Alexandria: Cidade de Quatro Civilizações
COM cerca de
cinco milhões de habitantes, Alexandria — Iskunderieh,
em árabe - é a segunda maior cidade do Egito. Tem aspecto mediterrâneo, com
grandes avenidas arborizadas, praças com estátuas de bronze e imponentes
edifícios públicos. E somente revela sua localização, no norte da África, em
seus bairros tipicamente árabes e suas mesquitas, de cujos minaretes os muezzins chamam para a oração cinco
vezes por dia. O bonde amarelo que os alexandrinos chamam de metro passa perto
da Mesquita de Abul-al-Abbas, um exemplo expressivo da arquitetura muçulmana.
Foi
construída em 1943 no lugar de uma outra mesquita, de 1767. que se elevava em
cima da tumba de um santo muçulmano do século XIII. Alguns metros mais embaixo,
provavelmente sob o lençol freático, estão os restos dos palácios dos faraós
ptolomaicos que criaram a grandeza da Alexandria helenística. A cidade foi
fundada por Alexandre Magno e guarda em lugar desconhecido o túmulo do
fundador. Capital do Egito por quase mil anos, o brilho de seus monumentos no período
áureo chegou a superar os de Roma. Mas hoje não se pode visitá-los. Quase tudo
foi destruído, encontra-se debaixo da água ou foi encoberto pela cidade
moderna. Felizmente, restam os relatos dos cronistas antigos, como o
historiador Políbio (200-120 a. C.) ou o geógrafo Estrabão, do primeiro século
antes de Cristo.
A escolha do
sítio foi política. Alexandre queria uma cidade portuária grega, separada do
interior xenófobo do Egito. Seria "Alexandria perto do Egito", e,
depois da destruição de Tiro e Gaza, o único porto grego da região, tendo como
rival apenas a Cartago fenícia, cerca de 1.700 quilômetros a oeste. O arquiteto
Dinocrates de Rodes criou para Alexandre uma cidade murada em forma de
trapézio, com 6.000 por 1.500 metros, em frente à ilha de Faro.
Um dique de
1.200 metros de extensão unia a pequena porção de terra ao continente, formando
dois portos seguros. As ruas, por sua vez, foram construídas como um tabuleiro
de xadrez: cruzavam-se em ângulos retos, com praças e espaços verdes,
entrecortadas nas direções norte-sul e leste-oeste por duas avenidas de 30
metros de largura. Estas eram ladeadas por colunatas para dar sombra aos
pedestres, e iluminadas de noite com lâmpadas a óleo. Um sistema de esgotos
subterrâneo acompanhava as ruas, enquanto aquedutos e cisternas forneciam água
potável.
Sob Ptolomeu
I Sóter (367-283 a. C.), primeiro governador de Alexandre e, depois, seu
sucessor e fundador da dinastia ptolomaica, a cidade tornou-se centro da
cultura helenística. A população cresceu rapidamente. As muralhas duplas de 15 quilômetros
de circunferência, reforçadas por muitas torres, guardavam um areal urbano de
750 hectares. A interpenetração de culturas e o progresso comercial criaram uma
metrópole pujante, que no século II a. C. ultrapassou Atenas e Roma.
Alexandria
possuiu edifícios grandiosos, provavelmente inspirados em modelos egípcios:
palácios, santuários, gigantescas casas de banhos e outros edifícios públicos.
Ptolomeu fundou o Museion (lar das musas),
que seria mais bem traduzido como universidade do que propriamente como museu. Lá trabalhavam os maiores
cientistas. Grandes nomes como Euclides, que ensinava geometria; e Arquimedes,
mecânica. Aristarco de Samos, por exemplo, lá desenvolveu a teoria
heliocêntrica, e o diretor da instituição, Eratóstenes de Cirena, calculou a
circunferência da Terra em 39.706 quilômetros.
A famosa
biblioteca guardava todos os conhecimentos do mundo antigo e, provavelmente, as
obras completas da literatura grega. O Velho Testamento também fazia parte do
acervo, traduzido pela primeira vez para o grego. Na época de Cleópatra,
acredita-se que a instituição possuía mais de 700 mil rolos de manuscritos. O
edifício fazia parte do Bairro Real, que ocupava talvez um quarto da cidade, e
incluía parques com lagos e pavilhões, um jardim zoológico, casernas e as
tumbas da dinastia ptolomaica.
EDIFÍCIOS
públicos rodeavam a grande praça Mesopoedion. Segundo a tradição, à margem
oriental estava o túmulo de Alexandre -
onde ele repousou em seus féretros de ouro e de vidro por 600 anos. Com o
advento do cristianismo, sua localização foi esquecida. E possível que os
restos de seu monumento ainda estejam debaixo da Avenida Al-Hurriya, ao
noroeste de Kom-al-Dikka, próximo à estação da estrada de ferro para o Cairo.
