A Ford Motor Company, a General Motors e as
igrejas evangélicas no Brasil
Por: Ed René
Kivitz
Vou
construir um carro a motor para grandes multidões. O preço será tão baixo que todos os que
tiverem um ^V bom salário poderão adquirir esse carro. O cavalo terá
desaparecido de nossas estradas e o carro será algo corriqueiro." Estas
palavras descrevem a visão de Henry Ford. Pragmático, Ford colocou trem de
pouso em sua visão e disse como faria que seu sonho se tornasse realidade.
"A maneira de se fazer carros é produzi-los um igual ao outro, igual ao
outro, igual ao outro... Quanto menos complexo for o nosso carro, tanto mais
fácil será fabricá-lo, tanto mais barato poderemos vendê-lo e, portanto, tanto
maior o número que poderá ser vendido."
Ford acertou
na mosca. O Modelo T começou a ser produzido em 1908, e foram vendidos 5.986
carros a um preço de U$ 850 cada. Mas, em 1916, apenas oito anos depois, o
custo caiu para U$ 360 e foram vendidos 577.036 carros. Em 1920, 33% das
famílias americanas possuíam um carro. Esta porcentagem subiu para 77% em 1930.
Sua estratégia foi perfeita para um mercado virgem: um carro universal, vendido
ao menor custo possível. Ford ficou milionário.
Mas, em
1930, o mercado de automóveis ficou saturado. A Ford tinha que procurar uma
forma de motivar as pessoas a comprar seu segundo carro, mas Henry Ford ficou
preso em sua história de sucesso e não foi capaz de perceber a mudança no
consumidor.
Houve um
camarada, entretanto, que conseguiu perceber o novo espírito da época. Alfredo
Sloan tornou-se presidente da General Motors em 1923, e criou um dos maiores
sucessos da história empresarial americana e mundial. A tese de Sloan era
oposta à de Ford. Enquanto Ford queria produzir o mesmo tipo de carro em grande
quantidade para garantir um custo baixo, Sloan resolveu produzir um carro para
cada bolso e cada necessidade. Em outras palavras, Sloan inventou a
segmentação. Desta vez, foi ele quem acertou na mosca. Durante os anos 20, a
General Motors bateu a Ford tanto em parcela de mercado quanto em lucro. Aliás,
teve um lucro maior do que a Ford durante mais de mais 60 anos ininterruptos,
de 1925 a 1986.
Fiquei
fascinado com esta história contada por Clemente Nóbrega em seu livro Em busca
da empresa quântica, à luz de estudos feitos por Richard Tedlow, historiador de
negócios de Harvard. Seu paralelo com a história da Igreja no Brasil é
significativo. Observe que, ao final do século passado, ninguém no Brasil tinha
carro, isto é, o Brasil era um mercado virgem para a evangelização de tradição
protestante. Os primeiros missionários invadiram nossa terra com a proclamação
de uma mensagem simples e universal, focalizando a essência da conversão a
Jesus Cristo, o Filho de Deus Salvador. Logo a Igreja fincou suas raízes nesta
terra que, "em se plantando, tudo dá", pois com o Evangelho não foi
diferente, a semente vingou.
A primeira
fase da evangelização do Brasil comportava macroconceitos e um tratamento
razoavelmente uniforme da população que se convertia. Neste período surgiram
também os grandes blocos denominacionais com suas distinções claras em termos
de ênfases na proclamação, formas litúrgicas e estruturas eclesiásticas. Em
outras palavras, houve um tempo em que as massas puderam ser tratadas com certa
uniformidade, e para elas podiam ser vendidos poucos modelos de carros. Mas
este tempo acabou. Quem deseja ainda tratar a população evangélica como uma
massa uniforme e empurrar para ela um Evangelho versão Modelo T perdeu o bonde
da história. Aliás, a afirmação "sou evangélico" hoje não diz
absolutamente nada, pela simples razão de dizer tantas coisas ao mesmo tempo,
coisas inclusive contraditórias entre si.
Em termos
práticos, o que conta hoje é a afinidade visionária. Os fenômenos dos últimos
anos no mundo evangélico atropelaram os blocos denominacionais e criaram um
novo paradigma de comunhão. Por exemplo, os movimentos da missão integral e da
espiritualidade, da teologia da prosperidade e de batalha espiritual, as ondas
de igreja em células e o mais recente e badalado G12 se espalharam por igrejas
locais e conquistaram líderes cristãos, independentemente de sua identidade (ou
falta de identidade) denominacional. As iniciativas para a unidade da Igreja na
história recente do Brasil não passaram de pretextos para aglutinação de afins
com interesses escusos de aproveitamento do mercado evangélico. A Igreja
Evangélica hoje é uma grande Babel, que reflete um espírito de época, e se
organiza tal e qual qualquer mercado: pela via da segmentação. Compete, pois, a
cada cristão e líder cristão discernir as vozes e escolher seus guias, cultivar
o respeito mútuo na diversidade, encontrar seus pares para cultivar o diálogo
e, principalmente, redescobrir a singularidade e a centralidade da igreja local
para cumprimento do propósito de Deus: manifestar sua multiforme graça para que
o mundo se encha do conhecimento da glória do Senhor como as águas cobrem o
mar.
---
Fonte:
Revista Eclésia. Ano V - Nº 54 - Maio de 2000. Editora Eclesia. São Paulo, pág. 13.
Nenhum comentário:
Postar um comentário