quinta-feira, 30 de junho de 2016

Rindo-se, castigam-se os costume

Rindo-se, castigam-se os costume
Ao apresentar a peça, Gil Vicente diz:     
"A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, na era do Senhor 1523. O seu argumento é que, porquanto duvidavam certos homens de bom saber, se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se as furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: é um exemplo comum que dizem:
Mais vale asno que me leve que cavalo que me derrube."
E sobre este motivo se fez esta farsa."
O Auto de Inês Pereira c considerado o mais complexo trabalho do teatrólogo português. Apresenta uma situação concreta, uma personagem melhor delineada psicologicamente e um fio condutor bem configurado.
Trata-se de uma jovem sonhadora que procura, através de um casamento com homem "avisado que saiba tanger viola", fugir à rotina doméstica. Despreza Pêro Marques, filho de uni camponês rico, um homem tolo e ingênuo, aceitando se casar com Brás da Mata, escudeiro pilantra e pobretão. No entanto, os sonhos da heroína são logo desfeitos, porque o marido revela sua verdadeira personalidade, maltratando-a e explorando-a. Brás da Ma ta vai para a África e lá vem a falecer. Inês, ensinada pela dura experiência, toma consciência da realidade, aceitando o casamento com Pêro Marques, seu primeiro pretendente. Depressa a jovem aceita a corte de um falso ermitão. A farsa termina com o marido levando-a às costas (asno que me carregue) até a gruta do ermitão.
Para a perfeita compreensão da época, é sugerida a observação de personagens como Lianor Vaz, os judeus casamenteiros e a mãe de Inês. Cada um, a seu modo, reflete a forma que Gil Vicente encontra para enxergar criticamente a realidade.
Através de Lianor, são criticadas certas esferas do clero libertino e devasso; com os judeus casamenteiros tem-se o jogo de interesses que envolve os contratos matrimoniais; pela mãe são revelados os hábitos acomodados de pessoas com poucos privilégios sociais.
Embora representada em 1523, na peça são encontrados muitos pontos comuns com a realidade atual.

A peça apresenta onze personagens, nomeados da seguinte maneira: Inês Pereira; sua mãe; Lianor Vaz; Pêro Marques; dois judeus (Latão e Vida!); escudeiro (Brás da Mata); moço do escudeiro; um ermitão; Luzia e Fernando.
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Fonte:
A farsa de Inês Pereira, por Gil Vicente. Comentários: Célia A. N. Passoni. Editora Núcleo. São Paulo, 1991, págs. 13-14.

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