Aliás, Al-Hurriya pode bem corresponder à Via Canópia, que com suas colunatas
ligava a Porta do Sol, no leste; à Porta da Lua, no oeste. Acredita-se que os
restos do Museion estejam escondidos debaixo do atual Museu Greco-Romano.
Gregos,
egípcios, judeus e outras etnias de todos os cantos do mundo acorriam para
Alexandria, onde tinham bairros específicos. Fontes antigas falam de uma
população expressiva que variou de cem mil até um milhão de habitantes. "A
grande, a feliz, a metrópole do mundo, a casa de Afrodite, de vinhos finos e mulheres
lindas", cantava o poeta Herodas, no começo do século II antes de Cristo.
Já o famoso
Farol, construído no reino de Ptolomeu II Filadelfo e inaugurado por volta de
280 a. C, na ilha de Faro, deu o nome a todos os futuros faróis. Os documentos
informam que sua altura estava entre 100 e 150 metros e lhe valeu o título de
uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. A gigantesca estrutura tinha um
pedestal retangular de 340 metros de lado. O primeiro piso, um quadrado, tinha
200 aposentos, que serviam de depósitos e abrigavam técnicos e guardas. O
segundo, em formato octogonal, e o terceiro, redondo, davam sustentação à sala
da lanterna.
No topo, com
oito colunas, erguia-se a estátua de Posêidon, com sete metros e toda em
bronze. Escadas em espiral e um poço para o transporte de combustível subiam
até a sala da lanterna. E a luz era refletida por espelhos de metal polido. O
Farol continuou funcionando depois da conquista árabe, no século VII, mas foi
danificado pelo terremoto de 1100 e totalmente destruído no ano de 1375.
Por volta do
século III a. C., os egípcios ainda não aceitavam o panteão grego. Assim, para
unir seus súditos, os reis ptolomaicos criaram o culto a Serápis, um deus
greco-asiático, sósia de Plutão, senhor dos mortos, e logo identificado pelo
povo com Osíris, o amado deus dos mortos e da vida eterna. Serápis, divindade
sincrética cujo nome provavelmente deriva do egípcio Userhapi (Osíris-Ápis),
era apresentado como equivalente antropomórfico do touro morto Ápis (adorado no
Egito e assimilado a Osíris); enquanto o egípcio Anúbis, com cabeça de chacal,
era equiparado ao grego Cérbero, o cão responsável por vigiar o mundo das
trevas.
O mundo
helenístico imediatamente aceitou Serápis - mais grego que egípcio - como
Sóter, o Salvador. Associado à grande deusa Isis e a seu filho, Hórus,
divindades eminentemente protetoras, ele manteve sua posição no panteão até a
vitória do cristianismo. No século II a. C. havia 42 templos desta divindade no
Egito. O Serapéu alexandrino encontrava-se no topo da colina de Karmuz,
acrópole magnífica rodeada por santuários e outros edifícios, como a nova
biblioteca de Cleópatra, com 200 mil livros. Dentro do templo, a imagem do deus
era do tipo grego: Plutão ou Hades, sentado no trono, um cesto de medida de
trigo na cabeça e uni cetro na mão. Aos seus pés, o cão Cérbero com três
cabeças, e uma serpente. O culto alastrou-se rapidamente em Roma e tornou-se
uma das religiões mais importantes do Ocidente pagão.
Quem fala de
Alexandria inevitavelmente pensa em Cleópatra. Nossa Cleópatra, a VII, que tinha 18 anos quando herdou o trono, em
51 a. C., e era casada - segundo o costume egípcio - com o irmão, Ptolomeu
XIII. A história, tantas vezes narrada em livros e levada às telas do cinema,
teve a participação de Júlio César. Em 47 a. C., ele entra em Alexandria com
quatro mil legionários e é seduzido pela jovem rainha. A cidade fica, então, em
crise. Durante as lutas, parte dela arde em chamas e todos os 700 mil livros da
biblioteca são destruídos.
César foi
vitorioso, como sempre. O resto da história também é conhecido. Depois da curta
ligação com César, que foi assassinado em 44 a. C., Cleópatra uniu-se a Marco
António, que por sua vez já era casado com a irmã de Otaviano, um forte
pretendente ao poder supremo em Roma. Na guerra daí decorrente, as forças
egípcias de Cleópatra e António foram derrotadas, e ambos cometeram suicídio.
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Fonte:
Revista Geográfica Universal. Nº 283 - Agosto de 1998. Bloch Editores. Rio de
Janeiro, págs. 70-74.