. Fica ele então no meio, bem amarrado. Muita gente segura a corda nas duas extremidades. (...)
Quem matou o prisioneiro recebe ainda uma alcunha, e o principal da choça arranha-lhe os braços, em cima, com o dente de um animal selvagem. Quando esta arranhadura sara, vêm-se as cicatrizes, que valem por ornato honroso. (...) Tudo isso eu vi, e assisti". (Hans Staden, Duas viagens ao Brasil, Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Edusp, 1974, p. 180-5.)
O canibalismo e a guerra tribal, documentados por Hans Staden, entre outros, eram práticas rituais, como atestam a antropologia nos dias de hoje. Estes costumes milenares tinham um sentido mítico, reconhecido tanto dentro como fora do grupo tribal. Apenas o preconceito e o etnocentrismo associaram aquelas práticas à falta de civilização.


---
Fonte:
História do Brasil, por: José Dantas. Editora Moderna. São Paulo, 1989, pag. 4.

Nenhum comentário:

Postar um comentário