segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Alexandria: Cidade de Quatro Civilizações

Alexandria: Cidade de Quatro Civilizações
COM cerca de cinco milhões de habitantes, Alexandria — Iskunderieh, em árabe - é a segunda maior cidade do Egito. Tem aspecto mediterrâneo, com grandes avenidas arborizadas, praças com estátuas de bronze e imponentes edifícios públicos. E somente revela sua localização, no norte da África, em seus bairros tipicamente árabes e suas mesquitas, de cujos minaretes os muezzins chamam para a oração cinco vezes por dia. O bonde amarelo que os alexandrinos chamam de metro passa perto da Mesquita de Abul-al-Abbas, um exemplo expressivo da arquitetura muçulmana.
Foi construída em 1943 no lugar de uma outra mesquita, de 1767. que se elevava em cima da tumba de um santo muçulmano do século XIII. Alguns metros mais embaixo, provavelmente sob o lençol freático, estão os restos dos palácios dos faraós ptolomaicos que criaram a grandeza da Alexandria helenística. A cidade foi fundada por Alexandre Magno e guarda em lugar desconhecido o túmulo do fundador. Capital do Egito por quase mil anos, o brilho de seus monumentos no período áureo chegou a superar os de Roma. Mas hoje não se pode visitá-los. Quase tudo foi destruído, encontra-se debaixo da água ou foi encoberto pela cidade moderna. Felizmente, restam os relatos dos cronistas antigos, como o historiador Políbio (200-120 a. C.) ou o geógrafo Estrabão, do primeiro século antes de Cristo.
A escolha do sítio foi política. Alexandre queria uma cidade portuária grega, separada do interior xenófobo do Egito. Seria "Alexandria perto do Egito", e, depois da destruição de Tiro e Gaza, o único porto grego da região, tendo como rival apenas a Cartago fenícia, cerca de 1.700 quilômetros a oeste. O arquiteto Dinocrates de Rodes criou para Alexandre uma cidade murada em forma de trapézio, com 6.000 por 1.500 metros, em frente à ilha de Faro.
Um dique de 1.200 metros de extensão unia a pequena porção de terra ao continente, formando dois portos seguros. As ruas, por sua vez, foram construídas como um tabuleiro de xadrez: cruzavam-se em ângulos retos, com praças e espaços verdes, entrecortadas nas direções norte-sul e leste-oeste por duas avenidas de 30 metros de largura. Estas eram ladeadas por colunatas para dar sombra aos pedestres, e iluminadas de noite com lâmpadas a óleo. Um sistema de esgotos subterrâneo acompanhava as ruas, enquanto aquedutos e cisternas forneciam água potável.
Sob Ptolomeu I Sóter (367-283 a. C.), primeiro governador de Alexandre e, depois, seu sucessor e fundador da dinastia ptolomaica, a cidade tornou-se centro da cultura helenística. A população cresceu rapidamente. As muralhas duplas de 15 quilômetros de circunferência, reforçadas por muitas torres, guardavam um areal urbano de 750 hectares. A interpenetração de culturas e o progresso comercial criaram uma metrópole pujante, que no século II a. C. ultrapassou Atenas e Roma.
Alexandria possuiu edifícios grandiosos, provavelmente inspirados em modelos egípcios: palácios, santuários, gigantescas casas de banhos e outros edifícios públicos. Ptolomeu fundou o Museion (lar das musas), que seria mais bem traduzido como universidade do que propriamente como museu. Lá trabalhavam os maiores cientistas. Grandes nomes como Euclides, que ensinava geometria; e Arquimedes, mecânica. Aristarco de Samos, por exemplo, lá desenvolveu a teoria heliocêntrica, e o diretor da instituição, Eratóstenes de Cirena, calculou a circunferência da Terra em 39.706 quilômetros.
A famosa biblioteca guardava todos os conhecimentos do mundo antigo e, provavelmente, as obras completas da literatura grega. O Velho Testamento também fazia parte do acervo, traduzido pela primeira vez para o grego. Na época de Cleópatra, acredita-se que a instituição possuía mais de 700 mil rolos de manuscritos. O edifício fazia parte do Bairro Real, que ocupava talvez um quarto da cidade, e incluía parques com lagos e pavilhões, um jardim zoológico, casernas e as tumbas da dinastia ptolomaica.
EDIFÍCIOS públicos rodeavam a grande praça Mesopoedion. Segundo a tradição, à margem oriental estava o túmulo de  Alexandre - onde ele repousou em seus féretros de ouro e de vidro por 600 anos. Com o advento do cristianismo, sua localização foi esquecida. E possível que os restos de seu monumento ainda estejam debaixo da Avenida Al-Hurriya, ao noroeste de Kom-al-Dikka, próximo à estação da estrada de ferro para o Cairo. Aliás, Al-Hurriya pode bem corresponder à Via Canópia, que com suas colunatas ligava a Porta do Sol, no leste; à Porta da Lua, no oeste. Acredita-se que os restos do Museion estejam escondidos debaixo do atual Museu Greco-Romano.
Gregos, egípcios, judeus e outras etnias de todos os cantos do mundo acorriam para Alexandria, onde tinham bairros específicos. Fontes antigas falam de uma população expressiva que variou de cem mil até um milhão de habitantes. "A grande, a feliz, a metrópole do mundo, a casa de Afrodite, de vinhos finos e mulheres lindas", cantava o poeta Herodas, no começo do século II antes de Cristo.
Já o famoso Farol, construído no reino de Ptolomeu II Filadelfo e inaugurado por volta de 280 a. C, na ilha de Faro, deu o nome a todos os futuros faróis. Os documentos informam que sua altura estava entre 100 e 150 metros e lhe valeu o título de uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. A gigantesca estrutura tinha um pedestal retangular de 340 metros de lado. O primeiro piso, um quadrado, tinha 200 aposentos, que serviam de depósitos e abrigavam técnicos e guardas. O segundo, em formato octogonal, e o terceiro, redondo, davam sustentação à sala da lanterna.
No topo, com oito colunas, erguia-se a estátua de Posêidon, com sete metros e toda em bronze. Escadas em espiral e um poço para o transporte de combustível subiam até a sala da lanterna. E a luz era refletida por espelhos de metal polido. O Farol continuou funcionando depois da conquista árabe, no século VII, mas foi danificado pelo terremoto de 1100 e totalmente destruído no ano de 1375.
Por volta do século III a. C., os egípcios ainda não aceitavam o panteão grego. Assim, para unir seus súditos, os reis ptolomaicos criaram o culto a Serápis, um deus greco-asiático, sósia de Plutão, senhor dos mortos, e logo identificado pelo povo com Osíris, o amado deus dos mortos e da vida eterna. Serápis, divindade sincrética cujo nome provavelmente deriva do egípcio Userhapi (Osíris-Ápis), era apresentado como equivalente antropomórfico do touro morto Ápis (adorado no Egito e assimilado a Osíris); enquanto o egípcio Anúbis, com cabeça de chacal, era equiparado ao grego Cérbero, o cão responsável por vigiar o mundo das trevas.
O mundo helenístico imediatamente aceitou Serápis - mais grego que egípcio - como Sóter, o Salvador. Associado à grande deusa Isis e a seu filho, Hórus, divindades eminentemente protetoras, ele manteve sua posição no panteão até a vitória do cristianismo. No século II a. C. havia 42 templos desta divindade no Egito. O Serapéu alexandrino encontrava-se no topo da colina de Karmuz, acrópole magnífica rodeada por santuários e outros edifícios, como a nova biblioteca de Cleópatra, com 200 mil livros. Dentro do templo, a imagem do deus era do tipo grego: Plutão ou Hades, sentado no trono, um cesto de medida de trigo na cabeça e uni cetro na mão. Aos seus pés, o cão Cérbero com três cabeças, e uma serpente. O culto alastrou-se rapidamente em Roma e tornou-se uma das religiões mais importantes do Ocidente pagão.
Quem fala de Alexandria inevitavelmente pensa em Cleópatra. Nossa Cleópatra, a VII, que tinha 18 anos quando herdou o trono, em 51 a. C., e era casada - segundo o costume egípcio - com o irmão, Ptolomeu XIII. A história, tantas vezes narrada em livros e levada às telas do cinema, teve a participação de Júlio César. Em 47 a. C., ele entra em Alexandria com quatro mil legionários e é seduzido pela jovem rainha. A cidade fica, então, em crise. Durante as lutas, parte dela arde em chamas e todos os 700 mil livros da biblioteca são destruídos.
César foi vitorioso, como sempre. O resto da história também é conhecido. Depois da curta ligação com César, que foi assassinado em 44 a. C., Cleópatra uniu-se a Marco António, que por sua vez já era casado com a irmã de Otaviano, um forte pretendente ao poder supremo em Roma. Na guerra daí decorrente, as forças egípcias de Cleópatra e António foram derrotadas, e ambos cometeram suicídio.


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Fonte:
Revista Geográfica Universal. Nº 283 - Agosto de 1998. Bloch Editores. Rio de Janeiro, págs. 70-74.

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